DO G1
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a prisão de condenado em segunda instância, mesmo cabendo recursos aos tribunais superiores, não se aplica automaticamente. Porém, pode gerar pedidos de prisão imediata de réus que aguardam o julgamento de seus recursos em liberdade em todo o país, segundo advogados ouvidos pelo G1.
O STF decidiu nesta quinta-feira (17) mudar sua jurisprudência sobre a prisão para o cumprimento da pena, autorizando que ela ocorra antes do trânsito em julgado da condenação – quando não há mais possibilidade de recursos.
Para a maioria dos ministros, 7 votos a 4, se o acusado é condenado em primeira instância (um juiz) e segunda (um órgão colegiado, como Tribunal de Justiça), a presunção de inocência já não impede sua prisão.
Os recursos ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) seriam meramente para atrasar o cumprimento de pena.
Segundo o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a decisão do STF foi tomada em um caso específico e, por isso, não pode ser aplicada automaticamente a todos os outros em andamento. Porém, os demais recursos também deverão ter esse entendimento, o que pode ocasionar uma corrida à Corte.
“O Ministério Público, a partir de agora, pode pedir a prisão de qualquer um que seja condenado em segunda instância recorrendo ao STF”, afirma o advogado. “Não é que vai ser todo mundo preso amanhã, mas é quase isso.”
A mesma avaliação é feita pelo presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcos da Costa. "Eu acho que pode sim [levar já condenados em 2ª instância a cumprir pena]", afirmou.
"Esse é um grande risco, embora seja uma decisão num HC [habeas corpus], num caso concreto em que não há efeito 'erga omnes' [para todos], pode balizar pedidos do MP de prisões provisórias. E os juízes, que estão sendo pressionados pela população para a Justiça dar uma resposta rápida, podem usar isso como uma alternativa para dar essa resposta", afirma.
O Ministério Público de São Paulo reforçou nesta quinta que apoia o novo posicionamento. "A decisão do Supremo Tribunal Federal, revendo entendimento que sempre encontrou oposição às teses do Ministério Público paulista, representa mais um importante marco na luta contra a impunidade", divulgou o procurador-geral de Justiça Marcio Elias Rosa.
Prisões x impunidade
Existem dois tipos de prisão no Brasil: a que ocorre antes da condenação (temporária, preventiva e em flagrante) e a que só deveria ocorrer depois, a de execução da pena.
Não há estatísticas disponíveis sobre quantos condenados em segunda instância no país aguardam recurso em liberdade. Os tribunais superiores, porém, contabilizam milhares de habeas corpus de réus presos pedindo para recorrer em liberdade até o fim de seus processos.
Segundo raio-X da população carcerária brasileira publicado pelo G1, 38,6% dos 615.933 presos no ano passado eram provisórios – ou seja, sequer haviam sido julgados.
Os demais foram condenados, mas não há números oficiais disponíveis sobre quantos deles tiveram condenação por um colegiado ou apenas por um juiz em primeira instância.
Em um sistema carcerário que contava com 371.459 vagas disponíveis, a superlotação era de mais de 60% em 2015.
De outro lado, há casos emblemáticos como o do jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, que foi preso somente 11 anos depois de ter assassinado a jornalista Sandra Gomide, em um haras de Ibiúna, interior de São Paulo.
O último recurso foi negado pelo STF em 2011. Condenado a 16 anos de prisão, neste mês ele obteve o direito a cumprir a pena no regime aberto.
Cláusula pétrea
Para Serrano, o Supremo afrontou uma cláusula pétrea, um tema imutável da Constituição Federal, e cabe aos advogados continuarem contestando a prisão antecipada de seus clientes até que o STF reveja novamente sua posição.
“O Supremo não interpretou, ele rompeu com a Constituição. É gravíssimo. Não é mais órgão de julgamento, ele está produzindo uma nova Constituição. E se isso ocorreu na esfera penal, pode ocorrer em qualquer assunto da vida: família, dívidas etc.”, afirma.
“A situação é de extrema gravidade, não somente pelo evidente caos do sistema carcerário e pela insegurança jurídica, mas, especialmente, porque há muito a doutrina abalizada considera a garantia constitucional como cláusula pétrea que não pode ser abolida ou modificada, o que impediria o Poder Legislativo de mudar a norma criada por Assembleia Nacional Constituinte”, completa José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, presidente do Instituto dos Advogados de SP.
Enquanto advogados já falam em recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, alegando descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, juízes e promotores têm elogiado a decisão da Corte Veja aqui a repercussão.
O juiz Sergio Moro, responsável pelos processos relativos à Operação Lava Jato em Curitiba, classificou o novo entendimento do STF como o fechamento de uma das “janelas da impunidade no processo penal brasileiro”.
Ele é defensor de projeto de lei para permitir a prisão por condenações em segunda instância, afirmando que o sistema atual favorece a impunidade.
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