Leticia Pereira
Da Redação
Em julho de 2023, 8 anos depois de estabelecer o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Governo Federal instituiu o colar de girassol como instrumento auxiliar para identificar pessoas com deficiências ocultas. O objeto tem como objetivo evitar que pessoas com limitações que não são visualmente perceptíveis passem por constrangimentos ou sofram preconceitos.
A lei nº 14.624/2023, que adiciona um artigo ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, não exige o uso do cordão como elemento indispensável para que essas pessoas exerçam os seus direitos, como ocupar vagas preferenciais e receber atendimento adequado à sua condição. Ele é opcional.
Como a aquisição do colar não possui nenhum regulamento, ele pode ser adquirido por qualquer pessoa em lojas físicas ou on-line. Por isso, a legislação o institui apenas como elemento auxiliar de identificação e não dispensa a apresentação de um documento que comprove a deficiência, caso seja solicitado.
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Antes da lei nacional, Mato Grosso já havia reconhecido legalmente o uso da fita com uma lei sancionada em 2022. No artigo 2º, o Estado se comprometeu em promover a divulgação do uso do colar e, no artigo 3º, impõe a estabelecimentos públicos e privados a orientação dos funcionários para lidar com possíveis usuários do acessório identificador. A justificativa do projeto de lei cita: “O intuito do projeto de lei é conscientizar cada vez mais os servidores e funcionários desses estabelecimentos [...], que a pessoa portadora do colar necessita de atenção especial, não necessitando de maiores explicações e justificativas já que a deficiência se faz oculta”.
São consideradas deficiências ocultas as condições incapacitantes que não podem ser identificadas de maneira imediata, como Transtorno do Espectro Autista (TEA), TDAH, Doença de Crohn, Surdez, Fibromialgia, Dislexia, entre outros
Mesmo com a lei nacional sancionada desde a metade do ano, o conhecimento sobre o significado do cordão ainda não é muito difundido, como conta Kely Bispo de Souza, mãe de duas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Como é um assunto novo, muitas pessoas ainda não têm conhecimento, mas elas já percebem que ali tem uma identificação, tem algo diferente. Eu percebo que quem não conhece, pergunta, e quem sabe já trata com mais atenção”, explica.
O TEA é uma condição atípica no desenvolvimento neurológico. Quem nasce com o transtorno apresenta maior sensibilidade a estímulos sensoriais, dificuldade em interações sociais e comportamentos repetitivos, entre outros sintomas.
A bióloga menciona que ela mesma usa o cordão há dois anos para identificar a necessidade de atenção especial quando está acompanhada dos filhos, já que o Marcos Gabriel, de 10 anos, e o João Arthur, de 7 anos, não utilizam nenhum acessório por conta da alta sensibilidade. O mais velho tem nível 3 de suporte e o mais jovem tem nível 1 de suporte.
Arquivo Pessoal

Marcos Gabriel teve uma poda neural com dois anos e meio, mas só recebeu o diagnóstico de TEA aos cinco anos.
A mãe, que mora em Cáceres, cita que o colar se torna muito importante em lugares com muitos estímulos e que exigem muita espera, situações que ela já sabe que vão causar a desregulação sensorial dos filhos. “Com o cordão a gente pode receber mais tolerância e empatia das pessoas”, diz.
Claudiane Figueiredo de Oliveira possui fibromialgia e conta que só começou a usar o cordão depois de receber a carteirinha oficial da prefeitura que identifica pessoas fibromiálgicas, por medo de constrangimentos. “Depois que fiz a carteirinha fiquei mais confiante, daí comecei a usar o cordão de girassol. As pessoas olham, algumas perguntam o que tenho, outras só olham desconfiadas”, explica.
A fisioterapeuta hospitalar revela que as dificuldades diárias são, muitas das vezes, incapacitantes e atividades simples se tornam impossíveis. “Tem dias que eu mal consigo levantar da cama sem ajuda ou ficar mais de dez minutos em pé, numa fila”, esclarece.
Arquivo Pessoal

Claudiane Figueiredo de Oliveira sofre desde os 13 anos com dores generalizadas e fadiga extrema.
Catarina Oliveira também tem fibromialgia e usa o cordão desde maio deste ano. Ela menciona que grande parte das pessoas nos ambientes em que frequenta não sabem do que se trata. “A maioria não conhece, é necessário um trabalho de divulgação e conscientização quanto ao significado do cordão. Eu já vi reportagem sobre o assunto, mas em um horário de pouca visibilidade”, opina.
Mesmo assim, a engenheira agora se sente mais segura ao utilizar os acentos preferenciais do ônibus. “Não me cedem o lugar e eu também não reivindico, mas quando consigo um lugar, não cedo, e se me questionam eu apresento a carteirinha [de pessoa com fibromialgia] com o cordão”, expõe.
A lei 11.554/2021 da ALMT assegurou às pessoas com fibromialgia os mesmos direitos instituídos às pessoas com deficiência no âmbito do Estado de Mato Grosso, tendo como justificativas as intensas dores no corpo causadas pela síndrome e a consequente dificuldade de locomoção física.
A psicóloga Criziene Vinhal atende muitos pacientes com deficiência diariamente no Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Corrêa (CIDRAC), em Cuiabá, e recomenda o uso do cordão aos que têm deficiência oculta. “O intuito é ajudar no cotidiano, assegurando que eles recebam o apoio necessário e o respeito aos seus direitos”, justifica.
Criziene explica que o cordão é sim percebido, mas ainda não é completamente compreendido pela sociedade. “Falta uma campanha de conscientização que explique à sociedade o significado”, declara.
Para Kely, o cordão evita a discriminação e torna a sociedade mais inclusiva. “Quando você tem uma doença invisível e se identifica, você evita o preconceito”, afirma.
Arquivo Pessoal

João Arthur recebeu o diagnóstico de TEA aos cinco anos de idade.
História do cordão de girassol
A fita com desenho de girassóis foi utilizada pela primeira vez em Londres, na Inglaterra, para identificar pessoas com deficiências ocultas que utilizavam o aeroporto de Gatwick. O símbolo criado pela Hidden Disabilities Sunflower, em 2016, ganhou força pelo mundo afora e tornou-se reconhecido e utilizado em vários países.
Flávia Callafange, mãe de uma criança autista, descobriu a ferramenta de identificação e decidiu se juntar à empresa criadora para difundir o cordão de girassol no Brasil. Hoje, a mãe da Felicia é a diretora da Hidden Disabilities Sunflower na América Latina.
Depois de inúmeras parcerias da empresa com organizações de saúde e associações, a fita ganhou visibilidade no Brasil e acabou norteando leis estaduais pelo Brasil e, por fim, a lei nacional.
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