No final do ano de 2022, a Justiça do Trabalho do Distrito Federal julgou improcedentes os pedidos contidos em uma Ação Civil Pública que impugnava o programa de trainee da empresa Magazine Luiza voltado exclusivamente para pessoas negras.
Tal ação, proposta pelo Defensor Público Federal Jovino Bento Júnior em setembro de 2020, visava não só a alteração do referido programa, para que passasse a receber pessoas de todas as etnias, mas também a condenação da empresa ré ao pagamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) a título de indenização pelos supostos danos morais coletivos causados pela medida e a proibição de que futuros processos seletivos de trainees fossem direcionados a um grupo específico.
O pedido foi sustentado pelo argumento de que a contratação exclusiva de empregados de determinada raça ou etnia, em detrimento de outras, geraria a exclusão de diversos grupos de trabalhadores, o que, em tese, violaria as normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais que vedam a discriminação no âmbito trabalhista.
À época do ajuizamento, vale dizer, a própria Defensoria Pública da União e 11 defensores integrantes do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU adotaram posicionamento diverso, lançando notas favoráveis à iniciativa da empresa e ressaltando que as políticas de cotas para minorias devem ser incentivadas, por constituírem importante mecanismo de redução das vulnerabilidades sociais.
Em sua defesa, a Magazine Luiza alegou que o programa de trainee exclusivo para pessoas negras foi criado com o objetivo de diminuir as diferenças raciais existentes nas posições de liderança da empresa, tendo em vista que, até então, apenas 16% dos seus líderes eram negros. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, emitiu parecer manifestando-se pela improcedência dos pedidos.
Na decisão, proferida em 03 de novembro de 2022 pela juíza Laura Ramos Morais, da 15ª Vara do Trabalho de Brasília, prevaleceu o entendimento de que a criação de um programa de trainees voltado apenas a jovens negros não pode ser considerada uma prática discriminatória, tendo em vista que o processo seletivo não configurou qualquer tipo de discriminação na seleção de empregados e, pelo contrário, demonstrou iniciativa de inclusão social e promoção da igualdade de oportunidades decorrentes da responsabilidade social do empregador.
A sentença destacou que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, no julgamento da ADPF 186, a constitucionalidade das cotas como política de ação afirmativa, em total consonância com o princípio da igualdade material.
Foi ressaltado também que as políticas de ações afirmativas - aplicáveis não só no mercado de trabalho, mas também no âmbito da educação e em outras áreas - constituem instrumentos necessários para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, devendo ser implementadas tanto pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e outras formas de intolerância.
Por fim, a magistrada julgou improcedentes todos os pedidos formulados na petição inicial, por considerar que a medida instituída pela empresa encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio e internacional e está de acordo com a Constituição Federal, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, a Lei 12.288/2010 e com o entendimento jurisprudencial do STF.
Não poderia ser mais acertada a decisão proferida pela Justiça do Trabalho do Distrito Federal, que reconheceu a legalidade do programa de trainee voltado apenas para pessoas negras. Espera-se, inclusive, que outras empresas sigam o exemplo dado pela empresa Magazine Luiza e adotem estratégias efetivas para que grupos socialmente marginalizados possam alcançar cada vez mais os cargos de gestão dentro das estruturas organizacionais.
Esse podcast teve a participação de Carla Reita Faria Leal e Amanda Cristina Campos de Almeida, membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT.
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