LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
A entrada de cerca de 1000 processos por mês em cada Juizado Especial da Justiça de Mato Grosso é um dado visto com preocupação pelo juiz Yale Sabo Mendes, titular da 7ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá.
Para ele, a alta demanda processual “interfere e muito” na qualidade das decisões proferidas pelos magistrados, que acabam por produzir o que ele chama de “sentenças de atacado” ou “sentenças industriais”.
“É muito difícil para o juiz e para o próprio jurisdicionado receber uma decisão judicial justa e equânime com o Juizado recebendo este volume de ações. É impossível. Porque ao invés de você fazer uma sentença elaborada, você vai ter que produzir 15 sentenças no mesmo período de tempo”, criticou Yale.
O problema, segundo Yale, pode atingir um nível crítico que obrigue o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a interferir para buscar uma resolução.
“A hora que o CNJ ver que esse problema está assoberbando um determinado ramo da Justiça, ele vai intervir. Intervir não no sentido negativo, mas para solucionar”, opinou.
Yale Mendes esclareceu que, destas ações que são impetradas nos Juizados, mais de 90% são relativas à questões sobre Direito do Consumidor e relações de consumo. Um dos motivos para tanta demanda nesta área, de acordo com o magistrado, é que o consumidor “não aceita mais ser lesado ou ser prejudicado de alguma forma”.
“Hoje as pessoas são mais “espertas”, estão cada vez menos acreditando naquela conversa fiada de “não, eu vou resolver tudo”. A pessoa vai lá, tenta resolver o problema, se não resolve ela ajuíza uma ação ou vai ao Procon”, disse.
Em entrevista ao MidiaJur, o juiz Yale Sabo Mendes também discorreu sobre o Código de Defesa do Consumidor, a falta de fiscalização nas empresas que oferecem produtos e serviços, a estrutura do Judiciário nesta área e os aprimoramentos do CDC.
MidiaJur - Pela experiência que o senhor tem em Juizados Especiais, o que mais contribui para que o consumidor tenha que buscar o Judiciário para interferir nas relações contratuais?
Yale Sabo Mendes – O consumidor está sabendo cada vez mais dos seus direitos. Só para você ter uma ideia, o consumidor conhece mais de seus direitos do que o próprio fornecedor do serviço ou do produto. Então, hoje é exatamente por isso que há esse excesso de demanda, porque o consumidor não aceita mais ser lesado ou ser prejudicado de alguma forma.
MidiaJur – Essa postura é a nível nacional?
Yale Sabo Mendes – Esses questionamentos ocorrem nacionalmente, se você analisar jornais como O Globo e Folha de S. Paulo, há cadernos semanais específicos para estes assuntos, só de Direito do Consumidor. Porque essa é uma demanda que está crescendo cada vez mais.
MidiaJur – Quais são os principais erros que o consumidor comete ao adquirir um produto e que acabam por gerar um processo judicial?
Yale Sabo Mendes – Eu acho que o consumidor pode muitas vezes até cometer alguma confusão, mas nunca é um erro buscar seus direitos.
MidiaJur - Muitos falam que existe uma fábrica de indenizações e danos morais, o senhor acredita nisso? Tudo virou motivo para indenizar?
Yale Sabo Mendes - O que acontece de errado às vezes é o seguinte: você compra um carro, e ele vem com um defeito. Se esse defeito pode ser solucionado, o fornecedor do serviço vai lá e soluciona. Mas quase sempre o consumidor quer que troque o carro, mas o defeito pode ser solucionado de outro jeito. Muitas vezes o erro é querer o excesso.
MidiaJur – É possível afirmar que as empresas aproveitam da situação de eventuais desconhecimentos do cidadão sobre seus direitos para obter vantagens ilegais?
Yale Sabo Mendes – Sim, eu não tenho dúvida disso. Só que hoje, as pessoas estão mais “espertas”, estão cada vez menos acreditando naquela conversa fiada de “não, eu vou resolver tudo”. A pessoa vai lá, tenta resolver o problema, se não resolve ela ajuíza uma ação ou vai ao Procon.
MidiaJur – Geralmente, essas ações são resolvidas em fase de conciliação?
Yale Sabo Mendes – Quase nunca é resolvido na conciliação. Porque se fosse para conciliar, quando o cidadão iria reclamar do produto, na hora o problema seria solucionado. Essa ação é demandada e mais de 90% acaba na sentença de um magistrado. A conciliação é muito pouca.
MidiaJur - O fato destes processos não se resolverem na conciliação é ocasionado por má vontade dos fornecedores dos produtos/serviços?
Yale Sabo Mendes – Sim. Se eles quisessem resolver, quando a pessoa volta na loja por um produto estragado, eles resolveriam administrativamente.
MidiaJur – O consumidor está cada vez mais inteirado dos seus direitos e entra na Justiça em busca deles. Isso não acaba por abarrotar o Judiciário de processos? A estrutura atual do Judiciário consegue atender a sociedade que quer ver resolvido o conflito em um espaço razoável de tempo?
Yale Sabo Mendes – Eu acho que acaba abarrotando sim, porque o Judiciário não está acompanhando esta demanda. O Judiciário teria que aumentar e muito a demanda do atendimento, o que não acontece. Antigamente, se entrava em cada Juizado Especial em torno de 400 processos por mês, hoje é cerca de 1000. E, mais de 90% são questões de Direito do Consumidor ou questões das relações de consumo.
MidiaJur - O consumidor deixa muitas vezes de buscar seus direitos por acreditar que o Judiciário não resolverá o problema em um tempo razoável?
Yale Sabo Mendes – Eu não tenho dúvida disso. Essa demanda alta não é 20% do direito que é desrespeitado. Porque muitas pessoas pensam em não entrar na Justiça porque vai demorar muito e etc. Se hoje nós já estamos abarrotados, imagine se todo mundo de fato entrasse na Justiça, o Judiciário não acompanharia nunca.
"O Judiciário teria que aumentar e muito a demanda do atendimento, o que não acontece. Antigamente, se entrava em cada Juizado Especial em torno de 400 processos por mês, hoje é cerca de 1000"
Yale Sabo Mendes – Hoje, muitas dessas pessoas não reclamam, principalmente quando tiveram um bom atendimento. Agora, se o cliente bater o pé, ele vai conseguir que seu direito seja atendido, porque nesses casos nenhum estabelecimento pode impor valor mínimo ou cobrar esta taxa, se houver esta norma, é uma cláusula draconiana.
MidiaJur - O CDC consegue atender os conflitos gerados por essa nova sociedade que realiza compras on-line, tendo em vista o aumento tanto do acesso à internet como do poder de compra?
Yale Sabo Mendes – Sim. Porque o Judiciário já vê isso como um comércio normal. Eu li em um jornal de circulação nacional que 40% do comércio é feito pela internet, você compra tudo on-line. Você não precisa sair da sua casa para comprar. E tudo isso está regido no Código de Defesa do Consumidor.
MidiaJur - O senhor acredita que o CDC precisa ser aprimorado em algum aspecto?
Yale Sabo Mendes - O nosso Código de Defesa do Consumidor é um dos códigos mais evoluídos que existem no mundo, só perde para o código francês. Inclusive, nosso código é baseado neste código francês. Não só acho que pode ser aprimorado, mas deve ser aprimorado. Porque o nosso código não é do tempo da internet, mas nós analogicamente o aplicamos nestes casos envolvendo relações de consumo on-line.
MidiaJur – Que tipo de segmento é mais criticado pelos consumidores?
Yale Sabo Mendes – Sempre é telefonia, luz, água, plano de saúde, sempre são essas questões.
MidiaJur – A que o senhor atribui as reclamações sempre nestas áreas?
Yale Sabo Mendes – Má prestação de serviços, sem dúvida.
MidiaJur - Falta fiscalização para que estas empresas coloquem em prática o que o CDC estabelece?
Yale Sabo Mendes – Falta sim, da Anatel, Aneel, e das empresas que regulam estas atividades.
MidiaJur - O que o senhor sugere para que o Judiciário consiga atender as reclamações dos consumidores em tempo hábil e assim fomentá-los a buscar seus direitos, assim como conscientizar as empresas a se adequar ao CDC?
Yale Sabo Mendes – Eu acho que são necessárias mais varas, mais Juizados Especiais para que o Judiciário consiga acompanhar esta demanda reprimida de ações. Porque não é salutar que um Juizado Especial receba mais de 1000 ações por mês, é muito difícil para o juiz e para o próprio jurisdicionado receber uma decisão judicial justa e equânime com o Juizado recebendo este volume de ações. É impossível.
MidiaJur - Esta demanda pode interferir na qualidade das decisões proferidas pelos magistrados?
Yale Sabo Mendes – Ela interfere na qualidade da sentença. Porque o magistrado acaba tendo que fazer “sentença de atacado”, eu diria até “sentença industrial”. Ao invés de você fazer uma sentença elaborada, você vai ter que produzir 15 sentenças no mesmo período de tempo. Não podemos fechar os olhos e dizer que esse problema não interfere na qualidade da sentença, porque interfere e muito, devido a essa demanda reprimida que nós temos.
MidiaJur - Esse problema pode ser considerado de natureza grave?
Yale Sabo Mendes - Essa demanda reprimida pode abarrotar e muito o Judiciário, é uma questão preocupante.
MidiaJur – A administração do TJ-MT tem sido sensível a tentar solucionar esta questão?
Yale Sabo Mendes – Com certeza. Só do desembargador Orlando Perri estar colocando mais estagiários, mais funcionários e mais juízes já demonstra que a tendência é melhorar e muito a prestação jurisdicional. A gente espera que isso melhore em curtíssimo prazo.
Midiajur – É possível que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) chegue ao ponto de interferir neste problema?
Yale Sabo Mendes – Sem dúvida nenhuma. Não só em Mato Grosso, mas no Brasil. A hora que o CNJ ver que esse problema está assoberbando um determinado ramo da Justiça, ele vai intervir. Intervir não no sentido negativo, mas até para solucionar. Tanto que recentemente nós recebemos um pedido do CNJ para que enviássemos, enquanto juízes, propostas de melhorias para o Primeiro Grau. O CNJ já está sentindo que a coisa está apertando. O Poder Judiciário não está conseguindo acompanhar esta demanda de processo que está tendo.
MidiaJur - O senhor também já participou da Turma Recursal. Acredita que as mudanças empregadas foram salutares?
"O Poder Judiciário não está conseguindo acompanhar esta demanda de processo que está tendo"
Yale Sabo Mendes – Eu acho que sim, porque antigamente nas três Turmas Recursais que havia, os juízes acumulavam os serviços delas e de seus Juizados Especiais. Então não era prestado um bom serviço nem aqui nem acolá. Hoje, a Turma Recursal Única é composta por juízes desvinculados da jurisdição, ou seja, não estão mais nos Juizado Especiais. Então, a dedicação deles é exclusiva para a Turma Recursal. Ou seja, melhorou muito para o juiz, para o jurisdicionado e para a própria imagem do Tribunal de Justiça.
MidiaJur - É possível prever se o Judiciário irá conseguir julgar com rapidez os feitos?
Yale Sabo Mendes – Hoje essas ações já estão sendo julgadas com maior rapidez e a tendência é melhorar.
MidiaJur - Precisa ainda de mais alguma medida administrativa do Poder Judiciário para impulsionar isso?
Yale Sabo Mendes – O próprio presidente do tribunal já falou e eu corroboro: precisamos de mais magistrados para esta área de Juizados Especiais. O corregedor também tem falado isso, não é segredo nenhum.
MidiaJur - E como o senhor analisa a gestão do presidente Orlando Perri no que tange a tomar medidas para dar celeridade processual?
Yale Sabo Mendes – Desde as gestões anteriores, têm sido dado um implemento muito grande na informática, o que é muito importante. Hoje, nós fazemos quase todas as intimações on-line, mesmo em processos físicos. Isso tem sido reforçado agora nessa gestão, e está dando uma celeridade muito grande nessa situação. Tem sido de grande valia tanto essa administração quanto a administração anterior.
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