O GLOBO
Condenado a um total de 42 anos de prisão por assassinato e corrupção ativa, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, de 49 anos, está em liberdade há 18 dias. Antes de deixar a Penitenciária de Tremembé, sofreu um revés no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou a anulação de sua paternidade diante do primogênito. O filho de 27 anos já havia removido o sobrenome “Cravinhos” de seus documentos, mas, com a nova decisão, retirou também o nome do pai de todos os registros oficiais, incluindo a certidão de nascimento.
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O processo, iniciado em Londrina, tem Cristian como réu. Em entrevista ao blog, ele afirma nunca ter se oposto à decisão do filho: “Apesar de ele ter cortado todos os vínculos, vou deixá-lo no meu testamento”.
O afastamento familiar não se restringe ao filho mais velho. Sua filha de 14 anos, que o visitava na prisão quando criança, cortou contato ao descobrir o que ele fez. “Mandei uma mensagem para ela assim que saí da prisão. Ela visualizou, mas não respondeu. Isso dói muito, mas eu entendo”, diz.
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Cristian foi condenado em 2006 a 38 anos de prisão pelo assassinato da mãe de Suzane von Richthofen, ocorrido em 31 de outubro de 2002. O crime foi cometido ao lado do irmão, Daniel Cravinhos, e da então cunhada Suzane.
Em 2017, após quase 15 anos atrás das grades, ele obteve progressão para o regime aberto, mas voltou à prisão em abril de 2018, condenado a mais 4 anos por corrupção ativa e posse ilegal de arma de fogo, após tentar subornar policiais em Sorocaba. Em 2025, após cumprir cerca de 22 anos e 4 meses de reclusão (descontados os oito meses em que esteve solto), deixou o sistema prisional.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Você esperava essa rejeição dos seus dois filhos?
Não. Esperava contar com eles para recomeçar a vida aqui fora. O mais velho chegou a me visitar na prisão em 2011, quando tinha 13 anos. Me parecia um adolescente amoroso. Queria uma autorização para viajar para a Disney. Óbvio que eu permiti. Mas desde essa época nunca mais o vi.
Como foi essa visita?
Foi emocionante. Até então ele não sabia o que eu tinha feito. Na verdade, não sabia nada sobre o pai. Ele tinha 8 anos quando fui preso e morava em Londrina. Depois, descobriu minha identidade ao encontrar documentos antigos, soube de tudo e mesmo assim quis me conhecer. Ele me visitou com advogados e a mãe. Levou um álbum com fotos nossas e me chamou de pai. Ficamos em uma sala especial do diretor de disciplina de Tremembé. Meu filho me fez muitas perguntas. Não consegui responder todas.
O que ele queria saber?
Meu filho queria entender quem eu era de verdade e por que eu estava preso. Ele teve pouquíssimo contato comigo. Só sabia de mim pelo que a família materna dizia.
Qual pergunta você não soube responder?
Em determinado momento, ele soltou: "Pai, por que você matou?".
E o que você respondeu?
Nada. Abaixei a cabeça e comecei a chorar. Mas ele insistiu.
E aí?
Disse a ele que qualquer coisa que eu falasse naquele momento não seria uma resposta justa porque ele era muito novo e não entenderia a gravidade do que aconteceu. Falei que havia cometido um erro grave, que estava pagando por isso e que nosso afastamento era consequência disso.
Vocês mantiveram contato depois dessa visita?
Não. Ele voltou para Londrina e, depois de um tempo, entrou com um processo para remover meu sobrenome. Mais tarde, apresentou outra ação para me destituir como pai. Mas não vou excluí-lo do meu testamento.
Você é parte no processo que seu filho moveu na Justiça para excluir a sua paternidade dos documentos?
Não. Pelo contrário. Eu não permiti que “Cravinhos” constasse no nome da minha filha caçula. Quem pôs o meu sobrenome na certidão dele foi a mãe, e não eu. Entendo perfeitamente o constrangimento que é carregar um nome com esse estigma. Muitas pessoas pensam que eu estava insistindo para o meu filho ter meu nome. Mas isso não é verdade. Nem sei por que essa ação chegou ao STJ.
Como é a sua relação com a sua filha de 14 anos?
Nunca mais a vi. Quando era criança, minha esposa a levava para me visitar em Tremembé. Como eu já estava no semiaberto, não havia celas nem grades, então o ambiente não parecia uma prisão. Uma vez, enquanto eu trabalhava na horta, ela me perguntou por que eu vivia ali. Respondi que era agricultor e dirigia um trator. Ela acreditou. Mais tarde, em outra visita, quis saber se eu era mantido ali como escravo. Depois que descobriu o que eu tinha feito, se afastou e nunca mais me procurou. Mandei uma mensagem para ela assim que saí da prisão. Ela visualizou, mas não respondeu. Isso dói muito, mas eu entendo.
Afinal, o que fez você aceitar o convite para matar a mãe da Suzane?
Não tenho uma única resposta para essa pergunta. Se o tempo voltasse, eu diria “não”. Mas até hoje tenho dificuldade de dizer “não”. Naquela época, eu vivia desesperado, sem controle emocional. Não sei responder. Só não vai por nessa entrevista que fiz o que fiz por dinheiro, porque não é verdade.
Então explique melhor as suas motivações.
Fui tomado pelo desespero e não soube dizer “não” para ninguém nem para mim mesmo. Não tive controle da situação. Acreditei que conseguiria impedir o que estava prestes a acontecer, mas acabei envolvido. Eu não tinha um histórico criminal, nunca fiz nada parecido antes, e talvez por isso as pessoas questionem tanto minha participação no que aconteceu. A punição que recebi foi consequência dos meus atos, mas a condenação da sociedade é muito maior. Sei que cometi um erro grave e estou pagando por isso.
Não é muito pouco chamar um assassinato de erro?
Eu sei que parece que estou minimizando a gravidade do que eu fiz ao chamar um homicídio de erro. Mas tem certas palavras que não consigo falar no dia a dia sem me emocionar.
O Daniel tirou o “Cravinhos” do sobrenome para se livrar do estigma do crime. Não pretende fazer o mesmo?
Em hipótese alguma. Eu vou honrar o meu sobrenome até o final da vida. Eu caí com esse nome e vou me levantar com ele. Estou disposto a pagar esse preço.
Você já foi hostilizado na rua?
Diferente do que aconteceu com o Daniel, que chegou a ser expulso de uma churrascaria, eu nunca passei por isso. Eu acho que a forma como eu me posiciono tem um peso nisso. Eu sempre ando com postura, com a cabeça erguida. Escolho bem os lugares onde vou. O que percebo é que, em certos ambientes, as pessoas simplesmente não se importam com o que aconteceu. Meus haters aparecem só na internet. Mas tiro de letra.
Você acha que a sociedade te condenou mais do que a Justiça?
Sem dúvida. A Justiça me deu um tempo de pena, mas a sociedade impõe uma sentença perpétua.
Como você soube da sua soltura?
Foi inesperado. Eu estava tomando banho à noite quando um funcionário me chamou e disse que eu estava sendo solto. Fiquei surpreso, porque normalmente isso acontece durante o dia.
No total, você foi condenado a 42 anos e está em liberdade depois de cumprir menos da metade da sentença. Isso é justo?
Essa é uma questão complicada. A lei determina quanto tempo alguém deve cumprir de pena. No meu caso, ela nunca foi seguida corretamente. Fui condenado a 38 anos no caso Richthofen, e a regra do sistema prisional prevê progressão após um sexto da pena, o que daria cerca de 6 anos e 4 meses. Mas eu cumpri 15 anos antes de ir para o regime aberto. Depois, fui condenado a 4 anos no caso de Sorocaba e acabei ficando preso por quase 7. Ou seja, já são mais de 10 anos além do mínimo exigido pela legislação.
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