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OPINIÃO Segunda-feira, 05 de Fevereiro de 2018, 16:55 - A | A

05 de Fevereiro de 2018, 16h:55 - A | A

OPINIÃO / IRAJÁ LACERDA

Posse ou mera detenção de bem público?

Um dos principais exemplos é a instauração de ações possessórias sobre as áreas públicas

IRAJÁ LACERDA



Os bens públicos são objetos necessários ao funcionamento da administração pública e à aplicação das funções do Estado. Por conseguinte, necessitam de um tratamento diverso do que é disposto aos bens particulares e, portanto, as relações inerentes a estes bens são resguardadas pela natureza jurídica do direito público e não do direito privado, afastando-se assim, a eficácia das disposições do Código Civil.

Um dos principais exemplos é a instauração de ações possessórias sobre as áreas públicas que, em tese, não podem ser propostas, visto que os particulares não possuem titularidade para requererem bem público, seja através de usucapião ou de ações declaratórias de posse. Em razão disso, a jurisprudência brasileira vem dispondo a favor da ideia de que a ocupação de particulares sobre bens públicos, não lhes garante qualquer direito possessório, configurando mera detenção.

Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE.BEM PÚBLICO. MERA DETENÇÃO. INVIABILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.PRECEDENTES. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a ocupação de bem público configura ato de mera detenção decorrente da tolerância ou permissão do Poder Público, o que inviabiliza a proteção possessória contra o ente estatal. 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1129480 GO 2009/0051903-3, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 21/06/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2012).

Na concepção do STJ, a posse de má fé do indivíduo particular sobre bem público, permanece como mera detenção e não lhe confere os direitos possessórios

Desta forma, não surte efeitos jurídicos a “invasão” de particular em bem público, e as eventuais benfeitorias realizadas na referida área, desde que verificada a má fé, serão prejuízos que deverão ser aceitos pelo “invasor”. Do mesmo modo que não haverá a possibilidade de reaver qualquer direito acerca do bem.

Entretanto, apesar da recorrência deste tema na jurisprudência e doutrinas brasileiras, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Quarta Turma, apresentou no final de 2016 entendimento diverso deste aqui disposto.

Na concepção do STJ, a posse de má fé do indivíduo particular sobre bem público, permanece como mera detenção e não lhe confere os direitos possessórios. No entanto, caso haja posse de boa fé, e não invasão, e a discussão possessória seja entre dois particulares, será possível ao particular exercer os direitos sobre o bem como se efetivo possuidor fosse.

É cabível o ajuizamento de ações possessórias por parte de invasor de terra pública contra outros particulares. Inicialmente, salienta-se que não se desconhece a jurisprudência do STJ no sentido de que a ocupação de área pública sem autorização expressa e legítima do titular do domínio constitui mera detenção (REsp 998.409-DF, Terceira Turma, DJe 3/11/2009). Contudo, vislumbra-se que, na verdade, isso revela questão relacionada à posse. Nessa ordem de ideias, ressalta-se o previsto no art. 1.198 do CC, in verbis: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”. Como se vê, para que se possa admitir a relação de dependência, a posse deve ser exercida em nome de outrem que ostente o jus possidendi ou o jus possessionis. Ora, aquele que invade terras públicas e nela constrói sua moradia jamais exercerá a posse em nome alheio, de modo que não há entre ele e o ente público uma relação de dependência ou de subordinação e, por isso, não há que se falar em mera detenção. De fato, o animus domni é evidente, a despeito de ele ser juridicamente infrutífero. Inclusive, o fato de as terras serem públicas e, dessa maneira, não serem passíveis de aquisição por usucapião, não altera esse quadro. Com frequência, o invasor sequer conhece essa característica do imóvel. Portanto, os interditos possessórios são adequados à discussão da melhor posse entre particulares, ainda que ela esteja relacionada a terras públicas. REsp 1.484.304-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/3/2016, DJe 15/3/2016.

Assim, é necessário se atentar ao fato de que na relação “particular – poder público” se mantem a ideia de que não é possível o ajuizamento de ações reivindicatórias de direito possessório e, a ocupação se configura mera detenção do bem. Mas, quando se tratar da disputa entre particulares sobre o bem tutelado, ainda que seja bem público, o detentor terá efeitos de possuidor e poderá reavê-los perante a justiça, não havendo impedimentos a serem interpostos pela administração pública, pois a perda do direito possessório não configura prejuízo ao Estado, mas sim ao particular de boa fé que se vê acometido pela má fé de um terceiro.

IRAJÁ LACERDA é Advogado, Presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB/MT e Presidente da Câmara Setorial Temática de Regularização Fundiária da AL/MT.

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