CARLA REITA FARIA LEAL E SOLANGE DE HOLANDA
Em decisão proferida em 14 de abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral e determinou a suspensão de todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, a chamada “pejotização”, até que o Plenário do STF, ao julgar o Tema 1.389, estabeleça critérios claros para o reconhecimento de vínculo empregatício nessas hipóteses
O ministro proferiu essa decisão em um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1.532.603) interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, em que se discute a relação entre corretor e seguradora (originalmente contrato de franquia).
Foram fixadas três questões a serem elucidadas no referido Tema 1.389: 1) a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços; 2) a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, em vista da tese aprovada pelo próprio STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 324, que deu origem à tese fixada no Tema 725, autorizando a terceirização irrestrita, inclusive da atividade-fim da tomadora de serviços; 3) e a quem cabe o ônus da prova em relação à suposta fraude contratual – se recai sobre o autor da reclamação trabalhista ou sobre a empresa contratante.
Há algum tempo diversos ministros do Supremo Tribunal Federal vêm reclamado da postura adotada pela Justiça do Trabalho em relação ao entendimento consolidado no julgamento sobre terceirização, no qual a Corte reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, especialmente, no que se refere à contratação de pessoas jurídicas ou à existência de contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas.
Neste contexto, em sede de reclamação constitucional, o STF tem revisado e anulado decisões da Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo de emprego entre trabalhadores e empresas, cuja relação inicial aparentemente seria de terceirização ou terceirização por “pejotização”.
Ao estender a presunção de legalidade reconhecida na terceirização à contratação de serviços, por intermédio da “pejotização”, a Suprema Corte brasileira tem sido alvo de diversas críticas de juristas e defensores do direito do trabalho que alertam para a distinção entre as circunstâncias fáticas envolvidas. Isso porque a “pejotização” ocorre, em geral, em uma relação bilateral, por meio da qual uma empresa contrata um trabalhador sob a forma de pessoa jurídica (PJ) para exercer funções típicas de um empregado, mas sem garantir os direitos previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, este trabalhador está em uma relação de subordinação com a empresa que o contratou, mas tal fato é mascarado pela criação de uma pessoa jurídica, que dispensa o pagamento dos devidos encargos trabalhistas.
Já a terceirização advém de uma relação triangular, uma vez que o trabalhador mantém vínculo de emprego com a empresa prestadora de serviços, mas disponibiliza o resultado do seu trabalho a um tomador de serviços no setor público ou privado. Portanto, duas coisas bastante diferentes.
Os críticos também destacam que o STF não tem feito a devida distinção entre o tratamento legal dispensado aos chamados trabalhadores hipersuficientes, categoria criada pela legislação que implementou a reforma trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), para aqueles com formação do ensino superior e salário igual ou superior ao dobro do teto do INSS, pouco mais de R$ 16 mil reais em valores atuais, daquele destinado aos demais trabalhadores considerados hipossuficientes.
Enquanto os hipersuficientes são profissionais que detêm maior autonomia para negociar as condições para prestação de seus serviços, inclusive por intermédio da constituição de uma pessoa jurídica própria, a exemplo de médicos, artistas e comunicadores, a maioria dos trabalhadores submete-se às regras ditadas no momento da contratação, sob pena de ficar fora do mercado de trabalho, dependendo, portanto, da proteção da CLT.
Diante dessa situação, em seu canal nas redes sociais, o Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestou-se demonstrando preocupação com o aumento significativo da pejotização no Brasil, haja vista que tais práticas acarretam prejuízos ao trabalhador e à sociedade como um todo. Reflexo direto da contratação de trabalhadores, sem o devido reconhecimento das obrigações inerentes à relação de emprego, é a queda na arrecadação previdenciária e a adesão de profissionais a regimes tributários simplificados com direitos reduzidos e benefícios previdenciários equivalentes ao salário mínimo, a exemplo do Microempreendedor Individual (MEI).
Segundo o ministro Gilmar Mendes, o descumprimento sistemático da orientação do STF pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de insegurança jurídica, embora, curiosamente, o recurso indicado como paradigma para julgamento dessa matéria tenha sido interposto pelo trabalhador contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que não reconheceu o vínculo empregatício. O principal fundamento adotado no recurso é o chamado “distinguishing”, ou seja, no sistema processual vigente deve-se afastar a aplicação de precedente vinculante de situações fáticas distintas, a fim de coibir práticas utilizadas como mecanismos de burla de direitos assegurados aos trabalhadores, os quais integram o rol de direitos fundamentais na ordem constitucional vigente.
*Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT, e Solange de Holanda Rocha é Professora e Procuradora Federal em Mato Grosso.
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