MIKHAIL FAVALESSA
Da Redação
O caso que ficou conhecido como “tratoraço”, organizado com emendas parlamentares federais, em uma espécie de orçamento secreto do Governo Bolsonaro, bancou R$ 2,4 milhões em três convênios fechados entre o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e prefeituras em Mato Grosso.
A utilização de emendas com baixa transparência foi revelado por uma série de reportagens do jornal O Estado de S. Paulo, em maio.
O Midiajur apurou que três contratos foram fechados com os municípios de Araputanga (338 km a Oeste de Cuiabá), Brasnorte (586 km a Noroeste) e Nova Olímpia (213 km ao Norte da Capital) com articulação de parlamentares mato-grossenses.
Nos três casos, os recursos foram destinados a pedido de deputados e senador que integram o Centrão ou a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro: deputados José Medeiros (Podemos) e Emanuelzinho (PTB) e senador Wellington Fagundes (PL).
Diferentemente das emendas indivudais e impositivas, que os deputados e senadores assinam e o Governo Federal é obrigado a empenhar e pagar, no caso das emendas do relator-geral, identificadas como RP-9, o dinheiro é liberado de acordo com a conveniência política.
Os relatores do orçamento que liberou as emendas RP-9 eram, em 2019, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que, no papel, destinaram os recursos a Mato Grosso.
Após a liberação das emendas, Alcolumbre emplacou o senador Rodrigo Pacheco (DEM) na presidência do Senado, e Lira se tornou presidente da Câmara dos Deputados.
“Na prática, os R$ 3 bilhões, do Ministério do Desenvolvimento Regional, acabaram servindo para indicações pessoais de deputados e senadores aliados, com cotas individuais muito superiores aos R$ 8 milhões das emendas individuais”, diz uma das reportagens do Estadão sobre o caso.
O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa as contas do presidente da República de 2020, que diz respeito ao orçamento aprovado em 2019 no Congresso.
A área técnica do tribunal se posicionou pela incompatibilidade do mecanismo que criou as RP-9 com a Constituição Federal, que preceitua regras de transparência, e ainda a noção de "accountability".
O relatório ainda não foi julgado.
OBRAS E COMPRA EM MT - Em Araputanga, o ex-prefeito Joel Marins (PSD) confirmou ao Midiajur que houve intermediação do senador Wellington Fagundes para a liberação de recurso, via MDR.
Lá, o convênio fechado pela prefeitura prevê obras de pavimentação asfáltica e drenagem superficial de estradas vicinais.
A proposta foi feita no final da gestão de Marins, em 29 de dezembro de 2020, ficando para o sucessor, Enilson Rios (SD), a responsabilidade de realizar as obras.
No total, há previsão da liberação de R$ 960 mil por meio da Caixa Econômica Federal para as obras de asfalto, sendo R$ 950 mil do MDR e uma contrapartida de R$ 9,4 mil da prefeitura.
Ainda não há termo de referência nem licitação feita para contratação de empresa para execução do projeto.
O ex-prefeito de Brasnorte, Mauro Rui Heisler (PSD), citou a articulação do deputado federal José Medeiros para a destinação de R$ 1 milhão na compra de uma usina de asfalto pela prefeitura.
Heisler afirmou ao site que a articulação foi feita em meio à campanha eleitoral de 2020, quando ele foi derrotado por Edelo Ferrari (DEM), em sua tentativa de reeleição.
A emenda teria sido articulada por Ferrari com o deputado e, depois, a administração de Heisler correu com os prazos exíguos para garantir que o recurso não fosse perdido – havia necessidade de assinatura dos contratos com o MDR, ainda em 2020.
O convênio foi firmado em 31 de dezembro de 2020, com a publicação no Diário Oficial da União (DOU) apenas em 15 de janeiro de 2021, já na gestão de Ferrari.
A contrapartida da prefeitura é de R$ 1 mil no contrato inicial.
Contudo, o Termo de Referência assinado na atual gestão, publicado em 15 de março, prevê aplicação de R$ 352,8 mil, totalizando R$ 1,3 milhão para a compra do equipamento para produção de asfalto no município.
A obra de menor valor entre as três fica em Nova Olímpia.
Ainda com projeto em andamento, o convênio prevê a construção de uma ponte de concreto sobre o Rio Branco, em uma estrada vicinal dentro do município por R$ 482 mil.
A proposta foi entregue em 25 de dezembro ao MDR, com assinatura em 31 de dezembro de 2020.
A articulação dos recursos via RP-9 que foram destinados ao MDR e repassados ao município foi feita pelo deputado federal Emanuel Pinheiro da Silva Primo, o Emanuelzinho (PTB).
O prefeito José Elpídio (DEM), reeleito em 2020, informou que o convênio para a construção da ponte deve ter andamento nos próximos dias, com o projeto da ponte em fase final de elaboração.
OUTRO LADO - Em nota, o senador Wellington Fagundes disse que os trâmites utilizados para liberação de emendas foram legais e transparentes em todos seus 30 anos como parlamentar.
Confira a íntegra da nota:
"Ao longo de 30 anos como parlamentar, tenho trabalhado intensamente pela liberação de verbas de interesse da população de Mato Grosso em seus municípios junto ao Governo Federal, sempre seguindo rigorosamente os trâmites legais e transparentes, registrados no Portal Transparência.
A busca dos recursos para o Estado integra uma das principais atividades no arco de atuação parlamentar e entendo que o Estado, como um dos que mais se desenvolvem no país, exige investimentos ainda maiores para continuar dando respostas positivas ao Brasil tanto no campo econômico como social porque o grande objetivo é a melhoria da vida da nossa população.
Por fim, quero dizer que recebo essa informação de liberação de recursos como reconhecimento de um trabalho profícuo, executado ao lado do senador Jayme Campos, em que agregamos, sobretudo, experiência e influência, que, com reforço da bancada federal, são revertidas em favor do crescimento do Estado, com ações diretas por uma melhor infraestrutura e ao desenvolvimento social".
O deputado José Medeiros, por meio de sua assessoria de imprensa, confirmou que intermediou os recursos do MDR para Brasnorte e destacou que havia necessidade de mais financiamento aos municípios, em especial pelas dificuldades trazidas pela pandemia de Covid-19. Medeiros classificou como "missão cumprida" a articulação feita para a compra viabilizada por meio do MDR.
O deputado Emanuelzinho não respondeu ao pedido do MidiaJur.
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