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OPINIÃO Quarta-feira, 16 de Abril de 2025, 15:28 - A | A

16 de Abril de 2025, 15h:28 - A | A

OPINIÃO / CARLA REITA

A recente condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – O caso Manoel Luiz da Silva e Outros vs. Brasil

Carla Reita Faria Leal e Antônio Veloso de Alencar



 

Nesta coluna, abordaremos a mais recente condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Trata-se do caso Manoel Luiz da Silva e outros vs. Brasil, que se insere em um contexto histórico marcado pela intensa concentração fundiária e violência no campo.

Desde o período colonial a distribuição desigual de terras fomentou conflitos agrários persistentes, agravados nas décadas finais do século XX pela expansão do agronegócio e pela ausência de efetiva de políticas públicas, como a reforma agrária. Organizações, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), surgiram nesse cenário reivindicando acesso à terra e denunciando a violência contra os trabalhadores rurais, frequentemente praticada por milícias privadas e tolerada pelo Estado.

Entre 1985 e 2022, mais de 2.100 trabalhadores rurais foram assassinados em decorrência de disputas agrárias, muitos desses crimes permanecendo impunes. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) dão conta que conflitos por terra aumentaram 16,7% no Brasil em 2022, afetando mais de 180 mil famílias. Em 2023, foram registradas 973 ocorrências só no primeiro semestre, evidenciando a crescente tensão fundiária e a falta de respostas efetivas do Estado para conter a violência. A Paraíba, estado em que o caso ocorreu, esteve entre as regiões mais afetadas por essa violência.

Para entender melhor o contexto da violação de direitos humanos apontada pela Corte e reconhecida pelo Estado Brasileiro, vamos ao caso: Manoel Luiz da Silva foi um trabalhador rural, vinculado ao MST, assassinado em 19 de maio de 1997 por agentes de segurança privada a serviço de um fazendeiro local. O crime ocorreu no município de São Miguel de Taipú, Paraíba, enquanto Manoel retornava ao acampamento onde vivia com outros trabalhadores. Ele foi alvejado a queima-roupa por seguranças que o abordaram sob a justificativa de que estava proibido de transitar por determinada área.

O episódio inseria-se em um conflito fundiário entre os posseiros e o proprietário da Fazenda Engenho Taipú. O crime deixou viúva a Sr.ª Edileuza Adelino grávida e um filho de apenas quatro anos. A família da vítima enfrentou não apenas a dor da perda, mas também um longo e ineficaz processo judicial que perdurou por mais de 22 anos, sem condenações definitivas.

Em sua decisão, a Corte Interamericana concluiu que o Estado brasileiro violou diversos direitos fundamentais previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como o direito à integridade pessoal (Art. 5): reconhecido em relação aos familiares da vítima, em razão do sofrimento prolongado causado pela impunidade; os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (Arts. 8.1 e 25.1): a Corte entendeu que a excessiva duração do processo penal, com falhas graves de diligência, violou o direito das vítimas à justiça; e o direito à verdade (Arts. 8, 13 e 25): pela ausência de investigação aprofundada e pela omissão em considerar o contexto agrário no qual o homicídio se inseriu.

Entre as omissões estatais, a Corte IDH destacou: a falta de apuração da autoria intelectual do crime; a não localização do suposto autor dos disparos; a utilização de cavalos pertencentes ao fazendeiro investigado por parte dos policiais; a desconsideração da filiação de Manoel Luiz ao MST, o que comprometeu a compreensão do contexto do crime; os lapsos processuais, como a anulação de atos e o recomeço da instrução, adiando indefinidamente a responsabilização penal.

Durante o julgamento na Corte Interamericana, o Estado brasileiro reconheceu parcialmente sua responsabilidade, sobretudo em relação à demora injustificável do processo e ao sofrimento causado aos familiares da vítima. O Estado admitiu a falha na condução célere da ação penal e ofereceu um pedido público de desculpas. Ademais, mencionou medidas simbólicas de reparação, como a criação do Projeto de Assentamento “Novo Taipú”, homenageando Manoel Luiz.

De outro lado, a Corte Interamericana ordenou uma série de medidas reparatórias, entre as quais: a) a investigação diligente e imparcial dos fatos, com vistas à responsabilização dos autores materiais e intelectuais do crime; b) a publicação de sua sentença em meios oficiais; c) a realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade e pedido de desculpas às vítimas; d) a criação de diagnósticos e políticas públicas voltadas à proteção de trabalhadores rurais na Paraíba; e) o acompanhamento psicológico e social aos familiares da vítima; f) o pagamento de indenizações compensatórias pelos danos materiais e morais sofridos; g) garantias de não repetição, com foco na efetivação de políticas de reforma agrária e proteção à vida no campo.

O caso é emblemático das dificuldades estruturais do sistema de justiça brasileiro em lidar com a violência no campo, especialmente quando as vítimas são trabalhadores rurais em luta por direitos fundamentais. A morosidade, a negligência investigativa e a ausência de políticas públicas efetivas constituíram elementos fundamentais para a responsabilização internacional do Brasil. Ao declarar essas violações, a Corte reafirma o papel central da jurisdição interamericana como instância de justiça e reparação em contextos de vulnerabilidade histórica e sistemática.

Esperamos que a sentença seja efetivamente cumprida e suas determinações sirvam de parâmetro para a mudança do estado de coisas em nosso país.

*Carla Reita Faria Leal e Antonio Raul Veloso de Alencar são membros do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

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