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Midia Jur
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Entrevista Domingo, 01 de Março de 2015, 00:03 - A | A

01 de Março de 2015, 00h:03 - A | A

Entrevista / “ALGO ERRADO” NA OAB

“Gasta-se muito dinheiro para um cargo não remunerado”

Ex-presidente da OAB-MT, Ussiel Tavares critica falta de transparência em doações nas campanhas

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT) de 1998 a 2003, o advogado Ussiel Tavares questionou, em entrevista ao MidiaJur, o porquê de os candidatos ao comando da seccional gastarem tanto dinheiro nas campanhas classistas.

Para ele, há “algo errado” no fato de os postulantes ao cargo “torrarem” cifras milionárias em uma campanha sem ter, em tese, qualquer expectativa de retorno desse montante.

“Uma campanha pelo grupo de situação não sai por menos de R$ 500 mil. É muito dinheiro para quem se dispõe a largar o escritório para se dedicar a um cargo não remunerado. Alguma coisa está

"Uma campanha pelo grupo de situação não sai por menos de R$ 500 mil. É muito dinheiro para quem de dispõe a largar o escritório para se dedicar a um cargo não remunerado. Alguma coisa está errada nisso"

errada nisso”, apontou Ussiel.

A falta de transparência sobre a origem destes valores arrecadados, conforme Ussiel Tavares, é um fator que coloca em risco a independência da OAB-MT, assim como pode facilitar o ingresso de pessoas mal-intencionadas no alto escalão da seccional.

“Alguns podem achar que o presidente da OAB usa o cargo para captar clientes. É lógico que o presidente da OAB fica em evidência na sociedade e mais cedo ou mais tarde você acaba sendo reconhecido [...] O que a gente tem que ter é a preocupação de que isso não seja mal usado. Um advogado oportunista que só pense em captar clientes pode usar a OAB para captação de clientela. E isso daí me preocupa”, ressaltou.

O ex-presidente da seccional contou que, no tempo em que disputava a OAB-MT, as campanhas eram mais modestas e representativas.

Já nas últimas campanhas, segundo ele, o poder econômico é requisito fundamental para poder se lançar à disputa.

“Como os líderes dos processos eleitorais fazem? Eles se propõem a bancar grande parte da campanha e os outros, se quiserem, vem atrás. Há casos de cargos de conselheiro federal, cargos de diretoria que, na arrecadação de campanha, se criaram critérios diferenciados para estes cargos. Não está se falando em quem é mais representativo ou quem tem mais condições de exercer tal cargo, mas quem tem mais poderio financeiro para poder ocupar estes cargos”, revelou.

Ainda na entrevista, o advogado Ussiel Tavares contou detalhes do funcionamento do processo eleitoral da OAB, falou sobre os possíveis candidatos à campanha deste ano e fez sua análise da postura da atual gestão da seccional.

Confira os melhores trechos da entrevista:

MidiaJur – Como o senhor analisa o processo eleitoral da OAB?

Ussiel Tavares
– A OAB adquiriu uma importância muito grande ao longo dos anos, mas o processo eleitoral da OAB não acompanhou esta evolução. A OAB é uma entidade comprometida com a transparência, com os princípios democráticos, mas esse discurso só é usado para os outros. A gente é contra políticos fichas-sujas, mas a nossa regra eleitoral não prevê isso. Qual o perigo disso? É que interesses estranhos à Ordem venham interferir em alguma candidatura.

MidiaJur - Então falta transparência nesse processo?

Ussiel Tavares
- O que é urgente implantar no processos eleitoral da OAB são o controle dos gastos. Como os líderes dos processos eleitorais fazem? Eles se propõem a bancar grande parte da campanha e os outros, se quiserem, vem atrás. Há casos de cargos de conselheiro federal, cargos de diretoria que, na arrecadação de campanha, se criaram critérios diferenciados para estes cargos. Não está se falando em quem é mais representativo ou quem tem mais condições de exercer tal cargo, mas quem tem mais poderio financeiro para poder ocupar estes cargos. E isso acaba gerando algo que não é democrático. Quando eu fui presidente da OAB, era a época em que o Arcanjo foi preso, e eu questionava o seguinte: ainda que o advogado não se confunda com o crime, não é razoável que alguém, como dirigente da Ordem, de manhã cobre das autoridades as investigações contra o crime e à tarde advogue para quem é acusado.

"Há casos de cargos de conselheiro federal, cargos de diretoria que, na arrecadação de campanha, se criaram critérios diferenciados para estes cargos. Não está se falando em quem é mais representativo ou quem tem mais condições de exercer tal cargo, mas quem tem mais poderio financeiro para poder ocupar estes cargos"

MidiaJur - Isso ocorre atualmente?

Ussiel Tavares
- Temos uma situação muito parecida hoje. O Maurício Aude deixou de fazer alguns enfrentamentos. Essa matéria que saiu no Fantástico sobre as obras da Copa e a corrupção, está na cara que a OAB poderia ter sido mais incisiva na cobrança de algumas atitudes por parte do então governador Silval Barbosa e que acabou não fazendo. Primeiro porque não é o estilo dele. Registro que o Maurício é um cara excelente, bom caráter, não se mistura com nada disso, mas faltou um pouco mais de firmeza. Sob o ponto de vista da questão corporativa, foi muito bem, defendeu os interesses da classe. Mas, sob o ponto de vista institucional, que é o principal papel da classe hoje, deixou a desejar. Como outros presidentes deixaram. Mas eu tenho medo que esse tipo de interesse possa interferir no processo eleitoral da Ordem. Então o mínimo que se espera é que nas próximas eleições, embora na legislação eleitoral não esteja previsto isso, possamos saber de onde vem o dinheiro das campanhas.

MidiaJur - O fato de diversos advogados que compõem a diretoria e o conselho estadual defenderem investigados na Operação Ararath ou até mesmo serem investigados nesta operação, como é o caso do conselheiro estadual Alex Tocantins, pode ter influenciado essa falta de pulso firme?

Ussiel Tavares
– Eu respeito todos eles profissionalmente. Mas essa contaminação não é boa, e por isso eu quero saber quem está investindo na campanha eleitoral da Ordem. Eu não posso dizer que a OAB deixou de fazer isso ou aquilo porque algum membro é advogado de um investigado, mas é salutar que esses interesses não se confundam. E para isso é preciso saber quem banca a campanha da OAB.

MidiaJur – Não soa mal o discurso da OAB-MT de ser contra os fichas-sujas no serviço público, mas admitir em altos cargos da entidade um advogado réu de ação penal por fraude em licitação, outro que é réu de corrupção por suposta lavagem de dinheiro, outro que foi flagrado dirigindo embriagado e outro que foi condenado por ter causado danos psicológicos a uma criança?

Ussiel Tavares
– Em várias oportunidades, eu participei de reuniões e o mínimo que se esperava é que essas pessoas fossem afastadas. Não há um prejulgamento, todo mundo tem direito à defesa, mas o mínimo que se esperava era o afastamento do cargo. Esse caso da Ararath é emblemático. O cara é acusado de lavagem de dinheiro, então não é razoável que ele permaneça no cargo. Falta um pulso maior. Legalmente, ele pode permanecer no cargo, até porque não há sentença transitada em julgado. Mas, convenhamos, para a Ordem pega muito mal.

MidiaJur - Como funcionavam as campanhas na época em que o senhor disputou a Ordem?

Ussiel Tavares
– A gente fazia festa na Associação dos Advogados, você pagava uma banda para tocar, e cada um comprava sua cerveja. Hoje não. Hoje

"Esse caso da Ararath é emblemático. O cara é acusado de lavagem de dinheiro, então não é razoável que ele permaneça no cargo"

são jantares, que custam caro. A gente precisa coibir esse tipo de coisa. Outra prática reprovável, que eu mesmo fiz, inclusive, mas em uma OAB menor: boca de urna. Na legislação eleitoral já é proibida a boca de urna. Na OAB, na eleição passada, eu defendia que a eleição da Ordem deveria ser feita em outro local. A Ordem já não comporta mais receber um fluxo de gente tão grande, poderia ser feita no Centro de Eventos do Pantanal ou no Cenarium Rural. Mas aquela boca de urna tem que acabar. Ficam advogados, estagiários lá, chegam os votantes e eles vão para cima deles fazer campanha. Não tem nada mais ridículo do que isso.

MidiaJur – Quanto em média custaram as campanhas à OAB-MT nas últimas gestões?

Ussiel Tavares
– É um gasto imensurável, porque há gastos de favores. Você tem um cliente que dá uma aeronave para você viajar. Quanto custa isso? Para a campanha, não está custando nada, mas você está recebendo esse favor. Seria razoável que se abrisse essa questão, como o candidato revelando que irá viajar com tal avião, explicando de quem é este avião, porque esta pessoa está ajudando, para que o advogado possa identificar quais são os interesses que têm por trás disso. É um sinal de evolução.

MidiaJur - O senhor tem um valor aproximado?

Ussiel Tavares
- Uma campanha pelo grupo de situação não sai por menos de R$ 500 mil. É muito dinheiro para quem de dispõe a largar o escritório para se dedicar a um cargo não remunerado. Alguma coisa está errada nisso. Alguns podem achar que o presidente da OAB usa o cargo para captar clientes. É lógico que o presidente da OAB fica em evidência na sociedade e mais cedo ou mais tarde você acaba sendo reconhecido. Eu sempre falo: a melhor coisa que aconteceu na minha carreira como advogado foi ter sido presidente da Ordem. Porque era lógico que você, como ex-presidente da Ordem, consegue abrir portas no Judiciário, nos órgãos estatais. O que a gente tem que ter é a preocupação de que isso não seja mal usado. Um advogado oportunista que só pense em captar clientes pode usar a OAB para captação de clientela. E isso daí me preocupa.

MidiaJur - Quanto à questão das obras da Copa, a OAB divulgou notas, fez críticas e entrou com um mandado de segurança contra a Secopa para conseguir documentos sobre as obras. Mas não faltou algo prático em cima de tudo isso?

Ussiel Tavares
– Depois que a mídia divulgou todas aquelas irregularidades, alguns membros da OAB ainda falaram “ah, foi por isso que a Secopa não queria liberar os documentos”. Quer dizer, pior ainda para a Ordem. Alardearam que entraram com o mandado de segurança, eles não entregaram os documentos e a OAB ficou quieta? A OAB não é isso. Quando eu fui presidente da OAB-MT, eu estive no Ministério da Justiça, junto com o Pedro Taques, que na época era procurador da República, junto com o Rogério Salles, que era governador, e vários membros da sociedade civil pedindo que a Operação Arca de Noé fosse desencadeada em Mato Grosso. E deu no que deu. Foi algo positivo. Agora aconteceu a prisão do ex-presidente da Assembleia, que com certeza é o homem mais importante do nosso Estado, ninguém deixa de reconhecer que o José Riva é a maior liderança política de Mato Grosso, e faltou uma atuação mais firme da Ordem no caso.

"Ele não vai deixar de ser presidente se for candidato, até porque a legislação não proíbe, então ele tem que ser fiscalizado. Ele, o Léo ou quem for, porque há uma situação de desigualdade"

MidiaJur - A oposição sempre acusa a situação de usar a máquina para fazer campanha sob o pretexto de prestação de contas à classe. Como o senhor analisa isso?

Ussiel Tavares
– O eleitor da OAB é diferenciado. A máquina da OAB não pode parar porque ele é candidato, isso é emblemático. Toda eleição é discutido isso de o candidato da eleição continuar no cargo. Tem que haver mudança na regra eleitoral. É uma situação desigual contra os outros candidatos. Mas eu imagino que o eleitor advogado seja um eleitor diferenciado, que não vai se impressionar fácil. É lógico que deve haver um controle disso. Se o Léo Capataz [presidente da Caixa de Assistência e possível candidato] for para o interior, começar a promover jantares e fazer discurso de candidato, é outra história. Por isso eu defendo a nomeação de uma Comissão Eleitoral independente desde já, para estar acompanhando os passos não só dele, mas do Maurício, que pode ser candidato à reeleição. Ele não vai deixar de ser presidente se for candidato, até porque a legislação não proíbe, então ele tem que ser fiscalizado. Ele, o Léo ou quem for, porque há uma situação de desigualdade. O José Moreno [possível candidato de oposição] vai se apresentar no interior com a cara e a coragem. A situação é desigual.

MidiaJur – Qual a sua análise dos advogados que já se colocaram ou são apontados como candidatos á presidência da OAB-MT na campanha deste ano, como o Pio da Silva, Francisco Esgaib, Eduardo Mahon, Léo Capataz e José Moreno?

Ussiel Tavares
– Acho que são todos legítimos. O Pio da Silva toda vez é candidato, tem o minuto de fama dele, mas é legítimo. Isso é saudável, ter vários nomes se apresentando, seria bom se houvessem mais. Eu tenho minhas convicções para votar, mas não vou declarar voto, porque já decidi não participar do processo eleitoral da Ordem. Até me colocaria à disposição do presidente da OAB para colaborar no sentido de promover menos desigualdade na disputa, mas não vou declarar voto.

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