LETICIA PEREIRA
Da Redação
Mato Grosso foi o quarto estado com maior taxa de estupros do país em 2023. Os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que a quantidade de crimes registrados aumentou 12,4% em relação a 2022, com uma média de 7 vítimas por dia.
Ainda que o índice seja alto, a professora Nealla Machado, especialista em gênero e comunicação, esclarece que o número de casos reais pode ser ainda maior. Segundo ela, muitas vítimas têm medo e vergonha de denunciar o que gera uma subnotificação dos crimes.
“A gente sabe que muitas mulheres sofrem estupro e não denunciam, não falam para ninguém. Muitas não querem desonrar as famílias e se calam por causa do tabu”, disse.
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A estudiosa esclareceu que, diferente do imaginário popular, a maioria dos casos de estupro são praticados por pessoas próximas. “A gente pensa em uma mulher que está andando sozinha na rua e é atacada por um desconhecido, mas a maioria das mulheres são estupradas no ambiente familiar, dentro de casa e, normalmente, não são adultas”, explicou.
Pesquisas divulgadas em 2023 confirmam que a maioria das vítimas são mulheres na idade entre a infância e adolescência, geralmente abusadas por homens da família ou conhecidos.
Os dados do MJSP apontam que das 77.940 pessoas que sofreram estupro no Brasil, em 2023, 67.717 eram mulheres. O número equivale a 86,8% do total e exibe que as mulheres são as principais vítimas desse tipo de crime.
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado, expôs a recorrência do crime de acordo com a faixa etária das vítimas. A pesquisa relacionou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema de Informação e Agravos de Notificação (Sinan), relativos aos anos de 2009 a 2019, e descobriu que a maioria dos casos acontecem com meninas entre 13 e 16 anos de idade.
De acordo com um boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em 2023, os casos de violência sexual contra adolescentes de 10 a 19 anos foram cometidos por familiares ou pessoas próximas em 58,4% das vezes. Já contra as crianças de 0 a 9 anos, o percentual sobe para 68%. Os números também consideram outros tipos de violência sexual, como exploração e pornografia.
A delegada Jannira Campos, coordenadora de Enfrentamento à Violência Contra Mulher e Vulneráveis da Polícia Civil, confirma que os autores dos crimes são, na maioria das vezes, homens da família ou conhecidos das vítimas, o que dificulta as denúncias por causa de aspectos culturais. “É uma relação, sim, de poder, porque é o homem o principal abusador. É o homem pai, é o homem avô, é o homem padrasto, é o homem primo, é o homem tio, é o vizinho”, elencou.
Para além da relação familiar, outro fator que as duas especialistas observam que desmotiva as vítimas a denunciarem é o julgamento social e a posição acusadora de quem deveria defendê-las. Ambas citaram o caso da modelo Mariana Ferrer, que teria sido violada pelo empresário André de Camargo Aranha e que foi humilhada durante depoimento no julgamento do acusado.
“Esse 'boom' de denúncias significa o que? Que estão acontecendo mais crimes? Não, eles sempre aconteceram, a diferença é que hoje estão denunciando, saindo do anonimato e promovendo a quebra do silêncio”, argumentou.
“A forma como o advogado a tratou, as perguntas que ele fez, a omissão do magistrado em não ter interferido, toda essa forma de conduzir um inquérito também desestimula a mulher a denunciar”, explicou Jannira.
O constrangimento de Ferrer motivou a criação da Lei 14.245, que prevê punição para quem atenta contra a dignidade de vítimas de violência sexual e de testemunhas durante julgamentos.
A delegada argumentou que essa e outras leis criadas no Brasil para promover a segurança e dignidade da mulher significam um progresso social e que o alto número de ocorrências apresentado pelo MJSP representa um avanço na quantidade de denúncias em Mato Grosso e não é, necessariamente, negativo.
“Esse 'boom' de denúncias significa o que? Que estão acontecendo mais crimes? Não, eles sempre aconteceram, a diferença é que hoje estão denunciando, saindo do anonimato e promovendo a quebra do silêncio”, argumentou.
A legislação que promove a punição não é a única ferramenta que pode mudar esse jogo. Para a delegada, a educação é um fator importante no processo de conscientização da sociedade sobre o respeito às mulheres e à infância.
Segundo ela, a educação sexual nas escolas, desde que bem orientada, seria uma medida eficaz para prevenir novos crimes. “A gente não quer sexualizar as crianças, o que a gente quer é conscientizar e dizer para essa criança que o seu corpo tem que ser protegido”, defendeu.
Nealla também destacou a educação como ferramenta de mudança, e sugeriu a reabilitação de condenados por estupro, como acontece com agressores condenados pela Lei Maria da Penha, para evitar que os abusadores voltem a cometer o crime depois de cumprir a pena.
“Fazer esse predador sexual entender que o que ele está fazendo é errado, que existe uma série de problemáticas em relação a isso, é o caminho”, concluiu.
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