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GERAL Segunda-feira, 08 de Abril de 2024, 15:30 - A | A

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GERAL / OBRAS EM RODOVIA

Sítio arqueológico no Portão do Inferno registra presença humana 4 mil anos antes de Cristo

Sinfra propôs corte do paredão, que abriga sítio protegido pelo Iphan, como solução aos deslizamentos

ALLAN PEREIRA
Da Redação



Reprodução

SITIO ARQUEOLÓGICO PORTÃO DO INFERNO

 

Cerca de 4 mil anos antes do Presente (antes de 1950), grupos humanos pré-históricos se abrigaram em diversos espaços rochosos do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães. Eles fizeram fogueiras, deixaram vestígios de objetos e fizeram pinturas ou gravuras nas rochas de arenito. Uma delas é do Portão do Inferno, que fica a apenas 111 metros de distância da MT-251, que liga Cuiabá ao município de Chapada.

Na última semana, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra) propôs como solução aos deslizamentos da escarpa (paredão) do Portão do Inferno sob a MT-251 o chamado retaludamento, um corte vertical na rocha até o nível da pista. Mas, durante a divulgação do projeto da obra, foi apontado a existência de um sítio arqueológico na parte detrás do paredão que é conhecido por poucos. O governador Mauro Mendes (União Brasil) garantiu que as escavações não irão impactar o sítio.

O sítio arqueológico Portão do Inferno é conhecido por guias turísticos, funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e moradores da região. As pesquisas acadêmicas sobre ele começaram em 2016. Os estudos na área são coordenados pela arqueóloga e historiadora Veronica Wesolowski, do Museu de Etnologia e Arqueologia da Universidade de São Paulo (USP).

Para o Midiajur, Veronica explica que ainda não dá para saber quando as gravuras foram feitas no sítio Portão do Inferno, que fica próximo à MT-251.

"Sabemos que essa região da Chapada tem ocupações que vem de 4 mil anos antes do Presente. Parecem ser ocupações de passagem dos grupos por dentro desse relevo, sobretudo para usar as paredes para gravuras ou pinturas. A paisagem tem uma dimensão simbólica importante para esse grupo do passado", conta.

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O registro de ocupação mais antigo em território mato-grossense é do sítio arqueológico Santa Elina, em Jangada, com vestígios de 20 mil anos Antes do Presente.

Cada sítio arqueológico dentro do Parque de Chapada foi usado como um abrigo de estadia para esses grupos humanos pré-históricos, segundo Veronica. O sítio do Portão do Inferno é um desses abrigos que compõem outras dezenas que estão localizadas dentro do parque nacional. Cada abrigo é registrado e possui um cadastro junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que é responsável pela sua proteção.

Reprodução

SITIO ARQUEOLÓGICO PORTÃO DO INFERNO

 Gravuras feito por grupos humanos que passaram por local que, hoje, é conhecido como Portão do Inferno.

No sítio do Portão do Inferno, há cinco painéis, sendo quatro compostos por gravuras com símbolos geométricos e um de pintura. Também foram encontrados vestígios de três fogueiras, que ficavam numa parte mais abrigada do paredão, além de uma conta de osso e um fragmento lítico.

O sítio Portão do Inferno também fica próximo de outros dois abrigos, que foram chamados "Abrigo da Salgadeira" e "Mata Fria", que também ficam próximos às margens da MT-251.

Veronica conta que os abrigos do parque não mostram sinais de ocupações duradouras - o que indica que as moradias desses grupos de pessoas era em locais próximos da região acidentada do parque. A pesquisadora supõem que eles ocupavam áreas mais planas próximas aos rios Manso, Claro e os demais da região. Os estudos levantados por ela e os outros pesquisadores sob sua coordenação não conseguiram identificar o motivo deles desceram para a região que hoje é o parque.

"Os sinais de ocupação são longos e constantes. Os grupos que viviam ali perto, estavam sempre nessa zona interna de Chapada, mas eles não viviam permanentemente nos abrigos. Eles entram nesse relevo para fazer algumas coisas. Pode ser para pintar as paredes, ir atrás de tipos de caça, uma série de atividades ainda desconhecidas. Mas esse pedaço [do parque] faz parte do território desses grupos", pontua.

Os sinais de ocupação são longos e constantes. Os grupos que viviam ali perto, estavam sempre nessa zona interna de Chapada, mas eles não viviam permanentemente nos abrigos. Eles entram nesse relevo para fazer algumas coisas. Pode ser para pintar as paredes, ir atrás de tipos de caça, uma série de atividades ainda desconhecidas. Mas esse pedaço [do parque] faz parte do território desses grupos

Assim como os paredões de Chapada encantam e surpreendem os turistas de hoje, Veronica aponta que os grupos humanos também ficaram impactados por essa mesma passagem. "Ela certamente foi apropriada por esses grupos. Eles não parecem refletir uma base de moradia, mas refletem essa relação dos grupos com aquele relevo escarpado, grutas, abrigos, riachos e cascatas para fazer atividades específicas", diz.

Por conta da chegada de europeus à região de Cuiabá, não dá para saber a ligação desses grupos humanos com os povos indígenas que viviam na região antes das chegada da colonização.

"Não conseguimos associar esses grupos, pelo menos não pelo momento. Não consegue fazer essa coisa direta. Aí em Chapada dos Guimarães, houve uma ruptura muito forte por conta do massacre recorrente na conquista dos sertões. Mas, por outro lado, é certo que alguma conexão há e que não compreendemos muito bem qual é", destaca.

A pesquisa dos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Chapada é fruto de uma missão científica entre o Museu de Arqueologia da França e o Museu de Etnologia e Arqueologia da USP, que foi responsável pelos estudos dos sítios arqueológicos Santa Elina e na Cidade de Pedra. O projeto durou três décadas. Em 2016, historiadores e arqueólogos dos dois países retomaram o projeto e começaram a estudar os sítios dentro da unidade de conservação.

Veronica aponta que, entre 2016 e 2023, foram coletados milhares de registros e que boa parte ainda está à espera de serem estudados, inclusive os carvões de fogueiras encontrados no Sítio do Portão do Inferno. No ano passado, a parceria entre os museus francês e brasileiro foi encerrada. O grupo da pesquisadora aguarda uma nova fonte de financiamento do Governo Federal para custear os especialistas a fazerem a análise dos materiais.

Sítio do Portão do Inferno está sob risco

O sítio do Portão do Inferno também está sob risco grave de deterioração e pode ter seus registros de artes rupestres comprometidos.

O Midiajur teve acesso ao laudo de avaliação de impacto ao sítio arqueológico, produzido pela Taiamã Arqueologia, para as obras emergenciais na MT-251 no início do ano.

Conforme o laudo, uma equipe do Iphan e do ICMBio visitou o sítio após os episódios de desmoronamento e deslizamentos do Portão do Inferno sob a MT-251. D'outro lado do paredão, também há sinais de fissuras que colocam o abrigo em risco. "Embora o relatório não traga maiores detalhes, é possível observar pelas fotos que o sítio permanece em constante estado de degradação sendo observados desplacamentos", destaca o laudo.

Reprodução

SITIO ARQUEOLÓGICO PORTÃO DO INFERNO

 

 

O laudo produzido pela Taiamã Arqueologia aponta que o sítio apresenta graves problemas de conservação causados por agentes naturais. Um deles é um ninho de cupins, que deixam marcas permanentes nas pinturas e gravuras feitas pelos grupos humanos. Também há a presença de plantas e raízes que se espalham sob a rocha.

A bioarqueóloga Veronica Wesolowski aponta que o grupo de pesquisa sob sua coordenação também esteve no sítio em 2017 e 2022. Nas duas vezes, ela viu sinais graves de deterioração do local.

"O arenito é muito friável. Fizemos uma campanha ali muito curta. Em 2017, se fez um estudo prévio a partir do registro das gravuras e voltamos em 2022 para complementar e fazer uma intervenção de escavação muito rápido, porque o sítio coloca a gente em risco durante o trabalho. São muitas fissuras, tem muito desplacamento e desagregramento da própria parede", explica.

Reprodução

SITIO ARQUEOLÓGICO PORTÃO DO INFERNO

 

Uma fita zebrada, instalada pelo ICMBio, indica a restrição de circulação de pessoas próximas ao sítio arqueológico.

Obras precisam ser acompanhadas por arqueológo

Procurado pelo Midiajur, o Iphan afirmou que foi notificado sobre o projeto de retaludamento do Portão do Inferno e que recomendou à Sinfra a necessidade de um profissional da arqueologia para avaliação e acompanhamento das obras emergenciais.

O Iphan também pediu um projeto de acompanhamento arqueológico em caráter de urgência nos termos da Portaria Iphan 07/1988 e oficiar a arqueóloga responsável pelas Fichas de Cadastro dos Sítios Arqueológicos do Portão do Inferno.

"O Iphan ressalta que o projeto enviado pela Sinfra não é de arqueologia, portanto não integra o escopo de análise desta autarquia. Por fim, o Instituto lembra que independentemente de seu registro no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, todos os sítios arqueológicos existentes no território nacional são considerados bens da União, sendo proibido a destruição, a mutilação ou o aproveitamento econômico antes de serem devidamente pesquisados", adverte.

Obras no Portão do Inferno

A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra) propôs como solução aos deslizamentos da escarpa (paredão) do Portão do Inferno o chamado retaludamento - um corte vertical na rocha até o nível da pista. O paredão integra o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães.

O governo fez o pedido de autorização das obras junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sem a necessidade de licenciamento (estudos de impacto ambiental). Até o momento, não houve resposta dos órgãos. O ICMBio tem que permitir as obras no local por cuidar do parque, enquanto o Ibama é responsável pela licença ambiental da obra.

Quando o corte chegar até o nível da atual pista da MT-251, a estrada será afastada até dez metros por onde passa o atual paredão. A via atual será usada área de contemplação. A estimativa com o corte é que sejam retirados 180 mil metros cúbicos de rocha da parte superior do paredão.

Segundo o governo, o custo está estimado em R$ 30 milhões e o prazo para conclusão é de 120 dias a partir do início da obra. A empresa contratada, a Lotufo Engenharia e Construções Ltda, tem cinco dias para iniciar a obra a partir da aprovação pelos órgãos ambientais federais.

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