Da Redação
Nos últimos meses uma agitação tomou conta do mundo jurídico trabalhista em decorrência da possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciar ação em que se discutia a validade ou não do decreto presidencial de 1996, por meio do qual o então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) havia denunciado a Convenção n.º 158 da OIT.
Muitas notícias distorcidas foram divulgadas nas mídias sociais, mencionando até a possibilidade do retorno do regime da estabilidade no Brasil, instituto que vigorou aqui até o final da década de 1960, quando passou a conviver com o sistema do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, sendo extinto pela Constituição Federal em 1988.
A mencionada convenção da OIT, que trata das dispensas imotivadas de empregados, havia sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n.º 68/92, sendo ratificada em 05/01/1995 e promulgada em 10/04/1996, por meio do Decreto n.º 1.855/96. Entretanto, alguns meses depois, por meio do Decreto n.º 2.100/96, o então Presidente da República, FHC, denunciou unilateralmente a Convenção n.º 158 da OIT com a intenção de que ela deixasse de vigorar no Brasil.
Esse decreto da denúncia foi questionado por meio de ações propostas perante o STF, entre elas a ADIn 1.625, no âmbito da qual foi apontando que este tema teria que, necessariamente, ser discutido pelo Poder Legislativo, que havia apreciado e aprovado a adesão à Convenção n.º 158. Essas ações levaram mais de 25 anos para serem apreciadas por nossa Corte Constitucional, período em que alguns ministros que haviam proferido seu voto morreram e outros se aposentaram.
Após mais de duas décadas de trâmite das ações, o STF entendeu, por maioria, que a denúncia da Convenção n.º 158 não poderia ter ocorrido unilateralmente, ou seja, prevaleceu a tese que defendeu que, após a aprovação do Congresso Nacional e sua ratificação pelo Presidente da República, ocorre a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo necessária uma nova apreciação do Poder Legislativo para que o Chefe do Poder Executivo possa apresentar nota de denúncia à OIT.
Entretanto, em uma construção mais política do que jurídica, no nosso entendimento, o STF assentou que não poderia anular o ato assinado pelo Presidente FHC, o que caberia ao Congresso Nacional. Deste modo, manteve-se, na prática, a Convenção n.º 158 fora do nosso ordenamento jurídico e foi estabelecido que a inconstitucionalidade arguida pelas entidades sindicais se aplicará apenas para os casos futuros. Importante deixar registrado que a Convenção n.º 158 da OIT, que continua viger no plano internacional, não estabelece qualquer regime de estabilidade, nem veda a dispensa sem justa causa, mas apenas exige que as dispensas sejam justificadas, ou seja, que sejam apontados os motivos da rescisão contratual por iniciativa do empregador, os quais podem estar relacionados com a capacidade ou com o comportamento do empregado, ou ainda com as necessidades da empresa, do estabelecimento ou do serviço.
A mesma convenção estabelece que não poderão ser invocados para a dispensa, dentre outros, motivos como filiação a sindicato; participação em atividades sindicais fora do horário de trabalho, ou dentro do horário de trabalho, mas com o consentimento do empregador; o fato empregado ser candidato, ser ou ter sido representante dos empregados; ter efetuado ou participar de reclamação por supostas violações à lei, regulamentos; por motivo de raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, ascendência nacional ou origem social e opiniões políticas; ou ainda por ausência no trabalho por fruição de licença maternidade ou licença por motivo de saúde.
Verifica-se, assim, que os motivos que não serão aceitos como justificativas de dispensa já são vedados de serem utilizados pelo ordenamento jurídico brasileiro, vez que violam dispositivos constitucionais, particularmente aqueles que proíbem a discriminação e garantem tratamento igualitário para todos.
Por último, não custa lembrar que o art. 7º, inciso I, da Constituição de 1988, veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa, prevendo, inclusive, indenização e outros direitos quando essa ocorrer, nos termos de lei complementar que, infelizmente, ainda não foi objeto da atenção do legislador, mesmo tendo decorrido mais de 35 anos de sua aprovação.
*Carla Reita Faria Leal é líder do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.
Quer receber notícias no seu celular? Participe do nosso grupo do WhatsApp clicando aqui .
Tem alguma denúncia para ser feita? Salve o número e entre em contato com o canal de denúncias do Midiajur pelo WhatsApp: (65) 993414107. A reportagem garante o sigilo da fonte.