THAIZA ASSUNÇÃO E CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO
O operador de pedágio Maurício Júnior dos Santos afirmou que a tenente do Corpo de Bombeiros, Izadora Ledur, acusada de causar a morte do aluno Rodrigo Patrício Lima Claro, de 21 anos, destruiu seu sonho de concluir o curso na Corporação.
A afirmação foi feita na tarde desta sexta-feira (14), durante audiência na 11ª Vara Especializada da Justiça Militar de Cuiabá, conduzida pelo juiz Murilo Mesquita.
Além dele, ainda serão ouvidos os pais de Rodrigo Claro, Antônio Claro e Jane Patrícia Lima.
A tenente é acusada de crime de tortura que levou à morte do aluno Rodrigo Claro.
Além dela, outros cinco militares também foram denunciados pelo mesmo crime: Marcelo Augusto Revéles Carvalho, Thales Emmanuel da Silva Pereira, Diones Nunes Sirqueira, Francisco Alves de Barros e Eneas de Oliveira Xavier.
Eu gritei a ela: 'Pelo amor de Deus, você vai me matar!'. E ela respondeu: 'Você está louco aluno? Você não pode encostar em um oficial'
Sonho interrompido (atualizada às 16h)
“O meu sonho foi destruído pela tenente Ledur um mês antes de concluir o curso de bombeiro”, declarou Maurício.
O jovem relatou ter passado pelo curso de treinamento na piscina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e na Lagoa Trevisan.
Ele disse que Ledur não gostava muito do pelotão em que ele estava.
"O nosso pelotão não tinha bom desenvolvimento. Nós fizemos o "corridão" na terra antes do treinamento. O meu pelotão não conseguiu fazer em um tempo bom o corridão. E isso, levava a gente à exaustão", disse.
“Você vai me matar” (atualizada às 16h10)
Maurício declarou que sempre teve dificuldades em treinamentos com água e que isso irritava a tenente.
“Em determinado local do percurso eu não aguentava mais. Começou a me dar câimbra. Sentia muita câimbra. E o pessoal começou a me ajudar. Em um determinado ponto da travessia, ela disse pra todos saírem de perto”, revelou.
Tenente Izadora Ledur, acusada de causar a morte de Rodrigo Claro, que era aluno do Corpo de Bombeiros
“E eu sabia o que ia acontecer. Porque já tinha acontecido. E eu já era prometido por ela. Ela me chamou até ela, fui com uma boia. Ela pediu para eu passar a corda da boia por baixo do meu pescoço e por baixo do meu braço. Eu fiz e ela começou a me afogar. E ela me puxava com a corda”, disse.
Maurício recorda que passou pelos mesmos sofrimentos de Rodrigo Claro.
“A única diferença foi que com Rodrigo ela fez durante a travessia e comigo ela fez parado. Eu gritei a ela: 'Pelo amor de Deus, você vai me matar!'. E ela respondeu: 'Você está louco aluno? Você não pode encostar em um oficial'", lembrou.
“Teve um momento que eu afundei tanto, que não conseguia mais voltar. Foi então que eu apaguei. E fui recuperar a consciência só quando eu já estava saindo da lagoa”, relatou.
“Bichinha” (atualizada às 16h20)
Segundo Maurício, logo depois que acordou, Ledur gritava de dentro da lagoa para que ele voltasse para a instrução.
“Voltei e acabei desmaiando de novo. Quando acordei, já estava dentro da ambulância. Nisso, escutei o sargento Roque comentando: 'Não sei por que ela faz isso'. Logo em seguida, vi ela chegando e perguntando para onde iriam me levar. E eu ouvi ela dizer: 'Ah, é uma bichinha, mesmo. Frouxo!'. Eu fui levado para a Unidade [de Pronto Atendimento ]do Coxipó. Tive que tomar medicações na veia, minha pressão estava alterada, e sentia muita dor de cabeça”, relatou.
O rapaz relatou que teve alta da unidade de saúde no mesmo dia e contou para a mãe pelo o que havia passado.
"Quando cheguei em casa e minha mãe me viu naquele estado, viu as marcas no meu pescoço, ela me disse: 'Vamos para a polícia'. Mas a gente era ameaçado o tempo todo. A tenente Ledur mesmo dizia: 'Vocês podem fazer o que quiser, nunca vai acontecer nada comigo'”, disse.
“Fui obrigado a desistir” (atualizada às 16h35)
Teve um momento que eu afundei tanto, que não conseguia mais voltar. Foi então que eu apaguei. E fui recuperar a consciência só quando eu já estava saindo da lagoa
Maurício contou que nunca teve problema em outras disciplinas do curso, mas depois do episódio, passou a apresentar desempenho ruim em todas as áreas.
“Depois disso tudo, teve o dia da prova final. Ali foi só a instrução, mas ainda faltava a prova. Nesse intermédio de tempo, fizemos provas de outras disciplinas, o que me deixou debilitado”, disse.
Segundo Maurício, todos os alunos tinham medo da tenente Ledur.
“Em fevereiro, seguimos para fazer a prova. Estava todo mundo na Lagoa Trevisan. Na prova, você recebia as instruções, fazia o treinamento fora e depois fazia o salvamento aquático”, lembrou.
“Nesse dia eu não fiz a prova com ela e fiz tudo normal. Mas, depois, tive que ficar no meio da lagoa para outro [aluno] fazer a prova dele. Ele tinha que me salvar. Nisso, eu comecei a passar mal, porque já estava cansado, e disse para o sargento Josimar: 'Eu estou passando mal'.E ele me disse: 'Por mim você pode morrer'”, lembrou.
Maurício contou que começou a se afogar e foi salvo por um colega.
“Depois da prova, eu fiquei com muita dor de cabeça e comecei a passar mal. Minhas visão escureceu e tive que ir para o hospital. Em momento nenhum a viatura foi usada. Eu fui carregado no meu carro para o Pronto Socorro”, revelou.
“Nesse dia não tinha médico. Daí, eu fui para casa e, depois, a minha mãe me levou para o [Hospital] São Matheus. Naquele dia eu pensei: 'Eu não sei mais [se quero continuar'”, disse.
Segundo Maurício, no dia em que voltou para o Batalhão, passou a virar motivo de chacota do seu pelotão, que dizia que ele não iria conseguir passar no curso.
“Eu fui obrigado a desistir. Eu fui coagido. Porque aí teria o campo final. E eu estava prometido no campo final”, afirmou.
Alair Ribeiro/MidiaNews
O soldado do Corpo de Bombeiros Thiago Serafim Vieira
Maurício contou que um tenente, identificado por ele apenas como Teodoro, o chamou para conversar.
“Ele me disse: 'Olha, Maurício, pensa bem no que você quer. Porque ainda tem o campo final e lá eu não posso te ajudar. E se ela [Ledur] te pegar, eu não vou poder intervir'”, revelou.
“Comecei a fazer tratamento psicológico” (atualizada às 16h50)
Após a conversa, Maurício afirmou que pensou e resolveu desistir do curso.
“Eu perdi meu sonho, minha vida. Comecei a fazer tratamento psicológico e até hoje eu vivo as consequências disso”, relatou.
Maurício afirmou que se ele não desistisse iria morrer, assim como Rodrigo Claro.
“O que sobrou foi a minha vida, mas o meu sonho acabou”, afirmou.
“Autoritária e intimidadora” (atualizada às 17h20)
O soldado do Corpo de Bombeiros Thiago Serafim Vieira também prestou depoimento nesta tarde sobre o caso.
Ele afirmou que a Ledur demostrava ser uma pessoa muito autoritária e intimidadora.
“O Rodrigo fazia parte do pelotão dela e ela tratava o pelotão dela como se fosse lixo. Na minha opinião ela passou a perseguir ele quando ele colocou um atestado por ter problema no joelho e não poder fazer o corridão de 21km”, disse.
Segundo o soldado, como a tenente sabia que Rodrigo Claro tinha um pouco de pavor de água, ela passou a dar ‘caldos’ nele em todos os treinamentos.
“A gente já era avisado desde o iníco que coma tenente Ledur as coisas eram diferentes. Quem era ruim de alguma iria sofrer", afirmou.
A tortura ( atualizada às 17h50)
Thiago Serafim disse ter presenciado a tortura da tenente Ledur contra Rodrigo Claro, a qual provocou a sua morte.
“Nesse dia o Rodrigo estava um pouco para trás porque tinha dificuldade com a água. Era proibido o companheiro dele ajudar ele. Em um determinado momento ele disse que queria desistir, mas ela entrou na frente dele e disse: 'Você não vai desistir. Vai desrespeitar instrutor, aluno? E ele gritava que não queria mais ser bombeiro'", disse.
"Na outra margem, ele abaixou e começou a vomitar. Eu não lembro muito bem o que ela disse para ele, mas ela dizia alguma coisa. Ele queixou de dor de cabeça. Depois ela liberou ele é disse pra ele se apresentar no primeiro batalhão. E ele foi de moto para casa. Ela disse pra ele: some daqui!", revelou.
O juiz Murilo Mesquita o motivo pelo qual os alunos não falavam nada sobre o caso.
“A gente tinha medo de falar e acontecer aquilo com a gente”, disse.
Segundo o soldado, depois de terminar a prova e o Rodrigo ir pra casa, a tenente colocou todos os alunos no chão e deu uma lapada nas costas de cada um com a nadadeira e falava “cambada de muquinço”.
"Para falar para o senhor até hoje eu não sei qual o objetivo de afogar alguém. A não ser levar a gente a passar mal e até desmaiar. Eu via até um ar de felicidade quando ela fazia isso. Ela queria que a gente tivesse medo dela. Se ele já tinha dificuldade com água, o que isso iria ajudar ele a melhorar? Eu não consigo entender isso", afirmou.
O depoimento foi encerrado às 17h40.
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