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OPINIÃO Quarta-feira, 23 de Maio de 2018, 09:27 - A | A

23 de Maio de 2018, 09h:27 - A | A

OPINIÃO / VILSON PEDRO NERY

Alterações do foro privilegiado

Um ato administrativo ou judicial só pode ser revogado por quem o tenha produzido

VILSON PEDRO NERY



​​Recentes e conflitantes decisões mostram a existência de muitas dúvidas sobre a competência do Poder Judiciário para determinar a prisão de parlamentar em pleno exercício do mandato, e qual o limite que possui o Poder Legislativo, e a Casa a qual pertença o parlamentar, para revogar o encarceramento provisório. O debate possui relação com a detenção dos deputados estaduais Mauro Savi (PSB) e Gilmar Fabris (PSD).

O debate começou com a prisão do ex-Senador Delcício Amaral (PT/MS), em pleno exercício do mandato, após um típico flagrante preparado, em que um interlocutor o instigava a dizer sua opinião quando à colaboração premiada feita por um réu preso, enquanto fazia o registro da conversa em um gravador escondido. Houve quem aplaudisse a prisão, mas hoje os efeitos deste fato provocam conflitos entre os poderes, e pode até afetar as relações da República, tumultuando o já belicoso ambiente político e social.

Desde o ano de 2001, com o advento da Emenda Constitucional nº 35, que os deputados e senadores podem ser processados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sem licença da Casa respectiva. O Poder Jurídico de controle externo ganha força (Polícias, MP e Juízes), ao mesmo tempo em que a classe política está deslegitimada, em grande parte por culpa das próprias agremiações partidárias.

Um ato administrativo ou judicial só pode ser revogado por quem o tenha produzido

Para justificar a prisão do senador Delcídio, a interpretação da 2ª Turma do STF foi de que ele cometeu um delito tido por “crime permanente”, e que portanto admitiria o flagrante. O artigo 53, parágrafo segundo da Carta Magna diz que os deputados e senadores só podem ser presos em caso de flagrante de crime inafiançável.

E em Mato Grosso a Constituição Estadual repete esses termos na redação do artigo 29, parágrafo segundo, confirmando que a Assembleia pode deliberar sobre os casos de prisão de deputados estaduais, mesmo que seja em estado de flagrância.

Mas adveio o julgamento da Ação Penal nº 937 pelo STF, em que foram reduzidas as opções para que deputados estaduais e federais, além dos senadores, possam fazer do mandato eletivo um escudo a lhes proteger dos processos criminais. Foi a tal limitação do foro privilegiado, o foro por prerrogativa de função.

Por maioria de votos o STF fixou as seguintes teses: (i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

Isso quer dizer que aqueles processos relativos a fatos antigos, ou que a denúncia criminal oferecida pelo órgão ministerial seja anterior ao início do mandato, não se submetem à regra de competência do foro. E mais: quando o processo criminal estiver em fase final, eventual renúncia do mandato, ou eleição para outro cargo, não altera a competência processual. Ou seja: o juiz ou tribunal que instruiu a ação criminal é que irá julgá-lo em definitivo, proferindo a sentença ou o acórdão.

Para complicar ainda mais, há a discussão sobre o julgamento da Petição nº. 7.261/DF, relativa à prisão do deputado estadual Gilmar Fabris (PSD). Ele é acusado no Inquérito 4596 em curso no STF, mas foi preso em razão do crime de “obstrução à investigação de delito praticado por organização criminosa” (Petições 7261 e 7280).

A Assembleia Legislativa entendeu que a sua Comissão de Ética tem competência para deliberar sobre a prisão e as medidas cautelares impostas ao Parlamentar Estadual nos termos dos artigos 46 e seguintes do Código de Ética (Resolução 679/2006 da AL/MT), do artigo 53 parágrafo segundo da Constituição Federal, e do artigo 29, parágrafo segundo da Constituição Estadual. E expediu o alvará de soltura, extrapolando em sua competência, uma vez que um ato administrativo ou judicial só pode ser revogado por quem o tenha produzido (anulação), ou uma autoridade superior do mesmo Poder ou feixe de competência recursal. E ademais não existe previsão legal de que o parlamento possa expedir alvará de soltura. 

Portanto, na medida em que os supostos fatos delituosos atribuídos ao deputado Mauro Savi (PSB) tenham ocorrido em período anterior ao exercício do atual mandato, e não tiveram nenhuma relação com a atividade parlamentar, se aplica ao caso o entendimento sobre a limitação do foro prerrogativa de função da Ação Penal 937 (STF). E ao haver a mitigação do foro por prerrogativa de função, de acordo com o julgamento da Corte Suprema, desaparece também a possibilidade de que os demais deputados possam decidir sobre a prisão de um parlamentar, não podendo sob nenhuma hipótese expedir alvará de soltura.

VILSON PEDRO NERY é advogado em Cuiabá.

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