ALLAN PEREIRA E LETICIA PEREIRA
Da Redação
No laboratório de bioquímica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), centenas de moscas da espécie Drosophila Melanogaster fazem algo como um "crossfit" todos os dias. Elas são colocadas para andar 2h por dia. Os insetos são utilizados por um grupo de pesquisa do Departamento de Química, do campus Cuiabá, para estudar o Mal de Parkinson e a Doença de Alzheimer.
A pesquisa é desenvolvida pelo mestrando, nutricionista e educador físico Thiago Henrique de Oliveira Alves, de 31 anos. Ele busca entender se o exercício físico associado à ingestão de ômega 3 é capaz de retardar ou não o avanço do Alzheimer. A pesquisa ainda está em fase de conclusão.
Professor Anderson e seu grupo de pesquisa com mestrandos, doutorandos e alunos da graduação, todos da UFMT.
Para o Midiajur, o biólogo, cientista e professor da UFMT, Anderson Oliveira Souza, que orienta a pesquisa, esclarece que o objetivo do estudo é especificar qual a quantidade certa de exercício para possibilitar o retardo do Alzheimer.
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"A população está envelhecendo cada vez mais rápido. Vai chegar um ponto que isso vai ser questão de saúde pública. O próprio Alzheimer já tem uma previsão de que vai ser quase um terço da população mundial, e já é sabido que a atividade física é muito saudável para qualquer organismo, quer seja para nós ou para as moscas. Mas o ponto é o quão saudável é - se com dois dias já é suficiente, ou dez dias? São parâmetros a serem afinados", explica.
A Doença de Alzheimer é um transtorno que causa a deterioração da memória e se agrava ao longo do tempo. Já o Mal de Parkinson afeta os movimentos da pessoa, e não a cognição (capacidade de raciocínio ou lembrar) causando tremores e rigidez muscular. Ambos não têm cura, apenas tratamentos para atrasar o seu avanço.
A população está envelhecendo cada vez mais rápido. Vai chegar um ponto que isso vai ser questão de saúde pública. Já é sabido que a atividade física é muito saudável para qualquer organismo, quer seja para nós ou para as moscas. Mas o ponto é o quão saudável é - se com dois dias já é suficiente, ou dez dias?
Uma das razões que torna a mosca uma boa opção para objeto de estudo é que esse animal, apesar do tamanho e de sua insignificância para os humanos, possui o sistema nervoso bem desenvolvido. Os pesquisadores citam que 80% do cérebro do inseto é semelhante ao do ser humano, o que torna os resultados das pesquisas muito próximos do que seria no organismo das pessoas. Segundo Anderson, as moscas drosófilas são encontradas em qualquer parte do planeta, outro ponto que facilita a pesquisa.
De acordo com Thiago, o ciclo de vida curto da mosca é outra vantagem. Como elas vivem cerca de 30 dias e já se reproduzem com duas horas de vida, se torna muito mais rápido perceber os impactos dos experimentos em diferentes estágios da vida do inseto e as consequências para gerações posteriores. "Nela, os efeitos da doença neurodegenerativa são mais rápidos. Enquanto um rato está adulto, a mosca já está idosa", pondera o mestrando.
As moscas utilizadas por Thiago já nascem com a proteína humana que gera o Alzheimer, uma mutação genética feita para fins de estudo científico. Os animais “mutantes” foram doados por um cientista parceiro.
O “crossfit” das moscas
As moscas têm um comportamento natural chamado geotaxia. Esse padrão natural faz com que elas sempre procurem por estar em lugares altos. É a partir disso que os pesquisadores colocam os animais para se exercitar.
As moscas estudadas pelo grupo estão em tubos, que são colocados em máquinas. A cada minuto, a máquina faz o tubo girar, de forma lenta. O inseto percebe a mudança e vai caminhar pela parede do tubo até o topo novamente. Elas não gostam de voar em razão do alto gasto de energia.
"As moscas saudáveis vão subir mais rápido que as mutantes que ficaram mais no fundo. A máquina vai girar, e ela vai ficar batendo e descendo no tubo. Isso já é uma caraterística de que ele não é totalmente saudável. Tem alguma coisa errada com o organismo", destaca.
Vai ser a partir desses exercícios que se buscará entender se o exercício físico irá retardar ou não o Mal de Alzheimer.
O professor ressalta que não é intenção da pesquisa buscar a cura dessas doenças. "Se entendermos o pontapé inicial, fica mais fácil de conseguir mostrar o mecanismo e um possível tratamento. Estamos pesquisando o mecanismo mais inicial de tudo. Não se sabe o que dá pontapé para essas doenças. Não existe essa clareza ainda".
Outras linhas de pesquisa
Leticia Pereira/Midiajur
Thiago também busca analisar se a ingestão do Ômega 3, associado às atividades físicas, pode retardar ou não o avanço do Alzheimer. Segundo Anderson, os resultados encontrados pelo mestrando ainda são preliminares. Mas a expectativa dele é que os dois potencializam o atraso do avanço da doença.
"O Ômega 3 se mostrou positivo. A partir do quinto dia, ele já tinha efeito. Já é sabido que ele tem um efeito bem interessante frente ao Alzheimer. Ele consegue retardar o avanço da doença no estágio inicial do desenvolvimento. Não sabemos ainda os mecanismos por trás dessa ingestão, que é a parte da Jady", aponta Anderson.
"Jady" é a doutoranda e química Jadyellen Rondon e Silva, de 27 anos, e que estuda o uso de três concentrações diferentes dos óleos derivados do Ômega 3 para avaliar a substância. "Uma concentração maior se mostrou tóxica, enquanto a dosagem que o Thiago trabalha está sendo positiva", diz. Ela explica que os resultados são preliminares e devem ser concluídos ao final do doutorado.
Outro membro do grupo de pesquisa busca avaliar ainda se o açaí também é benéfico para retardar o Mal de Parkinson. “A pergunta é se o açaí consegue deixar o efeito do parkinson menos intenso. Já temos algumas respostas bem interessantes. A ideia, para o próximo ano, é conseguir transformar isso em forma de artigo para publicar”.
Com as moscas, o grupo procura ainda avaliar a exposição de agrotóxicos, mais especificamente o Paraquat, para o surgimento das duas doenças neurodegenerativas. Na Europa, o defensivo agrícola é proibido por ter relação direta com o Parkinson e outras doenças graves. No Brasil, o uso foi permitido até os produtores conseguirem acabar com o estoque adquirido na pandemia de coronavírus.
As pesquisas desenvolvidas pelo grupo mostraram, até o momento, que quando a molécula da substância do Paraquat é quebrada, as outras substâncias formadas são mais tóxicas do que a original.
Anderson pontua que, uma vez que essas substâncias entram no nosso corpo, elas não saem do organismo. “A taxa de liberação é pouquíssima. É de 10% a 15%. Dependendo da dosagem que se dá ao organismo, seja moscas ou seres humanos, pode-se induzir a Alzheimer ou ao Parkinson. Você pode escolher”, explica.
Os resultados para esta última pesquisa já estão prontos, mas o pesquisador não quis dar “spoiler” para não prejudicar a publicação de um artigo no próximo ano.
Financiamento
O professor Anderson conta que, até o momento, o grupo de pesquisa não recebe nenhum financiamento e teve três pedidos negados em editais no último ano. “Sempre chegamos próximo, mas não fomos contemplados”, expõe.
O cientista destaca que os recursos financeiros são fundamentais para o desenvolvimento de pesquisas como essas, principalmente na aquisição de equipamentos.
“Precisamos de, pelo menos, dois equipamentos diferenciais que não têm na UFMT e, assim, alcançaríamos uma visibilidade internacional muito mais facilmente”, projeta.
Ainda assim, o pesquisador se mostra otimista em conseguir o financiamento no próximo ano. Segundo ele, algumas questões metodológicas que, talvez tenham sido empecilho, foram sanadas e o projeto tem chances de receber recursos em 2024.
“Ao ser contemplado a gente consegue aumentar o espaço, colocar novos equipamentos e é o que, talvez, esse trabalho precise, de mais impulsos”, conclui.
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