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OPINIÃO Quarta-feira, 30 de Outubro de 2024, 08:00 - A | A

30 de Outubro de 2024, 08h:00 - A | A

OPINIÃO / CARLA REITA FARIA LEAL

O tratamento da obesidade como uma medida de saúde pública e reabilitação profissional

CARLA REITA FARIA LEAL E MARIANA WHELAN



A obesidade se tornou um problema crítico de saúde em escala global. Estima-se que um em cada cinco adultos tenha obesidade. Essa condição ocorre quando o corpo armazena gordura em excesso, levando a efeitos prejudiciais à saúde e riscos aumentados de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes mellitus tipo 2, hiperlipidemia (colesterol elevado), derrame, síndrome metabólica e câncer.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como obeso quem tem um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m², ou seja, a divisão do peso da pessoa em Kg por sua altura em metros elevado ao quadrado. O estudo Global Burden of Disease relata que o sobrepeso (IMC de 25-29,9 kg/m2) e a obesidade constituem o quarto principal fator de mortes no mundo. No Brasil, mais da metade da população (55,4%) está acima do peso.

Além das implicações para a saúde física, a obesidade também impacta significativamente o estado mental, a posição econômica e a pressão sobre os sistemas de saúde. O Atlas Mundial da Obesidade de 2023 aponta que essa condição pode gerar um impacto econômico de U$ 4,32 trilhões mundialmente em 2035, o que equivalerá a aproximadamente 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Nessa perspectiva, é importante destacar o impacto do excesso de peso no mercado de trabalho e na geração de renda de um país. Embora faltem conclusões mais definitivas, pesquisas apontam uma relação bidirecional entre o desemprego e a obesidade. Indivíduos desempregados estão suscetíveis a maiores ganhos de peso e mulheres obesas ou com sobrepeso experimentam períodos mais longos de desemprego do que mulheres com níveis normais de IMC.

Tendo em vista essa realidade, assim como os afastamentos do trabalho decorrentes de complicações causadas pela obesidade, o governo do Reino Unido tomou uma medida inédita e drástica. Será estudado se o uso do medicamento para perda de peso (Tirzepatida, comercializada como Monjauro®), da farmacêutica Eli Lilly, pode auxiliar no combate às altas taxas de doenças crônicas e trazer de volta ou inserir as pessoas de no mercado de trabalho. No início de outubro deste ano, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido delineou um plano para administrar o medicamento a quase 250 mil pessoas por um período de três anos.

A tirzepatida representa um dos medicamentos aprovados para o tratamento farmacológico da obesidade ou sobrepeso com pelo menos uma comorbidade. O medicamento envolve a combinação de dois hormônios: o receptor de peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP).
Ambos são produzidos naturalmente no intestino após as refeições e seus principais efeitos incluem a diminuição do açúcar no sangue (pelo estímulo de liberação da insulina) e a promoção de saciedade. Com a aplicação exógena dessas substâncias, observa-se uma redução significativa da ingestão de alimentos e melhora da sensibilidade à insulina, que, por consequência, contribuem para o emagrecimento e para a resolução de doenças, como a diabetes.

Diversos estudos já demonstraram a eficácia da tirzepatida, que tem sido apontada como o fármaco mais potente para a perda de peso, até o momento. No ensaio clínico randomizado (SURMOUNT-4), conduzido em 70 locais na Argentina, Brasil, Taiwan e EUA e 670 participantes, foi alcançada uma perda de peso média superior a 20% do peso inicial, um marco que se aproxima e supera o de algumas cirurgias bariátricas. Ademais, as taxas de descontinuação do tratamento, devido a eventos adversos, são geralmente baixas (2-8%) e os colaterais mais comuns foram os gastrointestinais, como náuseas, vômito, diarreia ou constipação, de intensidade leve a moderada.
Apesar das estatísticas promissoras, a farmacoterapia da obesidade divide opiniões, seja pelo seu custo elevado, pelos efeitos colaterais, pelo uso do medicamento sem orientação médica, pelo reganho de peso após a interrupção do medicamento e, especialmente, pela necessidade conjunta de mudanças no estilo de vida, a exemplo de uma dieta saudável, exercício físico regular, controle do sono e manejo de estresse, que podem estar sendo negligenciadas.

O tratamento da obesidade é complexo e o acompanhamento profissional é fundamental para a sustentação do peso perdido a longo prazo e alterações definitivas nos hábitos. Nesse contexto, ter acesso a uma equipe multidisciplinar formada por médico, nutricionista, psicólogo, educador físico e quaisquer outros profissionais que sejam necessários, sem dúvidas, faz toda a diferença.
Em suma, ainda não se sabe como o governo do Reino Unido administrará os outros componentes da terapia da obesidade e se o uso do medicamento será efetivo para alavancar o setor empregatício e diminuir os custos em saúde. Porém, nós temos algumas certezas: a obesidade é uma doença que causa repercussões muito deletérias à saúde e à economia de uma nação. O quanto antes as autoridades governamentais “abrirem os olhos” para essa pandemia, menores serão os problemas a serem combatidos futuramente.

*Carla Reita Faria Leal é líder do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT; e Mariana Whelan é nutricionista pela Universidade Federal de Mato Grosso.

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