Em meados de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o tema n.º 72 de repercussão geral, por maioria de votos, fixou a tese da inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade.
O salário-maternidade foi incluído no rol de prestações da Previdência Social brasileira pela Lei n.º 6.136/1974. A Constituição Federal de 1988, desde a sua versão original, incluiu no rol dos eventos cobertos pelo Regime Geral de Previdência Social a proteção à maternidade, especialmente à gestante.
Após o advento da atual Constituição, a legislação previdenciária passou a ser regulada, basicamente, por duas leis editadas em 1991: a Lei n.º 8.212, que instituiu o Plano de Custeio da Seguridade Social, e a Lei n.º 8.213, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
A Lei n.º 8.213/1991, ao mesmo tempo em que reconheceu o salário-maternidade como benefício da Previdência Social, dispôs que o pagamento ficaria a cargo da empresa, que deveria compensar o valor pago com as contribuições incidentes sobre a folha de salários. Por outro lado, a Lei n.º 8.212/1991, após alteração promovida em 1997, ressalvou que o salário-maternidade deveria ser considerado como salário de contribuição, para fins de incidência da contribuição previdenciária devida pela trabalhadora (cota da segurada) e pela empresa (cota patronal).
A respeito dessa exigência em face do empregador, instalou-se verdadeira controvérsia tributária, visto que a Constituição Federal dispõe que a contribuição previdenciária patronal incidirá sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, o que não se aplica ao salário-maternidade que não se encaixa no conceito de remuneração.
Além do aspecto tributário, o julgamento também suscitou o debate acerca da existência de normas tributárias que contribuem para a discriminação das trabalhadoras, agravando a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
De fato, o julgamento destacou que as normas impugnadas, ao imporem tributação que incide somente quando a trabalhadora é mulher e mãe, cria obstáculo geral à contratação de mulheres, por questões exclusivamente biológicas, uma vez que torna a maternidade um ônus.
Neste contexto, o Instituto Brasileiro de Estatística e Pesquisa (IBGE) divulgou em 2021, com base em dados colhidos no censo demográfico de 2019, que as mulheres, embora tenham melhor nível de escolarização, recebem remuneração, em média, equivalente a 77,7% do montante auferido pelos homens. A desigualdade é ainda maior nas funções de diretores e gerentes, nas quais as mulheres receberam 61,9% do rendimento dos homens.
A pesquisa revela que o nível de ocupação entre as mulheres que têm filhos com até 3 anos de idade é de 54,6%, abaixo dos 67,2% daquelas que não têm. Observa-se também que as mulheres pretas ou pardas com crianças de até 3 anos apresentaram os menores níveis de ocupação, inferiores a 50%, enquanto as brancas registraram um percentual de 62,6%.
Os afazeres domésticos também afetam a renda das mulheres, pois a conciliação da dupla jornada revelou que cerca de um terço delas somente conseguia trabalhar fora de casa em tempo parcial, isto é, até 30 horas semanais. Tal situação afeta apenas 15,6% dos homens empregados.
Em 2022, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou estudo sinalizando que a pandemia agravou a participação feminina na força de trabalho, notadamente, devido à desestruturação das redes formais e informais de cuidados, ao fechamento dos serviços de cuidados privados e públicos (como creches, escolas integrais e atividades de contraturno) e à redução do trabalho doméstico remunerado.
Portanto, a exclusão do salário-maternidade da base de incidência da tributação é medida dirigida ao agente empregador contribuinte, mais suscetível a incentivos econômicos, que visa contornar as citadas práticas discriminadoras que afetam a inserção e a permanência das mulheres no mercado de trabalho. Deste modo, trata-se de medida que visa dar efetividade à proteção constitucional do mercado de trabalho da mulher e da maternidade.
No entanto, respeitando-se os limites iniciais da causa, não houve pronunciamento do STF acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre a cota paga pela trabalhadora, tema sobre o qual se aguarda manifestação em breve, solucionando de uma vez por toda a celeuma.
Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT e Solange de Holanda Rocha, que é procuradora federal e professora universitária.
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