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ESPECIAL Domingo, 01 de Agosto de 2021, 08:00 - A | A

01 de Agosto de 2021, 08h:00 - A | A

ESPECIAL / ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

“Não há mais como sustentar uma máquina estatal ineficiente”, diz procurador

Para o procurador Daniel Barion, é preciso enxugar o Estado e torná-lo mais eficaz e eficiente

DA REDAÇÃO



O Direito Administrativo passa por fundamentais transformações em sua base legal.

Reformas como a já promovidas no Código de Processo Civil (2015), na Lei de Licitações, e as que estão sendo debatidas como na Lei de Improbidade e a Reforma Administrativa, estão pontuando temas como celeridade, desburocratização, punitivismo e a ineficiência da máquina estatal.

Para o procurador do município de Cuiabá, Daniel Zampieri Barion, desburocratizar a administração pública, enxugar o Estado, torná-lo mais eficaz, eficiente e efetivo, são preponderantes para que os serviços públicos sejam entregues mais baratos e melhores à sociedade.

De forma colaborativa, Barion participa do Livro “Temas Essenciais de Direito Público em Mato Grosso”, organizado pelo procurador do Estado Leonardo Vieira de Souza e prefaciado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em sua abordagem no livro, Barion trata sobre a atuação dos Tribunais de Contas sobre a solução consensual de conflitos envolvendo a administração pública, uma perspectiva diretamente relacionada às mudanças que o Direito Público, e consequentemente, o Direito Administrativos vem passando no Brasil, e que são temas dessa entrevista.

Em entrevista ao MidiaJur, o procurador também afirma que o Judiciário não consegue resolver todos os problemas da sociedade, apesar de a imensa maioria dos servidores do Judiciário ser muito capacitada.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

MidiaJur - A solução de conflitos de forma consensual ganhou força com o Novo Código de Processo Civil (2015). Como tem sido essa prática na administração pública?

Daniel Barion - De fato, o novo CPC tem dado mais atenção à solução de conflitos de forma consensual. O legislador se rendeu à realidade: o Judiciário não consegue resolver todos os problemas da sociedade, apesar de a imensa maioria dos servidores do Judiciário ser muito capacitada. O ordenamento jurídico brasileiro contempla vários direitos e atribui ao Estado a obrigação de satisfazê-los. Contudo, não há estrutura adequada para tanto e, por consequência, as reivindicações são direcionadas ao Poder Judiciário, que ficou sobrecarregado por conta dessa demanda e não é capaz de resolver os conflitos em tempo razoável nem de forma adequada. Portanto, é absolutamente necessário utilizar outros meios de solução dos conflitos. Infelizmente, ainda são tímidas as soluções consensuais no âmbito da Administração Pública em Cuiabá e Mato Grosso. É preciso fortalecer essa cultura de negociação e capacitar os operadores do Direito para por em prática as alternativas à solução tradicional (judicial). É muito mais rápido e barato resolver os problemas comuns e repetitivos de forma consensual do que pela via do Judiciário.

MidiaJur - O senhor escreve na Obra Temas Essenciais de Direito Público em Mato Grosso, sobre a atuação dos Tribunais de Contas na solução de conflitos. Como tem sido isso? Quais tem sido os resultados positivos do órgão nessas questões?

Daniel Barion - O Tribunal de Contas é um dos órgãos de controle externo de excelência em Mato Grosso. A estrutura de trabalho é de primeiro mundo, os servidores extremamente capacitados e inovadores. Antes de assumir o cargo de Procurador do Município, tive a oportunidade de trabalhar lá por alguns anos e falo por experiência. O problema é que não há, ainda, a necessária aplicação de soluções negociadas na esfera da Administração Pública em quantidade suficiente. Consequentemente, o Tribunal de Contas não pode atuar mais fortemente neste aspecto porque não tem tantos casos para julgar, se compararmos com hipóteses em que a solução não é consensual. Mas tenho convicção de que à medida em que as soluções acordadas passarem a ser utilizadas pelos entes públicos o TCE será um grande aliado do gestor público e contribuirá para o aprimoramento dessa metodologia.

Divulgação

Daniel Barion

Barion: O Judiciário não consegue resolver todos os problemas da sociedade, apesar de a imensa maioria dos servidores do Judiciário ser muito capacitada

MidiaJur - Dentro da seara de resolução de conflitos da administração pública, a recuperação fiscal é uma forma de autocomposição já consagrada. Como tem sido essa realidade no Município de Cuiabá? A pandemia de alguma forma impactou na arrecadação dos tributos? Como a PGM tem feito para contornar esse desafio?

Daniel Barion - A pandemia representou um desafio enorme para a Administração Pública e exigiu do gestor público implementação de soluções criativas para enfrentar esse problema; a famosa “saída da caixinha”. Neste ponto, a Procuradoria do Município se mostrou extremamente eficiente e adotou medidas que compensaram a redução da arrecadação. Antes da pandemia, as negociações eram feitas pessoalmente, exigindo que o contribuinte fosse à repartição pública para resolver o seu problema (fazer o acordo). Atualmente, é possível fazer os acordos de forma virtual, on line (site, whatsapp, email e por telefone). Neste caso, uniram-se conciliação e tecnologia em benefício da gestão pública e, reflexamente, da população.

MidiaJur - Quanto ao Direito Público, o Brasil passa por algumas discussões importantes em nível de Congresso Nacional. É o caso da reforma que se pretende na Lei de Improbidade. Na sua avaliação, como alterações que estão sendo propostas, entre as quais os prazos prescricionais e de sanções e declínio da forma culposa de imputação do crime, devem influenciar na administração pública? Será um marco positivo?

Daniel Barion - Esse é um tema bastante complexo. Essencialmente, há duas linhas centrais de argumentos que estão sendo debatidos. De um lado, há quem tema o enfraquecimento do combate à corrupção – na minha opinião, uma das maiores chagas da sociedade brasileira. De outro lado, quem milita neste campo e estuda a lei de improbidade sabe que há alguns dispositivos que são muito genéricos e, de fato, geram muita insegurança para os gestores, inibindo pessoas bem intencionadas de aceitarem cargos públicos com medo de serem responsabilizadas, por exemplo, por violar um princípio de conteúdo bem amplo, como o da moralidade. É muito simplista dizer que “quem não deve não teme” e se quem não fizer nada de errado não tem com que se preocupar, justamente em razão da alta abstração de algumas regras da atual lei de improbidade. Parece-me que o problema é o radicalismo, a polarização. Tenho a impressão de que o debate está caminhando para dois extremos: ou se flexibiliza demais ou se mantém o rigor excessivo da atual lei. Na minha opinião, a lei deve sim ser reformulada, porém é necessário encontrar um ponto de equilíbrio, um meio termo.

Divulgação

Daniel Barion 2

Barion: A nova lei de licitações, realmente, trouxe novidades interessantes. Obviamente, há pontos positivos e negativos no novo diploma legal

MidiaJur - Outra reforma recente é a na Lei de Licitações, que teve como principal eixo a modernização e o uso das novas tecnologias para aprimorar esse processo. Na sua avaliação, a nova lei de licitações deve produzir mais agilidade de fato? Quais pontos positivos o senhor destaca?

Daniel Barion - A nova lei de licitações, realmente, trouxe novidades interessantes. Obviamente, há pontos positivos e negativos no novo diploma legal. Um dos principais pontos positivos da nova lei é a consagração do princípio do planejamento. Apesar de não ser um princípio novo, tampouco que surgiu com a nova lei, não há como negar o mérito do legislador em realçá-lo. Outro aspecto a ser aplaudido é a preocupação do legislador com a eficiência e efetividade das contratações públicas. Também merece destaque a simplificação dos procedimentos e a segregação de funções. Sob a minha ótica, há mais pontos favoráveis do que desfavoráveis.

MidiaJur - Por fim, todos os temas abordados acima, trazem em sua essência uma perspectiva de mais agilidade, eficiência e redução das margens para o desperdício e desvio do dinheiro público. Podemos dizer que o Direito Público se encontra em um novo momento? O que podemos esperar como resultado positivo dessas modernizações legislativas?

Daniel Barion - Com certeza, estamos passando por uma mudança profunda no Direito Público, e, naturalmente, do Direito Administrativo. A doutrina moderna aponta as seguintes tendências do Direito Administrativo: a) Constitucionalização e uma releitura do princípio da juridicidade (ao invés de só fazer o que a lei autoriza, o administrador poderia atuar com maior liberdade para atender ao interesse público quando não houver lei); b) Relativização de formalidades e ênfase no resultado; c) Elasticidade do Direito Administrativo; d) Consensualidade e participação; e) Processualização e contratualização da atividade administrativa. A legislação precisa ter essas ideias como guia e, na minha opinião, a produção de leis no Brasil deve ter um objetivo claro: desburocratizar a Administração Pública, enxugar o Estado; torná-lo mais eficaz, eficiente e efetivo; mais célere; que entregue serviços públicos mais baratos e melhores à sociedade. A nossa sociedade passa por um momento peculiar e, em relação à Administração Pública, a principal questão é definir o papel do Estado, na minha opinião. Não há mais como sustentar uma máquina estatal como a que temos há muitos e muitos anos: de um modo geral, ineficaz e ineficiente; burocrática e prestadora de serviços ruins. Portanto, o principal resultado positivo dessas normas será a modernização do Estado.

MidiaJur - Nesse contexto, a reforma administrativa, outro assunto em destaque, pode contribuir para essa modernização? Qual é a sua opinião sobre esse assunto?

Daniel Barion - A reforma administrativa é essencial. Sou absolutamente a favor dela. Contudo, preocupa-me o viés de penalizar o servidor público, como se ele fosse o único e principal responsável pelo Estado ineficiente que temos. Não ignoro que há muitas coisas que precisam ser melhoradas ao quadro de pessoal dos entes e órgãos públicos, mas a solução não é enfraquecê-lo. Pelo contrário, é imprescindível ter pessoas qualificadas e motivadas para atender a população. Certamente, os exageros e excessos devem ser evitados, mas não podemos demonizar os servidores públicos. A propósito, a nossa Constituição já prevê formas de perda do cargo por insuficiência de desempenho. Não é necessária uma reforma para tratar disso.    

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