LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
O juiz Luis Aparecido Bortolussi Júnior, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, manteve a decisão que anulou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a empresa JBS/Friboi, o Estado e o Ministério Público Estadual.
A decisão é da última terça-feira (16). No acordo, que não foi homologado pelo magistrado, o frigorífico e seu representante, Valdir Boni, pretendiam ser retirados como partes de uma ação de improbidade após pagarem R$ 360 milhões ao Estado, em dezembro de 2015.
Do valor, R$ 261 milhões eram relativos a dívidas fiscais pendentes e outros R$ 99,2 milhões como devolução de incentivos fiscais indevidos.
No TAC anulado, era previsto que, após o pagamento, a Friboi e Valdir Boni teriam os bens e contas desbloqueados e seriam excluídos da ação, que os acusa de supostamente terem recebido R$ 73,5 milhões de incentivos fiscais do Estado, de forma ilegal.
Também ficou acordado que o representante do frigorífico teria os direitos políticos suspensos por três anos e pagaria uma multa de R$ 31 mil.
Além deles, também são réus da ação o ex-governador do Estado, Silval Barbosa (PMDB), os ex-secretários de Estado Marcel Souza de Cursi (Fazenda), Pedro Nadaf (Indústria, Comércio, Minas e Energia) e Edmilson José dos Santos (MT Par). Todos os réus tiveram os bens bloqueados em até R$ 73,5 milhões.
Acordo nulo e críticas ao MPE
Após terem o acordo anulado, em janeiro deste ano, a JBS/Friboi e Valdir Boni pediram que o juiz Luiz Bortolussi reconsiderasse a decisão, uma vez que já fizeram o pagamento
No presente caso, com postura muito diferente daquela, se empenhe em extinguir a ação em favor dos réus, [...] aparentemente aderindo a interesses secundários, político-econômicos. É de causar estranheza!
integral do dano apontado pelo Ministério Público “e dos débitos por créditos ainda não constituídos, além de outros pendentes”.
O magistrado, todavia, rebateu o argumento da empresa e de seu representante. Ele relatou que a ação de improbidade não visa apenas reparar os cofres públicos, mas também aplicar as devidas sanções legais, como multa, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público.
“A ação de improbidade administrativa [...] não é meio coativo para recebimento de dívidas de qualquer espécie; é na sua essência um instrumento de proteção e defesa da moralidade administrativa e dos mais caros princípios constitucionais; e é por isso que sobre ela ninguém pode dispor validamente”, relatou.
Segundo Luiz Bortolussi, os interesses de receber os créditos fiscais supostamente concedidos indevidamente à JBS não deveriam ser os “objetos prioritários da atuação do Ministério Público em juízo”.
“Ora, é surpreendente que o Ministério Público, que em dezenas de outras ações, em casos de muito menor expressão imoral do que o abrangido neste feito, atua com vigor, buscando a responsabilização integral de agentes públicos e privados, perseguindo com dedicação a defesa da probidade administrativa e dos princípios da administração pública e, no presente caso, com postura muito diferente daquela, se empenhe em extinguir a ação em favor dos réus que, segundo o próprio Ministério Público menciona na inicial, se beneficiaram do que chamou “benefício espúrio” (SIC.), aparentemente aderindo a interesses secundários, político-econômicos. É de causar estranheza!”, criticou.
Bortolussi destacou que a ação de improbidade não pode ser flexibilizada: “instaurada a ação, não há possibilidade de renúncia, desistência, acordo, transação ou conciliação que implique extinção do processo”.
Ele também evidenciou que o acordo possibilitou que as partes pudessem “escolher” as punições que receberiam.
[...] como se pretendeu elegendo suspensão dos direitos políticos do requerido Valdir Aparecido Boni por três anos, como se tratasse de simples conveniência, um “gesto de boa vontade” deste último, apenas para dar aparência de “sofrer algum sacrifício pessoal”
“É evidente dizer que as partes de uma ação indisponível não podem escolher as sanções a que queiram impor ou se submeter, como se pretendeu elegendo suspensão dos direitos políticos do requerido Valdir Aparecido Boni por três anos, como se tratasse de simples conveniência, um “gesto de boa vontade” deste último, apenas para dar aparência de “sofrer algum sacrifício pessoal”, olvidando todas as demais sanções, sobretudo a que impediria a JBS S.A. de seguir contratando com o Estado de Mato Grosso ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de até dez anos”, afirmou.
Outro ponto destacado pelo juiz é que o Ministério Público, ao invés de firmar o TAC, poderia apenas requerer na ação que a JBS e Valdir Boni não fossem condenados a ressarcir o erário, pois já houve a devolução dos R$ 99,2 milhões.
“As partes tinham, e têm, pleno conhecimento da vigência do art. 17, §1º, da lei 8.429/92 quando fizeram o acordo que sabiam, ou deveriam saber, não ter o condão de impedir o prosseguimento da ação. Não obstante, assumiram o risco e, ao que parece, pretendem impor ao Judiciário a aceitação de um acordo ilegal que queriam manter em segredo, inclusive”, salientou.
“Portanto, como já se disse, não é correta a pretensão das partes em transformar o objeto da demanda, afirmado na inicial como uma conduta espúria de concessão de créditos irregulares para beneficiar a empresa JBS e ao requerido Valdir Aparecido Boni, por conluio com o ex-governador do Estado, Silval Barbosa e seus então secretários, Marcel Cursi, Edmilson José dos Santos e Pedro Nadaf, em um simples desajuste de conduta corrigível com a mera reparação dos danos (devolução do que receberam ilicitamente) e a promessa de futura obediência à legislação tributária, a que todos se sujeitam”, reforçou.
“Nada mais que a obrigação”
Ainda na decisão, Bortolussi afirmou que o frigorífico fez o pagamento de R$ 99,2 milhões porque possui condições para tal, uma vez que o faturamento anual da empresa gira em torno de R$ 100 bilhões.
“E como a própria empresa admite, continuar recebendo incentivos fiscais do Estado de Mato Grosso é bom para os seus negócios; por isso excluíram essa sanção no acordo que fizeram”, relatou.
Para o magistrado, a JBS/Friboi não fez mais do que a obrigação em devolver os valore aos cofres públicos.
“Nunca é demais lembrar que nenhuma empresa paga, de fato, ICMS, imposto indireto, que apenas recolhe do consumidor final com a promessa de repassar ao fisco. Portanto,
Se a requerida pagou ICMS porque não tinha direito de reter como créditos seus, não fez mais do que sua obrigação de entregar ao fisco aquilo que os verdadeiros contribuintes, os consumidores de seus produtos, já lhe haviam pago
se a requerida pagou ICMS porque não tinha direito de reter como créditos seus, não fez mais do que sua obrigação de entregar ao fisco aquilo que os verdadeiros contribuintes, os consumidores de seus produtos, já lhe haviam pago”, disse.
Possível multa
A alegação da JBS de que o pagamento ao Estado já corrigiria o suposto dano causado e que, por isso, a Justiça deveria desbloquear os R$ 73,5 milhões, também foi rechaçada pelo juiz.
Conforme Bortolussi, se comprovado que a empresa se apropriou indevidamente dos R$ 73,5 milhões e beneficiou terceiros no esquema, poderá ser multada em até duas vezes o valor do dano e condenada por enriquecimento ilícito.
“O argumento de que o MP entendeu dispensável a multa, porque a empresa teria pago valores ainda questionados na esfera administrativa, a esse título não impede a eventual condenação por ato de improbidade administrativa”, explicou.
Novo bloqueio
Apesar de ter mandado desbloquear R$ 557 mil de Valdir Boni (em cumprimento à decisão do STJ), Bortolussi determinou um novo bloqueio de bens em até R$ 319,6 mil contra o representante da Friboi.
Desta vez, a alegação usada foi a da garantia de possível multa que possa ser aplicada a Boni, em até cem vezes a sua remuneração.
A acusação
O Ministério Público Estadual acusa o grupo denunciado de ter criado uma linha de crédito “fictícia” para beneficiar o frigorífico.
De acordo com o órgão, eles teriam concedido à empresa três benefícios fiscais acumulado com o aproveitamento integral e supervalorizado do crédito de ICMS de entrada no valor de R$ 73,5 milhões.
Além de as medidas serem supostamente ilegais, segundo o MPE, o fato geraria concorrência desleal com os demais empresários do ramo.
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