MIKHAIL FAVALESSA E LÁZARO THOR BORGES
Da Redação
Atualizada em 21/06/2022 com a nota da CGJ-MT.
O Ministério Público Estadual (MPE) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) acionaram na Justiça diversos cartorários e ex-cartorários interinos pela falta de recolhimento dos valores que extrapolam o teto constitucional, o chamado "extrateto". Como revelou o Midiajur, 60 cartórios deixaram de recolher R$ 80 milhões apenas entre 2015 e 2020, segundo uma auditoria da Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ).
Em levantamento feito pela reportagem, há ações civis públicas por improbidade administrativa movidas pelo MPE, algumas ações penais por enriquecimento ilícito e peculato, e ainda ações de execução fiscal movidas pela PGE para recuperar os valores.
Os administradores dos cartórios são obrigados a repassar ao Tribunal de Justiça os valores recebidos acima do limite constitucional, que é de 90,25% do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que corresponde atualmente a R$ 35,4 mil por mês.
Romeu Martins Cano foi oficial interino do cartório do 1º Ofício de Vila Bela da Santíssima Trindade, função da qual foi afastado em 13 de setembro de 2019 por decisão do diretor do Foro de Vila Bela. Entre setembro de 2013 e março de 2018 ele deixou de recolher R$ 1,1 milhão de extrateto. Já de abril de 2018 a setembro de 2019, foram R$ 543,7 mil, de acordo com o MPE, que o denunciou por peculato, ou seja, desvio de recursos públicos, cometido 72 vezes.
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A denúncia contra Cano foi oferecida em outubro de 2020, com pedido de condenação em R$ 10 mil. Cano e o MPE firmaram um acordo de não persecução penal em julho de 2021 no qual o ex-cartorário se comprometeu a pagar R$ 8 mil aos cofres públicos, parcelados em 10 vezes. O acordo foi homologado pelo juiz Elmo Lamoia de Moraes em 27 de julho do ano passado.
O ex-cartorário firmou também um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPE, em 2019, para devolver R$ 1,2 milhão em 60 parcelas de R$ 21,3 mil. No TAC, Cano ainda concordou em pagar uma multa de R$ 130,5 mil, por meio da doação de equipamentos ao "Projeto de Implantação Modular do Plano de Preservação, Controle e Combate a Incêndios Florestais no Parque Estadual Ricardo Franco idealizado pela 8ª Companhia Independente de Bombeiros Militar".
Há casos em que a PGE entrou com ações de execução fiscal contra os devedores. O próprio Romeu Martins Cano é alvo de uma dessas ações, apresentada pela PGE em 8 de março deste ano. O Estado cobra R$ 1,8 milhão do ex-cartorário. Foi determinada a intimação de Cano para pagar o valor do extrateto não recolhido, mas em 2 de junho a intimação foi devolvida sem ser cumprida. A ação continua tramitando.
Outro exemplo de ações da PGE é uma contra Ezequias Vicente da Silva, então responsável pelo Cartório do 1º Ofício de Brasnorte. A PGE acionou Ezequias em abril de 2021, em uma ação assinada pelo subprocurador-geral Fiscal do Estado, Jenz Prochnow Junior. A dívida é calculada em R$ 3,6 milhões pela PGE. A juíza Daiane Marilyn Vaz, da Vara Única de Brasnorte, determinou a intimação de Ezequias Vicente da Silva para pagamento da dívida, o que ainda não aconteceu.
Ex-cartorária do 2º Ofício de Sapezal, Alda Rodrigues dos Reis também é cobrada pela PGE na Justiça. A auditoria da Corregedoria identificou que ela deixou de recolher R$ 1 milhão entre 2015 e 2020. Na ação de execução fiscal, a PGE cobra R$ 1,1 milhão.
IMPROBIDADE - Em alguns dos casos, o MPE entende que os ex-cartorários cometeram atos de improbidade administrativa ao deixar de recolher o extrateto. O órgão entrou, por exemplo, com uma ação civil pública contra Cézar Mário Dalla Riva, ex-responsável pelo Cartório do 2º Ofício de Alta Floresta.
De acordo com a auditoria da Corregedoria-Geral da Justiça, Dalla Riva deixou de recolher R$ 6,2 milhões aos cofres públicos entre 2015 e 2020. É o terceiro maior valor da lista.
O MPE acionou o ex-cartorário em 2020, mas por um período diferente daquele apurado pela CGJ: entre março de 2014 e setembro de 2016, o MPE calculou que Dalla Riva se apropriou indevidamente de R$ 991 mil, que foram atualizados para R$ 1,9 milhão.
O ex-cartorário foi condenado em uma sentença de 22 de outubro de 2021, dada pelo juiz Antônio Fábio da Silva Marquezin, da 6ª Vara de Alta Floresta.
Para o magistrado, "agindo dolosamente, no exercício de função pública, o requerido apropriou-se indevidamente de valores que deveriam ser destinados ao Tribunal de Justiça, especialmente pela sua condição de Tabelião interino e em respeito ao Provimento nº 30/2013-CGJ, de modo que, além de enriquecer-se ilicitamente, também provocou prejuízo ao erário estadual, sendo sua conduta caracterizada como ato de improbidade administrativa".
De acordo com a sentença, Dalla Riva foi notificado diversas vezes pelo Tribunal de Justiça para pagar os valores ao Fundo de Apoio do Judiciário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, o Funajuris, mas ignorou as notificações.
Além de devolver R$ 1,9 milhão, o ex-cartorário foi condenado ao pagamento de multa cível também de R$ 1,9 milhão, ficou proibido de contratar com o Poder Público por 10 anos, e teve os direitos políticos suspensos por oito anos. Ele ainda recorre da sentença no Tribunal de Justiça.
OUTRO LADO - A Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) refuta qualquer informação relativa à divulgação de eventuais débitos de interinos na matéria publicada. A questão inclusive está ainda pendente de modulação dos efeitos quanto a existência ou inexistência de débitos, no próprio STF, conforme recente decisão. Trata-se, portanto, de uma imensa injustiça com os nomes divulgados. Desta forma, por meio desta nota a Corregedoria-Geral esclarece que, os dados apresentados pela reportagem não condizem com os fatos reais.
Ressalta que houve disponibilização de uma lista de cartórios devedores, entretanto dos 58 nomes apontados, 19 estão em trâmite de verificação, portanto, não há como afirmar se há ou não dívidas, enquanto outros 21 apontados, não constam sequer débitos.
O corregedor-geral da Justiça, desembargador José Zuquim Nogueira esclarece que as gestões anteriores apontadas pela matéria foram essenciais ao trabalho de fiscalização da atividade extrajudicial sendo dada continuidade pela atual gestão. “Trata-se de trabalho constante, realizado por todas as gestões que nos antecederam. Essenciais para a segurança jurídica e resguardo da sociedade. Há muito o Poder Judiciário atua em gestão de continuidade naquilo que vem dando certo e eventuais ações de cobrança são resultados de todas as outras gestões que nos antecederam”, pontuou o corregedor.
A Corregedoria-Geral da Justiça vem a público expressar a total confiança na lisura e seriedade do trabalho desempenhado pelos interinos e titulares de serventias extrajudiciais do Estado de Mato Grosso.
A Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso (Anoreg-MT),que representa os cartórios, também foi questionada pelo Midiajur, mas preferiu não se posicionar, informando desconhecer os processos e afirmando que a Corregedoria deveria ser contatada sobre o assunto. O espaço segue aberto.
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