LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Quando assumiu a presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), em março do ano passado, o desembargador Orlando Perri demonstrou preocupação com a porcentagem de processos que tramitam com o benefício da justiça gratuita no Estado, que pulou de 80% para 87% em um período de cinco anos e acabou por elevar o aumento de gastos do tribunal.
Em virtude disso, ele recomendou que os juízes fossem mais cautelosos e concedessem o benefício apenas aos cidadãos que realmente não possuem condições de arcar com as custas processuais.
A recomendação, segundo o advogado Humberto Affonso Del Nery, tem sido interpretada de forma equivocada por muitos magistrados, que passaram a “negar a justiça gratuita a todos”.
“O desembargador Orlando Perri em momento algum determinou que os pedidos fossem indeferidos. Mas alguns tomaram a recomendação como uma determinação e estão indeferindo todas as justiças gratuitas”, criticou.
Segundo o advogado, que atua nas comissões dos Juizados Especiais e de Direito Municipal da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), esta parcela de juízes querem que a parte prove que é hipossuficiente, quando a lei determina que basta uma simples declaração.
“As pessoas que buscam a justiça gratuita estão com um problema sério. Imagine um brasileiro normal, pobre, que tem seu CPF cancelado porque não declara imposto de renda e não tem carteira de trabalho. Ele vai acessar a justiça e o juiz vai indeferir a gratuidade porque não comprovou que ele é pobre. Como ele vai comprovar que é pobre?”, questionou.
Decisões generalizadas
Este entendimento de negar o benefício, conforme relatou Humberto Nery, tem sido compartilhado não só por juízes da Capital, mas também no interior e pelos próprios desembargadores do TJ-MT.
“No começo a gente pensou que era só em Cuiabá, mas há decisões deste tipo no Estado inteiro. Da mesma forma está sendo entendido na segunda instância. Eu tive 10 justiças gratuitas indeferidas.
Eles querem que você comprove através de documentos, holerites. Mas há pessoas que não têm holerite, não tem nada”, ressaltou.
Humberto Nery também criticou o fato de muitos juízes investigarem os cadastros de bens das partes para avaliar se a parte merece ou não o benefício da gratuidade.
“Eu entendo que o juiz não deveria ficar vasculhando a vida da parte, isso cabe à parte contrária, que pode impugnar a assistência judiciária gratuita com uma ação própria para isso, elencando os motivos e provando estas alegações”, opinou.
Outro equívoco que o advogado elencou são as decisões que negam a gratuidade pelo fato da parte possuir algum bem de valor.
“Nós temos magistrados que indeferem a justiça gratuita porque o cara tem um carro, quando a condição para você deferir ou não a justiça gratuita é a miserabilidade. A pessoa possui um carro 2003, mas sabe-se lá Deus como ele está pagando isso, e só o fato de ele ter um carro não é motivo para indeferir a justiça gratuita”, ressaltou.
Debate e providências
Para o advogado, este “indeferimento em massa” do benefício tem barrado o acesso do cidadão comum ao Poder Judiciário.
“Há muitas pessoas que buscam seguro DPVAT, que é um seguro social, onde geralmente a pessoa caiu de moto, foi atropelada, então é uma pessoa que não tem muitas condições econômicas. E está sendo negada a gratuidade até nesses casos”, denunciou.
A questão, segundo ele, tem sido discutida no âmbito da OAB-MT, que estuda quais providências poderá tomar para solucionar o problema.
“A OAB já fez reuniões com o Perri, pedindo que fossem revistas essas situações e ele coloca que é o entendimento de cada magistrado, que ele não pode interferir. Reuniões já foram feitas, estamos fazendo esse levantamento de decisões e vendo que medida tomar, de repente ver no CNJ algo que possa ter efetividade”, adiantou.
Saiba mais
A gratuidade processual é um benefício que isenta o autor da ação de ter que arcar com os custos do processo, como valores relativos a honorários advocatícios, publicação de despachos, realização de perícias e investigações, etc.
De acordo com a Lei 1060/50, para receber a isenção basta que a parte afirme na petição que não possui condições de arcar com as despesas processuais sem que isso gere prejuízo para si e sua família.
No entanto, o artigo 5º inciso LXXIV da Constituição Federal também estabelece que o Estado só concederá o benefício para quem comprovar não possuir recursos para pagar as despesas processuais.
Ou seja, mesmo com a declaração de pobreza o magistrado pode negar o pedido se verificar que a parte tem condições de pagar as custas processuais.
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