MIKHAIL FAVALESSA
Da Redação
A deputada federal e coronel da reserva da Polícia Militar Rubia Fernanda Diniz Robson Santos de Siqueira, conhecida como "Coronel Fernanda", é citada em um caso de invasão de terras no município de Feliz Natal (a 512 km de Cuiabá), de acordo com o inquérito obtido com exclusividade pelo Midiajur. A defesa de um dos envolvidos no caso afirma que Fernanda teria ameaçado seu cliente.
Durante uma ocorrência, que teve a prisão de três supostos grileiros, em 15 de janeiro deste ano, Fernanda teria "batido no peito" e dito que as terras eram dela, segundo depoimento de pessoas que estavam no local.
O inquérito sobre a invasão teve início com a prisão dos supostos grileiros na região. Foram detidos na ocasião Vilson Franco de Lacerda, Valdo Ramos Silva e Gleison Rodrigues Viana, ligados a uma empresa de segurança armada contratada para atuar na fazenda. Os três relataram à polícia e ao juiz Walter Tomaz da Costa a presença da deputada na situação.
Segundo a assessoria de imprensa da deputada, a coronel da PM foi ao local enquanto advogada, devidamente registrada na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para defender clientes. A assessoria não respondeu ao ser questionada sobre quem eram os clientes de Fernanda.
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Conforme apurado pela reportagem, não há qualquer fazenda em nome da deputada no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que reúne os registros de propriedades rurais.
A deputada é autora do Projeto de Lei nº 1052/2023, que penaliza invasões de terra com a suspensão ou impedimento de acesso a programas da Reforma Agrária. Em discursos e nas redes sociais, a parlamentar tem criticado o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) por "praticar crimes contra o patrimônio" em uma "onda de ocupações deste ano".
Entenda o caso
A disputa gira em torno das fazendas Vale Verde I e II, em Feliz Natal. A área estaria registrada em nome de Florisbela Gomes e o marido dela, Sebastião Goés, seria o responsável por cuidar da propriedade. É ele quem alega ter sido ameaçada pela deputada.
Reprodução
Trecho da decisão do juiz cita que Coronel Fernanda e o marido estavam à paisana no local da abordagem
Sebastião teria contratado a PQD Segurança, da qual Vilson Franco de Lacerda, um dos presos em janeiro, é dono. Os demais presos são funcionários da empresa de Vilson, que teria sido contratada para proteger a fazenda de invasões. A empresa operava sem licença para segurança armada.
Um homem identificado apenas como "Jeová" teria ameaçado invadir a Vale Verde I e II. Acionada para um suposto caso de "esbulho possessório", a Polícia Militar foi até a fazenda.
Os três homens presos, funcionários da PQD Segurança, afirmam que "no local da abordagem da Polícia Militar havia dois Coroneis da PM a paisana". Segundo eles, "no momento da confecção da ocorrência se fez presente no local uma mulher que se identificou como Coronel Fernanda, que seria inclusive Deputada Federal, que seria esposa de um dos coronéis que estava à paisana no momento da abordagem".
Fernanda é casada com Wanderson Nunes de Siqueira, recém promovido a coronel da PM. Segundo os suspeitos, "a tal mulher", Fernanda "chegou no local batendo no peito dizendo que ela era a dona da terra em questão". O fato teria causado "estranheza em todos ali no local".
Segundo a decisão que homologou o flagrante e liberou os presos, ao menos três grupos disputam a área. O grupo de Sebastião e dos homens presos, um grupo formado por Benilso Gomes, Enildo Campos e Jurandir Gomes, que foi quem chamou a PM no dia, e ainda o "grupo de Jeová e sua famosa turma que teria sido combatida a manu militare pelo primeiro grupo, com a queima de trator, apreensão de armas etc", diz trecho da decisão do juiz Walter Tomaz da Costa, da Comarca de Feliz Natal.
A reportagem questionou a assessoria de Coronel Fernanda para qual dos três grupos ela afirma trabalhar como advogada, mas nenhuma resposta foi enviada sobre isso.
Ameaças contra envolvido
Em uma manifestação de 20 de janeiro, o advogado Paulo Roberto Rondon da Silva, que defende os três suspeitos detidos, pediu que a deputada fosse ouvida pela Justiça. Segundo o advogado, a deputada ameaçou seu cliente, Sebastião Goes. O advogado também pediu que o marido da deputada deveria ser interrogado.
Paulo Roberto destaca que os dois coronéis, Fernanda e Wanderson, estavam a paisana, e teriam atuado na ocorrência junto com a PM.
"Em momento algum nos depoimentos dos policiais militares ficou constado a participação desses dois oficiais, Coronel Fernanda e o também oficial militar Wanderson Nunes, seu esposo, porém foi relatado pelos acusados que a atuação foi comandada por esses dois oficiais, o que estranhamente estavam a paisana e fora totalmente de sua competência", aponta.
Ao questionar a Polícia Civil, o advogado relata que investigadores e escrivãos não souberam informar o motivo da presença de Coronel Fernanda, que depois foi à delegacia falar com o delegado "Dr. Bruno".
"Tal menção a esse fato Excelência se faz necessário diante a estranheza da presença desses dois oficiais e pela inversão dos fatos, os fatos narrados em boletim de ocorrência foram invertidos da realidade fática, a real proprietária das terras passou na linguagem exercida no boletim de ocorrência, de proprietária para grileira de terras, ou seja, todo esse teatro de inverdades fáticas apresentado na prisão dos acusados tem algum de patente alta com grande interesse por trás disso", conjectura o advogado.
Para o juiz Walter Tomaz da Costa, há uma "disputa generalizada" por terras na região, e o "fato de haver a existência de um grupo de supostos grileiros com interesse nas terras e de herdeiros que pleiteiam a partilha da propriedade pode indicar que o direito penal esteja funcionando como um plus instrumental de guarida a interesses patrimoniais, legítimos ou não, que só ao final é possível concluir". "Só o tempo dirá" qual é a verdade, afirma o magistrado.
"Ainda, como reforço aos indícios de que há outros possíveis atores nos bastidores da história, Gleison, Valdo e Vilson relataram sobre uma suposta presença de dois Coronéis da polícia militar à paisana durante os fatos, além da participação de uma tal de Coronel Fernanda, que seria esposa de um dos coronéis, também descrita como deputada federal, tendo essa pessoa alegadamente reclamado a propriedade das terras", diz trecho da decisão.
O juiz pondera que não foi informado se a identidade das pessoas citadas foi devidamente apurada, como determinado por ele na audiência de custódia, "uma vez que não constam nos autos quaisquer qualificações ou declarações de depoentes com as tais características, se fato estavam na cena dos fatos e com qual fito".
Outro lado
Ao Midiajur, a assessoria da deputada informou que "a Coronel é advogada e estava atuando para os seus clientes, onde os criminosos haviam ameaçado de morte os clientes. A advogada procurou primeiramente a Policial Civil onde foi registrado vários boletins de ocorrência, posterior a PM , que ao se deslocar na região constatou várias pessoas fortemente armadas".
Segundo a assessoria, "as pessoas confundem muito a situação da Coronel, esquecem que ela é advogada devidamente registrada na OAB", e que "por ser conhecida, os criminosos tentaram usar a imagem de coronel para descaraterizar os fatos, mas foi esclarecido em Juízo".
Veja a nota enviada pela deputada:
A deputada federal Coronel Fernanda esclarece que atua como advogada registrada na OAB, desde 2020, portanto, exercendo a função desde que passou a integrar a reserva da Polícia Militar.
Em janeiro de 2023, foi contratada como advogada pelos proprietários da área citada, e a pedido dos clientes, foi ao local para constatar a ameaça de morte e queima da propriedade feita pelos acusados.
Confirmada a ameaça foram registrados boletins de ocorrência contra os acusados nas Polícias Civil e Militar de Feliz Natal. Na sequência foi deflagrada uma operação policial que resultou na prisão, em flagrante, dos acusados.
Inclusive, a denúncia foi feita pela quadrilha, formada por homens presos com armas de grosso calibre e com mais de 2 mil munições. Todos com diversas passagens pela polícia. Porém, a acusação contra a parlamentar não condiz com a realidade.
E mais, em virtude de ser uma pessoa pública, o nome precede a pessoa, apesar de se apresentar como advogada, é reconhecida, muitas vezes, como a Coronel e deputada.
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Vinicius Vivas 06/05/2023
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