ALLAN PEREIRA
Da Redação
As condições de precariedade e exploração de emprego no campo, aliada a uma alta exposição a agrotóxicos, foram alguns dos principais gatilhos para o suicídio de trabalhadores rurais no início da idade adulta em nas cidades de Sapezal, Campos de Júlio e Campo Novo do Parecis nos anos de 2000 a 2017, segundo um estudo interdisciplinar entre pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Escola Nacional de Saúde.
Segundo a pesquisa, trabalhadores rurais no início da vida adulta, que são migrantes de outros Estados e estão em empregos precarizados cometerem suicídio também por conta das condições degradantes de suas atividades profissionais, que refletiram no emocional de cada um.
A conclusão dos pesquisadores é que o modelo econômico adotado nas plantações de commodities (soja, milho e algodão), que privilegiam contratos de trabalho precarizados (temporário, sazonal ou por produção) e com uso massivo de agrotóxicos, é o principal indutor para os casos de suicídio na região.
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Os pesquisadores Virgínia Luiza Silva Costa, Luís Henrique da Costa Leão, Francco Antonio Neri de Souza, Wanderlei Antônio Pignati e Maelison Silva Neves se debruçaram sobre 16 casos de suicídio entre trabalhadores rurais nos três municípios para determinar as causas sociais dessas mortes. Metade dos casos de suicídios são de homens, e a outra metade de mulheres. 62,5% deles eram migrantes de outros Estados.
Como apenas um caso de suicídio se deu por intoxicação por agrotóxico, os pesquisadores voltaram sua análise para as determinações sociais causadas pela exposição ao agronegócio. Eles ouviram amigos e familiares das vítimas de suicídio para tentar reconstruir as causas que levaram os trabalhadores a atentar contra a própria vida. A partir daí, eles analisaram as falas dos entrevistados.
A pesquisa sugere que, por conta da precariedade e exploração do trabalho em meio à exposição por agrotóxico, trabalhadores rurais iniciando a vida adulta, migrantes de outros Estados e com empregos precários tendem a provocar a própria morte ou de tentá-la.
Nos relatos sobre as percepções das pessoas sobre o estado das vítimas de suicídio emergiram referências a sinais de esgotamento físico, descontentamento e baixa valorização social, baixos salários e horários de trabalho abusivos e com ritmo exaustivo
"Nos relatos sobre as percepções das pessoas sobre o estado das vítimas de suicídio emergiram referências a sinais de esgotamento físico, descontentamento e baixa valorização social, baixos salários e horários de trabalho abusivos e com ritmo exaustivo. Os casos de suicídio de trabalhadores rurais envolveram funcionários das fazendas da região e do transporte de soja, milho e algodão, tendo um dos casos de suicídio ocorrido no próprio local de trabalho", aponta.
Segundo a pesquisa, são duas as relações de suicídio e exposição aos agrotóxicos. A primeira se refere à utilização dessas substâncias nas lavouras, ou da exposição de indivíduos que moram próximos as áreas de plantação. Já a segunda se refere a intoxicação intencional com o objetivo de causar a própria morte.
Pesquisas internacionais já identificaram regiões de grandes produções agrícolas, que usam agrotóxicos de forma massiva e intensa, apresentam maiores taxas de mortalidade por suicídio e hospitalização por tentativas de suicídio.
Um estudo da Universidade Federal de Bahia (UFBA) já identificou que os suicídios entre trabalhadores rurais são maiores que os da indústria.
Os relatos também indicam a falta de um suporte psicológico para os trabalhadores em sofrimento mental, principalmente aqueles que são migrantes e estão distantes de suas famílias, em busca de uma oportunidade de emprego e melhoria de vida em Mato Grosso.
A pesquisa identifica ainda uma tendência cultural de atribuir os suicídios às ações dos próprios trabalhadores, tratando-os como problemas individuais, e não ao contexto cultural, trabalhista, ambiental e social na qual as vítimas estão inseridas.
"Alguns relatos descreveram as vítimas como 'perturbada', 'se sentia inferior', com 'desejo de morrer'; o sujeito era 'nervoso', 'irritado', 'mente muito doente', 'não era de falar de seus problemas' e assim a causa da morte teria sido “problemas psicológicos” e 'dependência química'. Vale ressaltar que esse discurso é sustentado pelas explicações da psiquiatria, repercutindo em falas bastante comuns: 'às vezes ele estava depressivo ou estava com algum problema mental que explica ele ter feito isso' ", diz.
Os entrevistados pela pesquisa revelam que "as próprias vítimas se recusavam a ser identificadas como portadoras de algum problema mental". "Muitas vezes, eles não aceitavam ajuda profissional, pois 'não estava louca' e não precisava de acompanhamento", pontua.
Por fim, os pesquisadores sugerem mais estudos para investigar as determinações sociais entre os trabalhadores do agronegócio.
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