MIKHAIL FAVALESSA
Da Redação
Com a autorização por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o plantio em fevereiro, para produção de sementes, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) espera que também haja anuência por parte do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado (Indea).
É o que releva o presidente da Aprosoja-MT, Fernando Cadore, em entrevista ao Midiajur.
Para o produtor, a questão técnica já foi devidamente analisada e a continuação da proibição ao plantio – que chegou a ser chamado de “soja pirata” pelo Ministério Público Estadual (MPE) – seria uma questão política.
Segundo Cadore, os produtores não insistiriam na questão se houve risco sanitário de incidência da ferrugem asiática que colocasse a perder o “ganha pão” de cada um.
O presidente da Aprosoja-MT ainda descartou que tenha havido participação direta da entidade nas manifestações de 7 de setembro, que tiveram apoio massivo entre os produtores rurais.
E descartou ainda que a polarização política e as falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) possam tem impacto negativo nas negociações dos produtores com parceiros comerciais, como China e Europa.
Veja os principais trechos da entrevista:
MidiaJur - A armazenagem dos grãos, principalmente da soja, tem sido um problema crônico para os produtores já há alguns anos. A Aprosoja começou uma campanha para tentar resolver isso, como tem sido feita?
Fernando Cadore - De fato, é um problema sério que nós temos no Estado... Mato Grosso só tem a metade dos armazéns daquilo que colhe. E do que tem, só 30% está com o produtor. E na medida em que a produção vai aumentando... a gente tem números que até 2030 praticamente dobram a produção no Estado... esse déficit vai ficando cada vez maior. A gente enxerga esse déficit, além de ser um problema do produtor que não tem como armazenar, quem ganha é o atravessador, a gente vê como um problema de Estado, do país, uma vez que quando o país não tem como armazenar ele perde a sua soberania. Se a gente tiver um problema no porto, ou por algum problema, seja ele qual for, uma interrupção da importação pelos nossos parceiros como China e Europa, a gente não tem o que fazer com o produto.
Então, nesse sentido, a gente busca a desburocratização do crédito para armazenagem. Para que ele não tenha tanta burocracia, que seja nos moldes do que hoje é para as máquinas agrícolas. Que tenha crédito e que seja uma política de longo prazo, a gente sabe que não vai resolver um problema de infraestrutura, que é a armazenagem, em dois ou três anos. A gente lança uma semente e espera que, lá em 2030, quando essa produção aumentar, a gente tenha dado alguns passos na direção de resolver o problema. Então, é um problema do produtor, mas mais do que isso, é um problema da sociedade e do Estado também. A gente tem buscado em conversas com o Governo Federal, é um problema do Governo Federal, essas políticas públicas... o Ministério da Agricultura, com a ministra (Tereza Cristina), o Ministério da Infraestrutura, os bancos, e do outro lado temos incentivado o produtor também a buscar isso. Porém, ultimamente a gente tem visto um aumento exacerbado dos custos de implementação dessas estruturas.
A gente também tem feito parcerias com empresas que moldam esse crédito para o produtor, que vão lá e ajudam no cadastro... a gente tem muitos produtores pequenos, Mato Grosso tem 4 mil produtores até 500 hectares, e esses produtores têm dificuldade até de organização da porteira para dentro, no sentido fiscal, financeiro e tudo o mais. Ele está lá trabalhando, a esposa está na cozinha e o filho ajudando, ele não tem uma organização documental que os bancos exigem. Então, a entidade entra nessa parte de auxílio e de incentivo, tanto na esfera federal de crédito, e também que o produtor procure isso.
MidiaJur - Um dos problemas enfrentados pelos produtores é a questão da garantia. De modo geral, os bancos pedem que a propriedade seja colocada no negócio. A Aprosoja está atuando nisso especificamente também?
Fernando Cadore - Hoje, a gente tem uma garantia exacerbada na questão da armazenagem. Se pede 150%, e quando se avalia uma proriedade não se avalia o valor venal, então acaba ficando o dobro, o triplo de garantia. E essa garantia impede o produtor de buscar crédito para outras coisas... para o financiamento da safra e tudo o mais. Nas máquinas a gente vê uma modelagem diferente, quando você pega o valor 'x' para a máquina e pega o mesmo valor para armazenagem, é muito mais difícil você captar para armazém do que para a máquina. E a gente sabe que na máquina vai sem garantia real, o próprio bem serve de garantia, com aval ou alguma coisa nesse sentido. A gente tem buscado mostrar e conscientizar, o dinheiro é o mesmo, não tem porque ter essa burocratização, a gente não vê distinção entre um real para armazém e outro para máquina, o que a gente vê é uma política que foi moldada e não atende à base, à ponta, que é o produtor. A gente precisa mudar isso. Começamos a dar um passo e espero que, ao longo do tempo, a gente consiga melhorar.
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MidiaJur - O AgroSolidário é um projeto que vem de anos anteriores, mas a atual gestão tem expandido as ações, inclusive com parcerias em Brasília. O que tem sido feito?
Fernando Cadore - O AgroSolidário existe há algum tempo, mais de 10 anos, e o que a gente tem feito é, na linguagem comum, 'dar um gás' nele. É mostrar para a sociedade o que a entidade faz há muito tempo e ela não conhece. Ele consiste basicamente em mostrar a soja através da bebida de soja, distribuída em mais de 80 entidades no Estado, há mais de 10 anos, os produtores investem bastante nisso. E o que a gente tem feito é dar publicidade a isso. Às vezes a pessoa que recebe lá não sabe de onde vem, não sabe o que representa a soja na cadeia alimentar, não sabe o que representa dentro da economia do Estado, e é papel nosso mostrar isso, tanto para quem recebe quanto para o restante da sociedade. A gente tem ampliado o programa, temos parceria nova recentemente com o Governo Federal, através da primeira-dama, Michele Bolsonaro, que nos acolheu, e da última vez que estive com ela ficou muito grata, porque onde foi colocado o AgroSolidário com a bebida de soja se vê um resultado muito eficiente. Então, a gente atende duas entidades em Brasília através desse programa dela, e é uma forma a gente ajudar e também mostrar um pouco o trabalho dos produtores, esse lado social que a classe tem e faz há muito tempo pelas pessoas no nosso Estado e no país todo.
MidiaJur - E, falando em Brasília, temos em pauta reformas que devem atingir o setor, como a tributária e a administrativa. Como o senhor tem acompanhado isso?
Fernando Cadore - A gente tem acompanhado não só essas como todas as pautas inerentes ao setor, a regularização fundiária que é uma delas, tem tantos produtores e assentamentos que precisam da regularização, licenciamento ambiental, a questão indígena.
Existe uma confusão muito grande, 'ah, o produtor não apoia a reforma tributária, apoia a reforma administrativa', e a base desse pensamento é muito simples. A gente entende que para você estruturar uma tributação, seja no município, no Estado, no país, você precisa saber qual é o seu gasto, não tem como você gastar mais do que ganha. Quando a gente faz isso na nossa casa, na nossa família, não dá certo. A gente vai ter que tirar regalias dentro de casa, vai ter que deixar de fazer uma viagem, tirar um supérfluo, deixar de trocar um carro, porque se não o salário não dá e ele não tem de onde tirar dinheiro. Ninguém vai sair e roubar ou assaltar para recompor a renda. E é isso que a gente espera do Estado, que ele tenha essa responsabilidade e gaste menos do que arrecada. O nosso problema não é e nunca foi tributação. Nosso Estado é um exemplo, cresceu na pandemia a 4%, 5% ao ano. Se fosse arrecadação o problema a gente não estaria passando alguns problemas que temos na saúde, na infraestrutura e tudo o mais. O problema é, sim, gestão, e ela passa pela reforma administrativa. Precisamos colocar a casa em dia, saber, de fato, o tamanho do Estado, para aí sim dimensionar a questão dos tributos. A partir do momento em que a gente sabe qual o nosso custo, a gente tem uma clareza maior para saber o quanto precisamos arrecadar. E aí não é só no setor produtivo, todos estão envoltos aí. O trabalhador, o comerciante, o autônomo, quem trabalha com turismo, todos são passíveis de tributação na energia, nos combustíveis, no consumo de maneira geral.
MidiaJur - Outra discussão que vem se arrastando nos últimos anos é a do plantio das sementes. Houve disputa judicial, inclusive. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) autorizou esse plantio em fevereiro. Para a Aprosoja, essa é uma questão já resolvida?
Fernando Cadore - Sob o prisma do Governo Federal, sim. A gente espera que o Governo Estadual se comprometa também. A gente teve conversas com o Governo, o próprio governador nos assegurou que vai atender ao pleito dos produtores. Se fez muita confusão nesse tema por questões econômicas. Como você falou, não é um pleito da entidade. Existiu o último presidente que esteve à frente, hoje eu estou lá, e na semana passada fizemos uma reunião com os 40 municípios da base, que dá praticamente o Estado todo quando se fala de soja e milho, e foi unânime o desejo do produtor de abrir essa janela de plantio para sementes. Sem entrar no vazio sanitário, sem fazer soja sobre soja. Se fez uma confusão, se criou uma narrativa em torno disso que atende alguns setores que não são o principal que deve ser ouvido nessa questão. A gente já tem todo embasamento técnico e científico em cima disso, a discussão já passou do campo técnico e, hoje, está no campo político. Eu resumo essa questão da seguinte forma: se o Estado não concretizar e não fizer a normativa como o Ministério da Agricultura fez, ele vai estar atendendo qualquer outro setor que não seja o setor produtivo primário, que são nossos mais de 7,5 mil produtores. Isso é fato. A gente rompeu a parte técnica, tanto é que o ministério fez o que fez. O MAPA jamais iria soltar uma normativa se não tivesse embasado tecnicamente, para o país inteiro... então, acredito que se o Estado mantiver, não é uma discussão técnica, ela foge e vai para o político, vai atender a todos, menos o produtor de soja e milho do Estado de Mato Grosso.
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Fernando Cadore minimizou falas do presidente Jair Bolsonaro
MidiaJur - Favoreceria os interesses das grandes produtoras de semente?
Fernando Cadore - Aí fica na entrelinha. Não vai atender aos produtores de soja. Então, a quem vai atender, quem tem que nos dizer é o Estado, a gente não vai entrar nesse mérito. O que importa para nós é que atenda à base. Eu, o presidente que me antecedeu... o próprio secretário César Miranda esteve conosco na reunião, o Indea também, e ele pôde ver com os próprios olhos qual é o desejo do produtor de soja. Não é o presidente falando. Estou lá como presidente por um tempo, mas sou simplesmente o porta-voz do que os produtores querem. Eu finalizo esse tema dizendo o seguinte: quem seria louco de colocar seu maior ganha pão em risco, se o produtor não tivesse a total confiança de que é seguro? O produtor vive da cultura da soja, as famílias, a economia. Será que o setor iria colocar em risco a parte financeira dele se tivesse, de fato, risco sanitário como alegam? Então, a gente sabe que isso não está cercado de técnica, está cercado, sim, de política e de interesses.
MidiaJur - A entidade acabou ficando no centro das manifestações de 7 de setembro. Como o senhor vê a Aprosoja em meio a essa polarização política? Há um “racha” entre produtores que apoiaram essas manifestações e outros que não?
Fernando Cadore - A gente vê com muita tranquilidade isso porque a entidade não é política. Também houve uma confusão nisso. O fato é que os produtores se mobilizaram e se manifestaram voluntariamente. A entidade tem como papel, pelo menos, dar um suporte para os produtores ou para quem ela representa, se é vontade dele fazer o que fez, que foi a mobilização. A entidade não financiou, não participou, não se pronunciou. A Aprosoja Mato Grosso em nenhum momento se pronunciou a respeito. Nossos produtores foram, de todas as cidades do Estado, voluntariamente. Então, vejo com muita tranquilidade. É uma manifestação particular de cada cidadão em prol daquilo em que ele acredita. Seja pelo presidente atual... a gente respeita qualquer outro tipo de manifestação, seja de quem for. Acho que é a democracia, é o país que a gente vive.
Quanto à polarização dentro da entidade, isso não existe. Como que funciona? A maioria decide os rumos que a entidade vai tomar. E, para nós, qualquer produtor tem o mesmo peso. Não importa se ele planta um hectar, 100 hectares, 1 mil hectares ou 100 mil hectares. As políticas que a entidade tem que levar são a da maioria. E quem não se sentir representado dentro desse processo tem todo direito de ir na assembleia, opinar e tentar colocar a sua ideia. Se a ideia não for aprovada, a democracia tem que imperar novamente e há de se aceitar o que a maioria coloca. Esse é o papel institucional, e esse é o papel que eu, como presidente, ou qualquer um que venha, tem que fazer. Tem uma confusão muito grande, porque às vezes uma pessoa ou outra quer impor uma opinião em cima de uma maioria, e isso não funciona e nunca vai funcionar. Na entidade, não. Isso que é bom esclarecer. A entidade é demorática, qualquer produtor pode ir lá e colocar uma ideia, uma posição, e cabe à maioria analisar, avalizar, e esse é o rumo que a entidade vai tomar.
Não vejo dessa forma porque a exportação é uma parceria comercial. Está muito maduro isso tudo. A gente sabe os nossos parceiros, como China, Europa, e todos os outros, e a parte política está abaixo dessa questão comercial consolidada há muito tempo
MidiaJur - O momento político conturbado, e especialmente as declarações do presidente Jair Bolsonaro têm atrapalhado o ambiente de negócios para o setor, em especial as exportações?
Fernando Cadore - Não vejo dessa forma porque a exportação é uma parceria comercial. Está muito maduro isso tudo. A gente sabe os nossos parceiros, como China, Europa, e todos os outros, e a parte política está abaixo dessa questão comercial consolidada há muito tempo. O que se viu foi uma manifestação voluntária que teve ali. Obviamente que pronunciamentos de governos, sejam eles quais forem, podem dar alguma mudança naquele momento, no cenário e no contexto, porque a gente vive uma polarização no país, que não é bom para ninguém, mas é o que está acontecendo. Não pode se misturar a questão econômica e financeira, e até da própria exportação, com a questão e o cenário político atual. Governos entram, passam, o setor apoia ou não, é uma questão da classe, mas as relações comerciais estão consolidadas e estão além de tudo isso.
MidiaJur - O senhor citou, anteriormente, a questão ambiental, e existe um projeto de flexibilização do licenciamento no Congresso Nacional. Isso pode destravar projetos como a Ferrogrão e outros. Como o senhor vê a necessidade dessas mudanças na lei?
Fernando Cadore - É muito importante o licenciamento porque além de liberar partes essenciais como a Ferrogrão, ele tira da ilegalidade muitos produtores. Tanto licenciamento ambiental quanto a regularização fundiária dão ao a oportunidade de o produtor que não está regularizado que se regularize. Eles saem do anonimato e começam a ter uma identidade para financiar, ir atrás de um crédito, para abrir ou recompor as suas áreas. Vamos supor, o cara tem um passivo ambiental, se ele não tem uma regularização não consegue nem recompor aquilo, ele fica à margem da lei. É muito importante que a sociedade entenda que o licenciamento e a regularização fundiária compõem o processo de legalização dentro das propriedades e colocam no mercado pequenos produtores, assentados que às vezes estão à espera do seu título, o licenciamento ambiental também não deixa andar, e eles passam a competir no mercado de igual para igual com outros produtores. Nós vemos todos os produtores da mesma maneira. O produtor que está lá no assentamento, que planta 30 hectares, 50 hectares, 100 hectares, a história de Mato Grosso mostra que ele pode ser um produtor de 1 mil, 2 mil, 3 mil hectares, e não tem limite daqui a muito tempo. Então, quando a gente pensa que essas legislações podem dar esperança para um pequeno produtor, ou para quem for, para ter um futuro, deixar o filho no negócio, porque o que a gente vê no resto do país é um êxodo urbano... e na medida em que as propriedades não vão tendo estímulo o produtor vai ficando sozinho no campo, a gente enxerga que é uma maneira de consolidar nosso Estado, de deixar cada vez mais bem visto da forma da sustentabilidade, que é a produção consciente, respeitando as legislações, o licenciamento passa por isso. A gente tem visto, e essa polarização é ruim para o país, é que as narrativas envoltas nisso acabam atrapalhando. Muitas vezes a população que não conhece acaba comprando um outro lado que não é o que de fato acontece.
MidiaJur - Essas narrativas que o senhor cita... Os críticos falam que flexibilizar o licenciamento pode fazer com que se avance para áreas que, hoje, estão preservadas. Não há esse risco?
Fernando Cadore - Muito pelo contrário. O licenciamento ajuda aquela pessoa a se regularizar, que já está consolidado. Em nada fere o Código Florestal. O que rege a nossa política ambiental é o nosso código, e é consolidado. Dependendo do bioma em que se encontra a propriedade ele vai ter a possibilidade de avançar ou não na conversão de área, mas não é esse o ponto. Hoje nosso Estado consegue dobrar a área de produção sem avançar em áreas de conversão. Avançando nas pastagens degradadas. E quando a gente pensa em conversão, a gente cai no campo do direito do cidadão. Se o cidadão, dentro da lei, pode converter uma área que o Estado permite, que a lei permite, é um direito que ele tem, e ele vai decidir se vai ou não usar aquilo.
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