Carla Leal e Bruna Figueiredo
A rede varejista Americanas tem passado por um período delicado e de grande instabilidade. Após a descoberta de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, a companhia tem de lidar com os custos de uma dívida que ultrapassa a casa dos R$ 40 bilhões e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade de suas as atividades, incluindo a manutenção do emprego de seus funcionários, com o pagamento de seus salários e benefícios em dia, assim como o funcionamento de suas 1.800 lojas físicas e de seu comércio eletrônico.
A rede possui cerca de 40 mil empregados diretos e gera quase 60 mil empregos indiretos. No que se refere à dívida total da varejista, R$ 64,8 milhões são devidos aos trabalhadores do grupo que são apontados como prioritários quando se fala no plano de reestruturação, o qual será apresentado no processo de Recuperação Judicial em trâmite perante o Poder Judiciário.
Este processo de Recuperação Judicial, dentre outras finalidades, tem por objetivo evitar que ocorram demissões em massa, as quais, segundo as declarações dos advogados da rede para a imprensa, não ocorrerão pelo menos até o dia 20 de março, quando será apresentado o plano de recuperação da empresa. Deste modo, até lá ocorreriam apenas as rescisões ordinárias, como justas causas, términos de contrato a prazo, pedidos de dispensa e outros desligamentos pontuais.
Importante lembrar que a empresa, antes de pensar em dispensa em massa, pode negociar com sindicatos a redução de jornadas e, por consequência, a de salários, como previsto na Constituição Federal, bem como pode lançar mão da suspensão do contrato de trabalho para participação do empregado em cursos ou em programas de qualificação profissional, por período de dois a cinco meses, sempre por meio de acordo ou convenção coletiva (art. 476-A da CLT).
Também é importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, com repercussão geral, sobre as dispensas coletivas, quando, muito embora tenha afastado a obrigatoriedade de autorização prévia por parte da entidade sindical ou de convenção ou acordo coletivo prevendo essas dispensas, apontou que a intervenção sindical é exigência procedimental imprescindível para que estas ocorram.
Com relação à rede Americanas, até o momento, já houve duas reuniões realizadas entre os advogados da varejista, os representantes dos trabalhadores e os membros do Ministério Público do Trabalho. Além disso, a rede varejista, em nota, afirmou que renova seu compromisso de manter um relacionamento próximo com os sindicatos e um diálogo recorrente sobre as questões trabalhistas.
Como parte da negociação já iniciada, ficou estabelecido que todas as dispensas feitas pela empresa daqui por diante serão homologadas nos sindicatos da categoria de cada cidade onde o vínculo ocorreu, de forma gratuita, o que dará uma maior garantia aos trabalhadores de que seus direitos estão sendo observados pela empregadora, procedimento que antes era obrigatório e foi extinto pela Reforma Trabalhista de 2017.
Esse diálogo é mais do que necessário para minimizar os impactos sociais decorrentes da dispensa em massa, caso ela ocorra, pois, além dos empregados diretos da empresa, haveria uma grande repercussão também nas empresas fornecedoras da rede Americanas, atingindo muitos milhares de trabalhadores.
Ainda assim, o triste é saber que, por questões relacionadas à gestão temerária da empresa e ao cenário econômico enfrentado pelo país nos últimos anos, milhares de famílias estão ameaçadas de terem sua fonte de subsistência ceifada, o que impacta não só a saúde física dos trabalhadores, mas também, e principalmente, a saúde mental de todos os envolvidos.
Por fim, se o pior acontecer, ou seja, as dispensas ocorrerem, é preciso ressaltar que, mesmo em uma Recuperação Judicial, todos os direitos rescisórios dos funcionários devem ser observados e garantidos.
*Carla Leal e Bruna Figueiredo são membros do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.
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