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Midia Jur
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Entrevista Domingo, 23 de Novembro de 2014, 07:00 - A | A

23 de Novembro de 2014, 07h:00 - A | A

Entrevista / SEM AUTONOMIA

"Amam não pode continuar com pires na mão no TJ"

Candidato da oposição, Arimatéa critica falta de independência e relação "quase íntima" da Amam com o tribunal

LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO



Mornidão. É essa a palavra que o juiz José Arimatéa usa para classificar a forma como está sendo conduzida a atual gestão da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam).

Candidato de oposição à presidência da entidade, o magistrado acredita que a atual diretoria tem sido pouco firme em buscar os interesses da classe. O motivo, segundo ele, é a relação “quase íntima” que a Amam tem mantido com o Tribunal de Justiça (TJ-MT), fator que impede uma atuação independente da associação.

“A categoria vai ter que escolher se quer uma Amam que se transforme em um departamento do Tribunal de Justiça ou uma Amam independente. Eles querem uma Amam de pires na mão na presidência do tribunal, mendigando alguma coisa para a magistratura. Nós não temos essa política de pires na mão”, criticou ele, que é diretor do Departamento de Defesa de Prerrogativas da Amam.

Para Arimatéa, essa interpenetração da Amam no TJ-MT –e vice-versa- tem facilitado a resolução de questões pontuais. Mas, ao mesmo tempo, impedido que a associação “bata de frente” com o tribunal na exigência de melhorias como o aumento do auxílio-alimentação, que estaria defasado em comparação com o valor recebido pelos membros do Ministério Público.

“A Amam fica meio sem forças de enfrentar essa situação, sem querer entrar com uma reclamação no CNJ contra o tribunal. Ela prefere não enfrentar esse desgaste com o tribunal e com a própria mídia, que iria criticar o pedido de aumento desta verba”, exemplificou.

Arimatéa também negou que, caso eleito, possa vir a enfrentar dificuldades em dialogar com o Tribunal de Justiça em razão de o atual presidente, Orlando Perri, ainda manter um processo de danos morais contra ele.

“Há uma sinalização de que vamos chegar a um consenso, não vamos voltar a ser amigos, claro. Mas, se eleito, irei conversar com ele como presidente da associação, não como o Arimatéa, e ele vai estar conversando comigo como presidente do tribunal, não como Orlando Perri. Nós já temos esse amadurecimento profissional para encerrar isso”, garantiu.

Quanto ao relacionamento com os demais órgãos ligados ao Poder Judiciário e à sociedade civil, Arimatéa disse que pretende, estreitar estas relações, sempre com prioridade no respeito institucional. “Ado, a-ado, cada um no seu quadrado”, brincou ele, ao citar trecho da famosa música da cantora Sharon Acioly.

“Se precisar vamos bater de frente com a OAB, mas o objetivo é a conversa, o diálogo. E a relação com a imprensa também, queremos reavivar essa questão, que andou meio esquecida, até meio sucateada. É o nosso canal de comunicação com a sociedade, para ouvir as críticas, sugestões, saber onde estamos errando e acertando”, ressaltou.

Em entrevista ao MidiaJur, o juiz José Arimatéa também falou sobre suas propostas de gestão, a avaliação da chapa concorrente, os benefícios polêmicos concedidos aos juízes e os erros cometidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaJur – Como surgiu a iniciativa de construção dessa chapa, tendo em vista que o senhor integra o atual grupo da Amam?

José Arimatea
– Eu estou envolvido em movimento associativo, a nível nacional, desde a administração do Mozart, há sete, oito anos, especialmente nesta área de Defesa das Prerrogativas da magistratura. E já andei pensando, refletindo sobre a possibilidade ou necessidade de concorrer à diretoria da associação local nas duas eleições anteriores, mas por alguns motivos não foi possível. E, desta vez, conseguimos reunir um grupo bem coeso, forte, com uma identidade de ideias muito grande e resolvemos lançar essa chapa. Eu não integro a diretoria da Amam, faço parte da secretaria de Defesa de Prerrogativas, que é uma secretaria que é nomeada pelo presidente. Da diretoria eleita eu não faço parte. Mas a colega Adriana, que está na nossa chapa, integra a atual diretoria.

MidiaJur – Como foi o processo da escolha dos nomes para cada cargo na chapa?

José Arimatéa
– Iniciou comigo e com a Adriana Santana. Nós discordávamos de algumas coisas na associação. Achávamos que a administração estava muito intensa em um determinado foco e morna no outro foco. E essa energia deveria ser dividida para todas as demandas da magistratura. Em um determinado momento, surgiu a ideia de chamar o desembargador Rubens[de Oliveira]. No início ele resistiu, disse que queria tranquilidade, mas conseguimos convencê-lo. Depois veio a Ana Cristina, que tem um trabalho muito importante na área de violência doméstica e é muito respeitada pelos colegas do Estado inteiro. Também vieram muitos juízes do interior, do concurso novo, que eu diria que são os juízes do futuro. Eles têm muito mais independência do que os juízes da minha geração, que são quase submissos à administração da Justiça. Foram se identificando com as nossas ideias e, a partir daí, o grupo começou a tomar forma. Dessa ideia de desvincular as pautas da Amam das pautas do Tribunal de Justiça. O nosso grupo é composto de pessoas que acreditam que podemos fazer isso, sair dessa mornidão que a Amam está hoje.

MidiaJur – Como o senhor pretende fazer a campanha?

José Arimatea
– Além de conversar com os colegas em Cuiabá, quero visitar as cidades-pólo, como Rondonópolis, Barra do Garças, Cáceres. Mas a campanha em si é por “zap-zap”, email, Facebook, mais através das redes fechadas e abertas. Isso facilita, pois Mato Grosso é um Estado muito grande.

MidiaJur - Porque este grupo não quis integrar a chapa de situação da Amam?

José Arimatea
– Eu não tenho uma crítica radical à atuação da atual diretoria. Mas nós entendemos que era necessário avançar mais em alguns aspectos específicos, principalmente no que diz respeito à independência da Amam em relação ao Tribunal de Justiça. Nós temos que apagar essa perspectiva de que a Amam seria um prolongamento do tribunal e, inclusive, estou preocupado com o rumo que esta eleição está tomando. Pelo que alguns sites publicaram, está parecendo uma disputa de poder entre membros do tribunal envolvendo a associação, que era tudo o que a gente não queria. Nós

" Se a associação tiver que tomar medidas que sejam antipáticas ao tribunal e a alguns membros do tribunal, acho que a associação tem que tomar"

queremos separar isso. Tanto é que nós contamos com o voto e a simpatia do presidente eleito, Paulo da Cunha, mas não pedimos a ele e não queremos que ele venha a público manifestar apoio. Porque eu quero separar as coisas, tribunal é tribunal e Amam é Amam.

Quero trabalhar um outro foco, um foco diverso daquele que sempre existiu. Tanto é que o atual presidente do Tribunal foi um dos primeiros a mandar um email funcional dizendo que apoiava o Tiago [Souza, candidato da situação]. Ou seja, o presidente do tribunal se envolvendo profundamente no processo eleitoral da Amam. Isso é tudo o que nós não queremos. É uma forma simbólica de dizer que o tribunal estará ainda mais dentro da Amam. E a categoria vai ter que escolher se quer uma Amam que se transforme em um departamento do Tribunal de Justiça ou uma Amam independente. Eles querem uma Amam de pires na mão na presidência do tribunal, mendigando alguma coisa para a magistratura. Nós não temos essa política de pires na mão. Ou dá por bem ou iremos buscar de outra forma, se houver direito.

MidiaJur – O senhor considera imoral esse apoio público do presidente Orlando Perri?

José Arimatea
– Eu acho que não é questão de moralidade, mas de uma nova visão que nós temos para a associação. Se a associação tiver que tomar medidas que sejam antipáticas ao tribunal e a alguns membros do tribunal, acho que a associação tem que tomar. Porque a maioria dos membros da associação é que decide o destino da associação, é o interesse da maioria que deve prevalecer. A associação não pode apenas defender os interesses de uma minoria que a compõe. Esse é o nosso grande diferencial.

MidiaJur – Essa atual relação da Amam com o Tribunal de Justiça tem prejudicado os interesses dos magistrados?

José Arimatea
– Existe uma interpenetração do tribunal na associação e vice-versa. Isso muitas vezes atrapalha os interesses dos juízes. A Amam se sente muito inibida em razão desse relacionamento misturado de cobrar do tribunal uma melhor condição de trabalho para um juiz de uma comarca A,B ou C. E o tribunal acaba interferindo nas questões que só caberia à Amam.

MidiaJur – Isso tem feito a atuação da Amam ser “morna”?

José Arimatéa
– Exatamente. Há uma facilidade da Amam em levar as demandas mais corporativas ao tribunal, como questões de vencimentos, vantagens, pagamentos de verbas atrasadas. Nisso aí, a atual administração avançou muito. E esse relacionamento quase íntimo facilitou isso aí. Mas em outras demandas em que o tribunal tem alguma resistência, a Amam não se sente muito à vontade para desconstruir isso. Um exemplo clássico é a nossa verba, já reconhecida pelo CNJ, chamada de auxílio-alimentação. Os promotores de Justiça recebem isso há muito tempo e nós só passamos a receber neste ano. E, apesar de o CNJ e o próprio STF dizerem que deve existir uma simetria entre os benefícios dados a magistrados e promotores de Justiça, o tribunal resiste em equiparar o nosso auxílio-alimentação ao do auxílio dos promotores, que é quase três vezes maior. E a Amam fica meio sem forças de enfrentar essa situação, sem querer entrar com uma reclamação no CNJ contra o tribunal. Ela prefere não enfrentar esse desgaste com o tribunal e com a própria mídia, que iria criticar o pedido de aumento desta verba.

MidiaJur – Como vai ser a relação da sua possível gestão na Amam com o Tribunal de Justiça?

José Arimatéa
– De muita conversa, debate, até porque o presidente é nosso associado e não podemos fugir desse bom relacionamento. Eu, pessoalmente, tenho um excelente relacionamento com o presidente eleito Paulo da Cunha. Quando ele era membro do Ministério Público, já conhecia meu trabalho, minha idoneidade, honestidade. E a carreira dele é muito reta, pautada na retidão de caráter, temos muito em comum.

MidiaJur – Se o senhor vencer, será empossado no mesmo data, sete de dezembro. A gestão do desembargador Orlando Perri no tribunal vai até fevereiro. Nestes quase três meses, não teme a possibilidade de atritos naturais entre as instituições pelo fato de o desembargador Orlando Perri mover um processo por danos morais contra o senhor?

José Arimatea
– Nunca tive nada contra ele. Tive um problema na época em que estava na Vara Contra o Crime Organizado e ele era corregedor de Justiça. Eu entendi que ele havia decretado uma intervenção branca na minha vara, por causa de um pedido dele que não foi atendido por mim de decretação de prisão. Eu achei que não era o caso de decretar a prisão e, como ele não poderia me tirar da vara senão a briga ia ser feia, ele colocou mais dois juízes junto comigo. Eu reclamei no CNJ, mas como estava em fim de mandato, resolvi tirar o procedimento. E ele, posteriormente, entrou com uma ação de danos morais contra mim, que está tramitando. Isso é uma demonstração de que eu, juiz Arimatéa, não tive medo nem do corregedor. E na época, a figura do corregedor fazia medo para todo mundo, era o terror dentro e fora da magistratura. Isso demonstra que nós temos essa independência de enfrentar qualquer situação. Mas acredito que isso é uma situação superada. Ele já sinalizou que não há nada pessoal nesta questão. O nosso perfil como profissional é até bastante semelhante, de trabalhar muito pela instituição. Há uma sinalização de que vamos chegar a um consenso, não vamos voltar a ser amigos, claro. Mas, se eleito, irei conversar com ele como presidente da associação, não como o Arimatéa, e ele vai estar conversando comigo como presidente do tribunal, não como Orlando Perri. Nós já temos esse amadurecimento profissional para encerrar isso.

"Não há notícia de que ele tenha feito um requerimento por escrito ao presidente de algumas dessas propostas que ele diz que vai implementar quando for presidente. Porque nós teríamos que acreditar nele agora? A eleição é mágica? É meio que conversa para boi dormir"

MidiaJur – Como o senhor avalia o fato de a chapa concorrente possuir como membro do Conselho Administrativo um desembargador que foi aposentado compulsoriamente por empregar os próprios filhos no gabinete?

José Arimatéa
– Essa questão do colega que teve esse problema com o CNJ, como estamos fazendo uma proposta meio que Marina Silva, de ganhar ganhando ou perder ganhando, nós não vamos comentar esse fato. Não é uma coisa que vamos utilizar na nossa campanha.

MidiaJur - E a chapa concorrente em si?

José Arimatéa-
O que tentamos alertar aos nosso colegas é que essa chapa é a continuidade da mornidão do que acontece hoje. Tudo o que o atual candidato está prometendo que vai fazer à frente da Amam, ele é o primeiro vice-presidente, e nunca fez. Não há notícia de que ele tenha feito um requerimento por escrito ao presidente de algumas dessas propostas que ele diz que vai implementar quando for presidente. Porque nós teríamos que acreditar nele agora? A eleição é mágica? É meio que conversa para boi dormir. Também porque ele é um juiz que está em meio de carreira, atua em comarca de Terceira Entrância, precisa ser promovido a Entrância Especial, ou seja, tem um pulo a dar até chegar ao final da carreira de juiz. E para isso ele precisa do voto dos desembargadores. Nesse tipo de processo, o voto é técnico, mas também emocional. Não é bom, mas sempre tem. Na vida é assim, razão e emoção. E, em razão disso aí, ele está em uma posição frágil, tem um calcanhar de Aquiles. Isso vai impedir ele, em caso de algum embate, de ser mais firme, chegar junto e tomar medidas que sejam antipáticas à diretoria do tribunal e aos desembargadores. No nosso grupo não há isso, temos uma história associativa, não caímos de paraquedas.

MidiaJur – O senhor acredita que a escolha do Tiago Souza para concorrer a presidente foi uma tentativa de passar a imagem de renovação, já que ele é novo, e de tentar angariar votos no interior?

José Arimatéa
– Pode ser que sim, passar essa imagem de que um juiz do interior seria uma coisa nova, uma mudança. Mas, na verdade, não há mudança nenhuma, porque está aí há dois anos como 1º vice-presidente da associação. Mas a ideia talvez seja essa, um golpe de marketing de que seria a primeira vez que um juiz do interior poderá presidir a Amam. Essa ideia do novo está em alta, a sociedade clama por mudanças.

MidiaJur - O senhor já cogitou organizar um debate para as chapas discutirem as propostas?

José Arimatéa
– Há uns dois meses eu convidei o colega para fazermos um debate. Poderia ser por meio da TV Justiça, que poderia fazer a transmissão, com perguntas dos colegas também. Mas ele recusa debater. Ele acha que a nossa eleição é muito atípica e não justifica um debate. Ele prefere fazer a campanha conversando, olho no olho, pelo menos foi essa a expressão que ele utilizou. Isso acaba tornando a campanha muito translúcida, que é justamente o que a sociedade tanto critica.

MidiaJur – Quanto a esses auxílios de moradia e alimentação, qual a sua opinião?

José Arimatéa
– A sociedade critica muito, mas o auxílio-transporte, por exemplo, está previsto em lei para todo trabalhador. Se eu ainda estivesse na Petrobrás, onde trabalhei por 10 anos, com o cargo técnico que ocupava, sendo especialista em refino de petróleo, se fosse me aposentar como petroleiro ganharia mais do que eu ganho se me aposentar como juiz. O pessoal acha que o juiz ganha muito.

MidiaJur – E não ganha?

José Arimatéa
– Nós temos um corpo de juízes divididos entre os que estão na ativa e os aposentados, que chamamos de inativos. Assim como em todo serviço público. A Constituição diz que o aumento dado ao ativo tem de ser dado ao inativo. A magistratura, assim como outras classes, está com o salário defasado há muitos anos. Queremos um reajuste de 22,7%, isso não é aumento de salário, é apenas recomposição da inflação. E o adicional por tempo de serviço, que é o reajuste de 5% a cada cinco anos de exercício. Se nos fosse concedido esse reajuste de 22,7% e esse adicional, pode ter certeza que abriríamos mão de todos esses auxílios-alimentação-moradia, que muitas vezes causam repúdio na sociedade.

MidiaJur – Porque a administração não promove esse reajuste?

José Arimatéa
– Porque auxílio-moradia e auxílio-alimentação não precisa pagar aos aposentados. Incha menos a folha. Já o reajuste de 22,7%, se fosse concedido, teria que estender para todo mundo.

"Se nos fosse concedido esse reajuste de 22,7% e esse adicional, pode ter certeza que abriríamos mão de todos esses auxílios-alimentação-moradia, que muitas vezes causam repúdio na sociedade"

Essa é a lógica perversa: criam-se esses auxílios para não pagarem aos aposentados. O objetivo é esse: criar uma verba indenizatória como uma forma de recompor a estagnação salarial sem ter que estender aos aposentados. É uma perversidade, mas é isso que acontece. Isso cria um desgaste para a gente, para os deputados e todos os agentes públicos. Em termos de administração pública, é vantajoso.

MidiaJur – Falta a Amam se aproximar mais da sociedade para explicar isso?

José Arimatéa
– Isso aí tem que ser explicado. Chamam de auxílio-alimentação, mas poderia ter outro nome, como correção monetária indireta, para carimbar essa verba. O juiz ganha cerca de R$ 20 mil, o que é R$ 1,2 mil? Pouco mais de 5%. Em um mês representa pouco, mas em um ano já há uma diferença razoável. E nós apenas queremos o que é justo: a recomposição da inflação dos últimos cinco, seis anos, e esse reajuste de 5% que nos foi tirado com a Emenda Constitucional 45. Isso impede que um juiz em início de carreira comece ganhando mais do que um desembargador. Não é justo, porque o nível de responsabilidade é diferente.

MidiaJur – Essa suposta injustiça tem gerado desinteresse pela profissão?

José Arimatea
- Sim, e essa normatização dos salários gera uma poda na autonomia dos Estados. O salário é nacionalizado, do Oiapoque ao Chuí. O cara vai querer ser juiz lá em Araçatuba (SP) ou em Apiacás (MT), ganhando o mesmo valor? Veja isso com a visão de um empreendedor privado, que paga os melhores salários para ter os melhores profissionais. Quem paga o salário ruim, terá os piores profissionais. Não tem como fugir dessa lógica. O que acontece é que para o Amazonas, Pará, Mato Grosso, Amapá, vão sobrar os piores profissionais. Os melhores vão ficar em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Por quê? Porque tem uma melhor qualidade de vida, mais acesso a saúde, educação. Não se exige o sacrifício de morar em Apiacás com a família ou em Colniza. Para a gente manter esse equilíbrio e ter o mesmo nível de profissionais que tem em São Paulo e Rio de Janeiro, temos que pagar mais. E esse sistema do CNJ vai de encontro a isso. Acaba que em um futuro não muito longínquo, vai sobrar para estes estados com dificuldade geográficas somente os medíocres e os desonestos. Ou o cara é ruim tecnicamente e vem para cá porque não consegue emprego em lugar nenhum ou virá só para fazer rolo e praticar atos de desonestidade. Usar a magistratura para ficar rico.

MidiaJur – Há uma verba para quem atua em comarcas de difícil acesso. Não é o suficiente?

José Arimatéa
– É uma verba pontual, um percentual muito baixo.

MidiaJur – Não se pode fazer nada em nível estadual?

José Arimatéa
– O Código de Organização Judiciária Estadual (COJE) poderia prever algumas vantagens a juízes que atuam em comarcas que exigem muito sacrifício. Não só a juízes, mas a todos os servidores públicos, para compensar. Porque o CNJ está cada vez mais tirando a autonomia dos Estados, e é contra isso que estamos indo. Abrir os olhos do CNJ e mostrar que ele está condenando alguns estados como Mato Grosso e Amapá a ter os piores profissionais da área jurídica. O tribunal paga o auxílio-moradia, que muitos Estados não pagavam, o que aliviava um pouco. Agora todos os Estados estão pagando. Essa política de tentar equiparar parece uma coisa justa, mas quando você examina essa situação vê que não é assim. O Brasil não é igual, tem suas diferenças regionais.

MidiaJur – Tentar equiparar tudo para todos é o maior erro do CNJ?

José Arimatéa
– O CNJ tenta igualar os desiguais, fazer essa isonomia à força. As consequências desse erro só vão aparecer a médio e longo prazo, quando iremos ver o estrago que isso vai causar. São Paulo vai continuar sendo o top e nós nunca vamos conseguir chegar perto disso. Porque por mais que nos aproximamos, sempre passarão a frente, em todas as áreas. Salvo na iniciativa privada, que não está presa às amarras do serviço público. É contra isso que temos que brigar, com argumentos e coragem de bater de frente, se necessário for. Digo isso porque participei da primeira greve da história da Petrobrás, tinha uns 19, 20 anos, era dirigente sindical. E estava lá, ainda no regime militar, segurando um pirulito na frente da empresa (risos). Precisamos quebrar este paradigma, iniciar esse processo de conscientização. Se não fizermos, daqui a 10, 20 anos só virão para Mato Grosso os medíocres e os desonestos. O salário para eles será só um bico. Se Mato Grosso quer pagar melhor para ter melhores profissionais, o CNJ deveria deixar pagar.

"Precisamos quebrar este paradigma, iniciar esse processo de conscientização. Se não fizermos, daqui a 10, 20 anos só virão para Mato Grosso os medíocres e os desonestos"

MidiaJur – Na questão da própria atuação da Amam, a associação não deveria ser mais transparente para mostrar à sociedade o que ela tem feito?

José Arimatéa
– Isso é um pensamento meu e do meu primeiro vice-presidente, desembargador Rubens de Oliveira: transparência total. Nada a ocultar, a esconder. Se vai dar ibope positivo ou negativo e se tivermos que fazer alguma coisa que não seja simpática à opinião pública, mas acharmos que devemos fazer, iremos fazer. Temos que ter coragem de tomar medidas impopulares. Tomar medida popular, qualquer administrador é capaz. Agora, tomar aquelas medidas que vão ter impacto negativo só quem está mais preparado tem a coragem de fazer. Fazer com que a sociedade viva o dia a dia da associação e veja a carga desumana de trabalho. Os juízes brasileiros são os juízes mais produtivos do mundo, produzimos o dobro do que produz o país em segundo lugar. E mesmo assim o nosso Judiciário é um dos mais lentos do mundo. Queremos levar essa situação para a sociedade, nos atos da associação, para que todos fiquem sabendo. Dos nossos acertos e erros.

Antigamente o Judiciário era uma caixa-preta e o Ministério Público transparente. Hoje a coisa se inverteu: o Judiciário é transparente e o Ministério Público é translúcido. Se você quiser saber quanto eu ganho, é só entrar no site do tribunal. Isso não acontece com os promotores. As sessões do tribunal são ao vivo, às vezes têm até bate boca, isso é transparência, é nossa obrigação. Se é bom ou ruim, quem vai dizer é a história e a sociedade.

MidiaJur – Nesse sentido, o senhor pretende cobrar do tribunal a volta da publicação das sessões de julgamento das câmaras e do Pleno, que há quase dois anos não são publicadas?

José Arimatéa
– Com certeza. Esse é um ponto que tenho em comum com o desembargador Rubens, e talvez seja por isso que ele aceitou somar conosco. Transparência total doe a quem doer. Se a magistratura e o tribunal tiverem que pagar o preço da transparência, pagarão. O produto que estamos comprando vale este preço.

MidiaJur - Já possui um plano de gestão para a Amam?

José Arimatéa
– Uma das principais propostas é essa briga pela transparência e independência da associação. Que a sociedade possa ter essa visão de que a Amam e o Tribunal de Justiça não são a mesma coisa. Continuar essa luta em defesa das prerrogativas, pois um juiz com medo não é bom para ninguém. Se o juiz tem medo, a sociedade corre risco. E não é medo de ser preso, morto ou agredido. Mas de sofrer represália dentro ou fora da instituição. Medo de ser criticado pela mídia. E a associação vai servir como ponte entre o juiz e a sociedade, porque nem sempre o juiz pode se pronunciar sobre a atuação em determinado processo em razão de amarras legais.

Temos que melhorar a nossa sede, tudo que se arrecada é gasto com a sede, é um elefante branco. Temos a intenção de criar alternativas para que tenhamos disponibilidade financeira para fazer esse associativismo. Sem dinheiro não se consegue fazer nada. Queremos manter mais contato com os magistrados aposentados, ouvi-los mais, porque também são associados e são prejudicados por essa perversidade de se criar auxílios aos juízes ativos para não pagá-los o que tem de direito. Vamos trabalhar em cima do Coje para criar condições diferenciadas aos juízes de Mato Grosso, com indenizações maiores para quem atua em comarcas de difícil provimento, para que não percamos essa briga por melhores profissionais.

MidiaJur – Como o senhor visualiza a relação da próxima diretoria da Amam com órgãos como a OAB, Ministério Público e sociedade civil?

José Arimatéa
– Nós queremos ter um relacionamento de transparência e respeito. Como costuma dizer um colega meu: “ado, a-ado, cada um no seu quadrado” (risos). Não venha a OAB com esse

"Quando tem qualquer coisinha na mídia que dá ibope, a OAB já pula dentro do barco. Se não dá ibope, ela pula fora. A OAB é muito oportunista em relação a essas questões, e isso nós não vamos admitir"

fisiologismo oportunista, como o que está acontecendo com o juiz do Rio de Janeiro [que multou a agente de trânsito]. Não estou dizendo que o juiz está certo nem errado, mas a OAB logo já embarca. Quando tem qualquer coisinha na mídia que dá ibope, a OAB já pula dentro do barco. Se não dá ibope, ela pula fora. A OAB é muito oportunista em relação a essas questões, e isso nós não vamos admitir. Se precisar vamos bater de frente com a OAB, mas o objetivo é a conversa, o diálogo. E a relação com a imprensa também, queremos reavivar essa questão, que andou meio esquecida, meio sucateada até. É o nosso canal de comunicação da sociedade, para ouvir as críticas, sugestões, onde estamos errando e acertando. Eu tenho uma visão empresarial da magistratura. Nós somos uma empresa prestadora de serviço e temos que tratar bem nosso clientes.

MidiaJur - O que o senhor conseguiu fazer de concreto como diretor de prerrogativas e que projetos pretende aplicar como presidente, caso vença a disputa?

José Arimatéa
– Nós fizemos um trabalho nacional, na época do então presidente da AMB, Mozart Valadares, e tínhamos uma secretaria de prerrogativas que não era tão atuante quanto é hoje. Aqui no Estado, tanto na administração anterior do Agamenon Alcântara quanto nessa administração do Carlos Alberto, a defesa das prerrogativas foi uma das grandes prioridades. Nós temos algumas ideias para intensificar mais isso aí, até copiando alguma coisa da OAB, como um plantão de prerrogativas. Na OAB, quando um advogado é parado no trânsito por um agente e ocorre alguma confusão, um representante da Ordem vai lá verificar a situação. Porque quem está de fora do calor da situação tem mais condições de refletir melhor o que está acontecendo e auxiliar para uma solução pacífica. E queremos também discutir a possibilidade da Amam entrar em processos de acusações contra juízes como terceiro interessado, não para defender o mérito do caso, mas para garantir o efetivo direito de defesa e que o processo seja conduzido com isenção. Se a Justiça indicar que o juiz deve ser punido, paciência. Mas garantir que o julgamento seja técnico, e não carregado de simpatias ou antipatias do julgador para com o julgado.

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