Entrou em vigor na última terça-feira, dia 16 de agosto, a Lei n.º 14.437/2022, que instituiu a flexibilização de regras trabalhistas nos períodos de calamidade pública em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. A norma resultou da conversão da Medida Provisória n.º 1109/22, que foi ratificada pelo Congresso Nacional sem nenhuma alteração.
Como se sabe, o estado de calamidade pública é decretado pelo chefe do poder executivo em situações que fogem à normalidade, provocadas por desastres causadores de danos graves à população, como ocorreu na pandemia da COVID-19. Tais contextos apresentam particularidade que, em tese, justificariam a necessidade de flexibilização de regras trabalhistas para a preservação do emprego e da renda, tal como é feito pela Lei n.º 14.437/2022.
A primeira medida estabelecida pela norma consiste na possibilidade de que os empregadores alterem o regime de trabalho presencial para teletrabalho, bem como determinem o retorno ao trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos. Nestes casos, é exigida apenas a comunicação ao empregado com antecedência mínima de 48 horas, sendo dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. Além disso, não são consideradas obrigações do empregador a aquisição de equipamentos e a instalação da infraestrutura necessária à prestação de teletrabalho.
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A Lei também possibilita a antecipação das férias individuais pelo empregador, com a ressalva de que o período usufruído não seja inferior a 5 dias corridos, além de que o pagamento do adicional de 1/3 sobre as férias seja realizado até a data de pagamento do 13º salário. Já os profissionais da saúde e aqueles que desempenham funções essenciais poderão ter suas férias e licenças não remuneradas suspensas. Em ambos os casos, a comunicação ao empregado deverá ser feita com pelo menos 48 horas de antecedência.
O art. 12 da norma, por sua vez, permite que os empregadores determinem férias coletivas para todos os empregados ou setores da empresa, inclusive por período superior a 30 dias. Em tais situações, não se aplicam o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT. É possibilitada, ainda, a antecipação de feriados federais, estaduais, distritais e municipais, como ocorreu durante a pandemia.
No seu art. 16, a Lei autoriza também a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas. A compensação das horas trabalhadas poderá ser realizada no prazo de 18 meses e não precisará respeitar acordos e convenções coletivas, ao passo que a compensação das horas não trabalhadas durante o estado de calamidade poderá ser feita pela prorrogação da jornada em até duas horas, inclusive nos finais de semana, não excedendo a jornada total diária de 10 horas. Por fim, a norma flexibiliza o recolhimento do FGTS no período calamitoso, admitindo a sua suspensão por até 4 meses. Além de instituir tais medidas, a Lei n.º 14.437/2022 tornou permanente o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, que agora poderá ser aplicado sempre que for decretado estado de calamidade.
O programa permite a suspensão temporária de contratos de trabalho, a redução de jornada de trabalho com redução salarial proporcional e o pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), com regras bastante semelhantes àquelas que foram adotadas no auge da pandemia.
As medidas trazidas pela Lei n.º 14.437/2022 poderão ser adotadas pelo prazo de até 90 dias, prorrogável enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Poder Executivo Federal, valendo para trabalhadores urbanos, rurais, domésticos, temporários, aprendizes e estagiários, de áreas e grupos de risco atingidos pelo estado de calamidade. Registramos a nossa preocupação com relação a, mais uma vez, estarem ocorrendo flexibilizações e até mesmo eliminação dos direitos dos trabalhadores sem qualquer cuidado ou discussão com as partes interessadas, ou seja, empregados e empregadores, por meio de seus representantes.
Por outro lado, está sendo desmontado, tijolo a tijolo, o direito do trabalho, que tem por essência proteger os trabalhadores, parte mais fraca da relação de emprego, sem que a sociedade perceba e reaja ao perigo que isso representa. Menos direitos significa menor proteção e menos dinheiro no bolso daqueles que, em sua maioria, já vivem no limiar da miséria, enquanto a boa parte das empresas e empregadores aumentam dia a dia os seus lucros. Onde vamos parar?
*Carla Reita Faria Leal e Amanda Cristina Campos de Almeida, membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT.
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