LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A Associação dos Procuradores do Estado de Mato Grosso (Apromat) e a Associação Nacional dos Procuradores de Estado e do Distrito Federal (Anape) classificaram como “absurda” a ação de improbidade, do Ministério Público Estadual (MPE) contra os procuradores Felipe da Rocha Florêncio, Nelson Pereira dos Santos e Waldemar Pinheiro dos Santos.
Na ação, o promotor Daniel Zappia, que atua em Diamantino (208 km ao Norte de Cuiabá) acusa os procuradores de terem contribuído para um suposto prejuízo de R$ 7,4 milhões aos cofres públicos, por meio da doação da Escola Técnica Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Diamantino ao Instituto Federal de Educação de Mato Grosso (IFMT), visando à construção do campus da IFMT no Município.]
De acordo com o promotor, o trio de procuradores formulou e homologou parecer favorável à doação, que teria sido realizada com uma série de irregularidades.
Para as associações de classe, no entanto, o processo deixa claro que os procuradores foram acionados tão-somente por terem exercido sua função de emitir parecer jurídico sobre a possibilidade da doação da escola.
A atitude do representante do Parquet de criminalizar a divergência jurídico-teórica corrompe ainda todos os pressupostos de segurança jurídica pelos quais se institucionalizou a Advocacia Pública dos Estados e do DF
“Somente a descrição acima já imporia a pecha de absurda à ação, porquanto os procuradores se posicionaram na qualidade de consultores do Estado de Mato Grosso, função que lhes são próprias, decorrente diretamente da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), no seu art. 132”, diz trecho da nota enviada pela Anape e Apromat - esta última, liderada pelo procurador Rodrigo Carvalho.
De acordo com a Apromat e a Anape, o promotor Daniel Zappia tenta criminalizar a opinião jurídica dos procuradores, medida que é contrária à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Observa-se que doação de bem público é decisão eminentemente política, que não se inclui entre as atribuições dos procuradores do Estado cuja função consistiu, unicamente, na emissão de parecer com opinião jurídica sobre a existência ou não dos requisitos constitucionais e legais para a realização da doação”, diz o documento.
As entidades classistas afirmaram que a doação da escola técnica para o IFMT foi uma decisão política que estava inserida no programa de Governo da gestão passada, “tendo sido objeto de discussão na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, culminando com a aprovação da Lei Estadual nº 10.003/2013, que autorizou o Governo do Estado a doar para a União o imóvel onde se localizava a Escola”.
“A atitude do representante do Parquet de criminalizar a divergência jurídico-teórica corrompe ainda todos os pressupostos de segurança jurídica pelos quais se institucionalizou a Advocacia Pública dos Estados e do DF (CRFB, Art. 132), da inviolabilidade profissional dos advogados (CRFB, Art. 133), ausência de descrição ou comprovação de dolo ou fraude (CPC, art. 184) e quebra da isonomia entre as carreiras de operadores do Direito (Lei nº 8.906/1994, art. 6°)”, afirma.
A Apromat e a Anape ainda registraram repúdio contra o que classificaram de “ilações inconsistentes e irresponsáveis” do promotor.
“[Ilações] feitas sem qualquer base fática e jurídica, em relação aos Procuradores do Estado que atuaram, como visto, no desempenho regular de suas funções, declarando aqui o firme posicionamento da Apromat e da Anape, que acompanharão de perto todo o desenrolar dessa ação e, ao lado da Procuradoria Nacional de Defesa da Prerrogativas e da Comissão Nacional de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB, com vistas à defesa intransigente das prerrogativas dos Procuradores do Estado de Mato Grosso”, diz a nota.
Além dos três procuradores, também são alvos da ação o ex-governador Silval Barbosa; os ex-secretários Francisco Faiad (Administração); Adriano Breunig, Rafael Bello Bastos e Rubiani Freire Alves (Ciência e Tecnologia); o ex-coordenador de Educação Profissional e Tecnológica da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, Luiz Miguel Leite Cardoso, e a então superintendente da Educação Profissional Tecnológica, Tânia Aparecida Bartelli.
Na última quinta-feira (1º), o juiz Gerardo Humberto Alves Silva Junior, que conduz a ação, negou o bloqueio de bens contra Silval e três dos secretários acionados.
O magistrado também afirmou que não vislumbrou improbidade nos fatos narrados e citou possível perseguição política no processo.
Entenda o caso
De acordo com o promotor, a Escola Técnica Estadual de Educação Profissional e Tecnológica de Diamantino estava em processo de expansão de seus cursos, expansão essa que foi “interrompida, em razão da abrupta iniciativa” do ex-governador Silval Barbosa, em doar as instalações para o IFMT.
Para tanto, foi instaurado um processo junto à Secretaria de Estado de Administração, então chefiada por Francisco Faiad, e sob o acompanhamento da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, que, na época, tinha Adriano Breunig como titular.
Na ocasião, Breunig chegou a designar uma comissão para acompanhar e adotar as medidas necessárias para a transferência da escola ao IFMT. Na visão do promotor, no entanto, a comissão não atuou de fato.
O promotor de Justiça Daniel Zappia
Após a Secitec passar a ser chefiada por Rafael Bello Bastos, em 2013, o promotor narrou que o então secretário enviou um ofício à Secretaria de Administração, solicitando urgência na concretização do processo de doação para o IFMT.
Segundo o promotor, quando o processo foi remetido à Procuradoria Geraldo Estado (PGE), a procuradora Gabriela Novis Neves Pereira Lima emitiu parecer em que sugeriu uma contrapartida à doação ao IFMT, “de modo a englobar imóveis de propriedade da União e que são ocupados pelo Estado de Mato Grosso; que seriam objeto de alienação”.
O parecer foi, inicialmente, homologado pelo à época subprocurador-geral do Estado, Waldemar Pinheiro dos Santos, mas o processo foi devolvido à SAD mediante ofício do então procurador-geral do Estado em substituição, Nelson Pereira dos Santos.
Contudo, ao voltar à SAD, o ex-secretário Francisco Faiad determinou a devolução do processo à PGE, tendo o caso sendo redistribuído ao procurador Felipe da Rocha Florêncio, que também emitiu parecer favorável, “porém sem mencionar a destinação da estrutura corporativa e material da Escola Técnica Estadual de Diamantino e muito menos contraditar o parecer anterior”.
O MPE afirmou que o ex-secretário Rafael Bastos procurou dissimular o “inquestionável prejuízo” com a doação da escola e expediu um ofício a Faiad, “no qual mencionou que a contrapartida da federalização correspondeu a convênios celebrados com a União na área da educação”.
A concretização da doação ocorreu em maio de 2014, fato que, conforme o MPE, “causou uma série de prejuízos ao corpo docente e discente, até então alheio aos detalhes do processo de doação”.
O promotor mencionou que o processo de doação foi “açodado” e sem qualquer planejamento quanto a destinação do mobiliário e do pessoal a ela associado.
A ação narrou que houve omissão da PGE em relação ao parecer do procurador Felipe Florêncio, que desautorizou a recomendação da procuradora Gabriela Novis Neves no sentido de exigir contrapartidas da União. A mesma conduta irregular foi constatada em relação aos então secretários que participaram do processo, causando um sucateamento da educação na região.
Alvos repudiam ação
A procuradora-geral do Estado, Gabriela Novis Neves, saiu em defesa dos procuradores acusados na ação. Ela afirmou que os pareceres relacionados ao caso da doação do imóvel atenderam os requisitos previstos em lei e ainda repudiou o fato de o promotor Daniel Zappia ter acusado no processo os procuradores do Estado "que cumprem sua missão institucional de consultoria jurídica baseada nos princípios constitucionais".
"Ao advogado público cabe o controle interno da administração pública, tendo sempre em vista a juridicidade (legalidade, legitimidade e licitude). Exatamente nesse sentido, goza a advocacia pública da prerrogativa intrínseca de ser órgão tecnicamente independente. Para sua atuação livre de pressões de qualquer espécie, o advogado público vincula-se a sua ciência e consciência. Esse ato é uma afronta às nossas prerrogativas e muito entristece a Procuradoria Geral do Estado, que não mede esforços para proteger o interesse público do Estado de Mato Grosso", afirmou a procuradora.
Em nota, a procuradora também ressaltou que os procuradores não podem ser responsabilizados judicialmente pelos seus pareceres em casos como esse, em que não foi mencionada "a existência de dolo ou fraude do parecerista".
"Aliás, a ação civil pública nem menciona ter havido nenhum vício no parecer".
Os procuradores citados, por meio de suas associações de classe, também enviaram nota em que contestam o teor da ação e criticam a tentativa de criminalizar a atuação deles.
“A leitura atenta da ação civil proposta pelo promotor Daniel Balan Zappia impõe a clara conclusão de que os procuradores do Estado Felipe da Rocha Florêncio, Nelson Pereira dos Santos e Waldemar Pinheiro dos Santos foram incluídos nesta ação exclusivamente porque emitiram parecer jurídico acerca da possibilidade jurídica da doação de bem público do Estado de Mato Grosso a União Federal”, disseram as associações.
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