LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, afirmou que não é correto condenar alguém por “mera suposição” ou por ter fama de “bandido” ou “corrupto”.
A crítica foi feita na quinta-feira (14), durante o julgamento da ação penal que condenou o deputado estadual Gilmar Fabris a seis anos e oito meses de prisão, por 15 votos a 8, por participação em um esquema que desviou R$ 1,5 milhão dos cofres da Assembleia Legislativa em 1996. Cabe recurso da decisão.
Segundo a acusação, o parlamentar atuava em conjunto com o então primeiro-secretário da Assembleia, José Riva, e com os servidores Guilherme da Costa Garcia (secretário de Finanças), Agenor Jácomo Clivati e Djan da Luz Clivati.
“Não se pode condenar ou absolver qualquer acusado apenas e tão somente por ser tachado de ‘mau’ ou de ‘bom’, de ‘bandido’ ou de ‘mocinho’, ou por exercer algum cargo político, que, na opinião comum do povo, já traz em si a presunção de corrupto, tomando o termo em sentido amplo”, diz trecho do voto de Perri (leia a íntegra ao final da matéria), que votou pela absolvição de Fabris, mas foi vencido.
As investigações do Ministério Público Estadual identificaram que Fabris, Riva e Clivati assinaram 123 cheques, totalizando R$ 1,5 milhão, que foram emitidos a mais de 30 empresas por supostos serviços prestados à Assembleia.
Os cheques eram depois endossados e depositados diretamente na conta bancária da Madeireira Paranorte e Para o Sul Ltda, uma empresa de fachada, sem que os destinatários originais sequer soubessem da movimentação.
Sem estereótipo
Antes de entrar no mérito do caso, o desembargador explicou que há uma tendência natural do juiz – consciente ou não – de buscar nos autos as provas que confirmem suas crenças e pré-conceitos, “arraigados no seu espírito por uma multiplicidade de fatores e informações, apofânticas ou não”.
Alair Ribeiro/MidiaNews
O deputado Gilmar Fabris, que foi condenado pelo Tribunal de Justiça
“Em situação tal, a condenação antecede até o processo, porque o juiz já casou com a culpa preestabelecida a partir de sua crença pessoal. Quando se estabelece a decisão, o juiz corre em busca de provas que possam confirmar o que às vezes é imaginário, fruto de suas crenças, dos seus pré-juízos e preconceitos”.
Perri disse que se preocupou em julgar o fato criminoso imputado a Fabris, e não o estereótipo do “político corrupto”. E, neste ponto, não conseguiu encontrar “uma única prova segura” da participação do deputado nos crimes.
“Não há lastro probatório – mínimo que seja – que comprove o liame subjetivo mantido entre Gilmar Donizete Fabris com os demais corréus denunciados pelo Ministério Público Estadual. Não verifiquei nos autos nenhuma prova testemunhal, documental, nem pericial que demonstre a participação de Gilmar Donizete Fabris no crime descrito na peça acusatória”.
Segundo o magistrado, em minucioso voto de 102 páginas, o que há no processo são conjecturas e ilações pelo fato de o deputado ter assinatado e/ou vistado 22 dos 123 cheques que abasteceram a conta-corrente da empresa fantasma.
“Também há uma aventada possibilidade de participação do réu Gilmar Donizete Fabris no fato delituoso contido na peça acusatória, porque ele era o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, e, como tal, deveria – no mínimo, segundo se presume – conhecer os pagamentos efetuados pela Casa Legislativa. Porém, repita-se, são meras suposições”.
Ainda foi mencionado por Perri que não há nenhuma prova que demonstre o conluio de Fabris com Riva para desviar o dinheiro mediante o esquema envolvendo a emissão dos cheques à empresa fantasma.
“Segundo se depreende da própria peça acusatória, Gilmar Donizete Fabris somente foi incluído no rol de denunciados pelo fato de exercer, à época dos fatos, a Presidência da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, como por ter assinado ou vistado alguns dos cheques que prestaram ao peculato”.
“Chego a esta conclusão porque o órgão de acusação nem sequer individualizou sua conduta no esquema delituoso, dizendo apenas que Gilmar Donizete Fabris era Presidente da Assembleia e que assinou, juntamente com José Geraldo Riva e Guilherme da Costa Garcia, 22 [vinte e dois] dos 123 [cento e vinte e três] folhas de cheques, fraudulentamente endossadas e depositadas na conta-corrente da Madeireira Paranorte e Para o Sul Ltda”.
Crítica ao MPE
Em seu voto, Perri criticou a atuação do MPE na investigação. Ele disse que o órgão sequer se deu ao trabalho de descrever, minuciosamente, se a modalidade do peculato atribuído a Fabris era apropriação ou desvio.
“Não bastasse a fragilidade da prova documental e oral produzida em juízo, a comprovar a participação de Gilmar Donizete Fabris, penso que uma providência de salutar relevância para o deslinde da demanda seria a realização da perícia grafotécnica, objetivando demonstrar a origem, ou seja, de onde partiu ou partiram os endossos dos cheques depositados na conta-corrente da empresa Madeireira Paranorte e Para o Sul Ltda”.
Não verifiquei nos autos nenhuma prova testemunhal, documental, nem pericial que demonstre a participação de Gilmar Donizete Fabris no crime descrito na peça acusatória
Para Perri, cabia ao MPE provar que Fabris contribuiu e se beneficiou do desvio, providência que poderia ter sido viabilizada por meio da quebra de sigilo bancário e perícia nas assinaturas. Mas nenhuma das medidas foi requerida.
“Não se provou uma coisa nem outra [...] Equivocadamente, pensou que, provado o desvio e a condição de guardião dos recursos financeiros da Assembleia Legislativa [juntamente com outros dois denunciados, importante lembrar], ipso facto, provada estava a participação dele na trama delituosa”.
“Respeitando as opiniões e posicionamentos em sentido contrário, entendo não ser crível lastrear uma condenação criminal na mera suposição de que o acusado, por exercer à época a Presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, tenha tido participação efetiva no esquema criminoso responsável por desviar mais de um milhão e meio de reais dos cofres públicos”.
Ainda no voto, o desembargador registrou que não há nenhum lastro probatório que indique que Fabris tenha sido beneficiário do dinheiro desviado.
“Destaque-se, em reforço, que o acusado Gilmar Donizete Fabris não figurou no rol de beneficiados com saques de valores efetuados da conta-corrente da Madeireira Paranorte e Para o Sul Ltda., sendo este o segundo contraindício que considero importante. Data máxima vênia, se o acusado Gilmar Donizete Fabris tivesse envolvimento com o esquema engendrado no seio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, certamente seria um dos beneficiários do dinheiro surrupiado dos cofres públicos”, disse Perri.
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