DA REDAÇÃO
O juiz André Luciano Costa Gahyva, que atua na Vara Especializada dos Juizados Especiais de Tangará da Serra (244 km de Cuiabá) foi representado na Corregedoria Geral da Justiça sob a acusação de beneficiar “interesses escusos de credores de massa falida da empresa Álcool Branca Ltda”.
A denúncia foi feita pelo agricultor Eliseu José Schafer, que acusa o juiz de “atropelar tudo e todos para atender os interesses das pessoas pertencentes à massa falida”.
O agricultor pediu que fosse instaurado processo administrativo disciplinar contra o juiz.
“Certamente não comporta bem e de acordo com o Código de Ética ao qual está submetido, o magistrado que prejudica o direito e o patrimônio das pessoas”, diz trecho da representação.
O juiz é acusado de proferir uma decisão judicial em uma ação de falência da Álcool Branca Ltda, que modificou completamente decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) em outra ação, em que se discutia a posse de um imóvel rural entre o agricultor e a massa falida.
Na ação possessória, a massa falida afirmava que a área em que o agricultor reside e desempenha atividade agrícola, denominada Fazenda Paraíso, seria de propriedade da antiga Álcool Branca, que faliu em 1992.
No processo, que ainda estava em tramitação, a empresa havia requerido a imediata retirada do agricultor da área e o reconhecimento da posse. O processo foi ajuizado no dia seis de maio de 2013.
Na época da análise do pedido liminar, o juiz André Gahyva fez inspeção em toda a área alvo da disputa. E somado aos laudos periciais que comprovaram que a Fazenda Paraíso não teria sido de propriedade da massa falida, apresentado pelo agricultor, analisando também as obras realizadas, imagens de satélite, documentos de contratos de compra e venda da área, o juiz indeferiu o pedido e manteve o agricultor na terra.
“Não ficou comprovado que os requeridos tenham esbulhado eventual posse anterior do autor [Álcool Branca], até porque, além de o autor não ter provado sua posse sobre a área em questão, o certo é que, através dos documentos encartados aos autos, em especial da Inspeção Judicial realizada “in loco” o que se constatou é que os requeridos é que efetivaram atos de posse na área litigiosa”, decidiu o juiz.
A massa falida recorreu ao Tribunal de Justiça e a decisão foi mantida, permanecendo o agricultor na área.
Mudança de decisão
Após as duas decisões judiciais contrárias a massa falida, a empresa 10 M Group S/A, crédito da Álcool Branca, afirmou que “alguns imóveis arrecadados pela massa falida estariam sendo ocupados indevidamente por terceiros”.
Nos autos de falência, a empresa requereu a imediata “desocupação dos imóveis”, no caso a Fazenda Paraíso, sob a alegação de que a “ocupação era ilícita”. Momento em que o juiz modificou a decisão judicial.
“Na busca de preservação dos direitos dos credores que aguardam a satisfação de seus direitos há quase duas décadas e têm nos bens arrecadados a única garantia de que seus créditos serão satisfeitos, é que deve ser determinado por este juízo falimentar a imediata expedição de mandado de desocupação dos bens imóveis das matrículas nº. 8981; 9029; 8980, do Registro de Imóveis de Tangará da Serra e a de nº 14375 do Registro de Imóveis de Barra do Bugres, para a retirada de toda e qualquer pessoa que esteja indevidamente na posse da área (lembrando que a posse indevida se deu por conta deste processo de falência, tendo em vista a arrecadação dos bens pelo juízo), já que não consentido por este juízo”, conforme extraído da decisão.
Na representação, Eliseu afirmou que a modificação da decisão foi completamente “absurda, abusiva, suspeita e tumultuária, revogando por vias transversas todas as decisões proferidas na ação possessória, que asseguravam o exercício de posse sobre as terras disputadas”.
“Com uma só canetada, em processo alheiro e estranho da lide possessória, o juiz representado mandou retirar, com uso de força policial ‘toda e qualquer pessoa que esteja indevidamente na posse da área’, como se fosse um intruso nas terras que ocupa há mais de dez anos e que somada à posse de seus antecessores chega a quase trinta anos de efetivo exercício possessório”, argumento a defesa do agricultor na representação.
Matrículas deslocadas
A defesa do agricultor também defendeu que as matrículas que foram apresentadas pela massa falida não dizem respeito à área em que está localizada a Fazenda Paraíso.
“Ou seja, mesmo que a decisão combatida fosse legal e correta, o que se diz apenas por amor ao debate, nunca poderia a desocupação atingir 25.459 hectares (objeto da lide possessória) pois, repita-se, todas as matriculas juntas – “nº. 8981; 9029; 8980 do Registro de Imóveis de Tangará da Serra e a de nº 14375 do Registro de Imóveis de Barra do Bugres” - mencionadas pelo
Juiz em sua teratológica decisão atinge área total que não chega a 14.000 hectares”, destacou.
A defesa ainda afirmou que “a gana de retirar o agricultor das terras era tão grande que nem mesmo conta matemática o juiz representado fez, ou não quis somar”, ao se referir ao deslocamento das áreas.
Questionamento na Corregedoria
“Como pode eminente corregedor-geral, o juiz representado promover tamanha ilegalidade, desprezando tudo aquilo que foi decidido na lide possessória e com uma só “canetada” escorraçar das terras que ocupa há décadas, por si e seus antecessores??? Atitude inexplicável!!!”, segundo trecho da representação.
“E o mais grave, além de mandar “desocupar” as terras, para não dar oportunidade de defesa ou de recurso ao requerente, o juiz representado usou um estratagema: com base na absurda e ilegal decisão proferida nos autos da falência, atendendo pedido da falida, cuidou de julgar extinta a ação possessória, sob o argumento estapafúrdio de falta de interesse de agir, diante do fato da recuperação da posse por decisão extra autos”, afirmou.
Fato Novo
Após a representação ter sido proposta em fevereiro deste ano, no dia 25 de março a defesa do agricultor juntou aos autos fatos novos em que apontaria uma ligação direta entre o juiz e a advogada da empresa 10M Group Participações S/A.
“O juiz que ‘mudou de opinião’ no curso da ação de manutenção de posse para atender os interesses da poderosa 10 M GROUP PARTICIPAÇÕES S/A e que decidiu afrontar o Tribunal e escorraçar o requerente de suas terras em janeiro de 2014 é parente da advogada Samantha Rondon Gahyva Martins que foi contratada à peso de ouro pela empresa beneficiada com a decisão no dia 21 de fevereiro de 2014”, conforme está na representação.
Efeito representação
A Corregedoria, em virtude da representação, determinou correição parcial na vara. Na ocasião foi suspensa a decisão judicial que havia determinado a desocupação da área. Em abril deste ano, o corregedor anulou os atos praticados por ele e encaminhou a correição para a competência do decano da Corte Estadual, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho.
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