LÁZARO THOR
Da Redação
Conhecida por ter sido protetora de escravos e a curandeira a quem recorriam todos os cuiabanos, Mãe Bonifácia (ou "Mãi Bonifácia", segundo a grafia antiga) era bem mais do que isso, segundo crônicas sobre a sua história publicadas na imprensa mato-grossense na metade do último século.
Uma dessas crônicas é assinada pelo então acadêmico Francisco Alexandre Ferreira Mendes e hoje juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT). O texto escrito na coluna "Lendas e Tradições Cuiabanas" do jornal O Estado de Mato Grosso conta uma outra história de Mãe Bonifácia em que ela aparece como uma mulher poderosa e cheia de posses.
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Ferreira Mendes conta, em seu texto, que ouviu de um "antigo cuiabano", nascido em 1880, que Mãe Bonifácia nunca foi escrava. Ela era, na verdade, uma exímia costureira, que ensinava a fazer o famoso "ponto crivo" e a produzir "rendas de bilro" às moças de boa família em Cuiabá.
"Com os recursos adquiridos economicamente adquirira belos lavrados, que ostentava com inveja das comparsas, diz trecho da crônia de Ferreira Mendes.
A guerra dos outros
Em junho de 1867 soldados cuiabanos voltavam vitoriosos. Felizes, trôpegos e efusivos estava aquele contingente do Exército brasileiro depois de ajudar na expulsão do então inimigo paraguaio de Corumbá, atual Mato Grosso do Sul.
A chamada "Grande Guerra", que só terminaria em 1870, movimentava as emoções da população da capital da província de Mato Grosso. Ora por medo pelos que partiam, ora por orgulho daqueles que voltavam.
Mãe Bonifácia não tinha nada que ver com a guerra dos outros. A luta dela era outra: trabalhar, angariar seus recursos e proteger aos seus semelhantes.
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Crônica no jornal O Estado de Mato Grosso contava outra história de Mãe Bonifácia
Mas a guerra não deixaria a nossa heroína ilesa: com o retorno dos soldados de Corumbá, Bonifácia foi uma das primeiras acometidas pela varíola - ou "bexiga" como era chamada a doença naqueles tempos.
O fato dela ter contraído a doença se explica por duas versões da lenda cuiabana: a primeira diz que a região onde Bonifácia vivia (onde hoje é o parque com seu nome) era próxima do "paiol" onde se armazenava a pólvora fabricada no Coxipó do Ouro e daí o seu contato com militares. Outra versão seria a de que ela morava precisavamente na frente da sede do Exército, onde hoje é o 44º Batalhão.
"Isolada naquele recanto sombrio, sentindo aproximar-se o fim, com as energias que ainda lhe permitiam as foras, escondeu todas as joias e mais peças de ouro, anéis e pedras preciosas, num caldeirão de ferro, que enterrou nas proximidades da casa", diz trecho da crônica.
Desesperada - e sem o amparo dos brancos a quem tanto amparou, ensinando suas filhas a arte da costura - Bonifácia foi até a "cidade", onde hoje é o Centro Histórico, em busca de recursos médicos. Mas morreu ignorada, sem que dessem a ela o cuidado que merecia.
"A epidemida que dizimou metade da população de Cuiabá, não deixou dos que a conheceram, quem pudesse informar o local exato onde morreu e foi sepultada", conta o cronista.
Tesouro
A população pouco se importou com o local do enterro de Bonifácia. Outro enterro é que alucinava a todos os cuiabanos: o enterro de suas joias, que foi alvo de imensa atenção da população.
Na esperança de encontrar o "caldeiraão de ferro" com o tesouro escondido iniciou-se uma corrida que contava até com invocações de entidades e espíritos. Nada tão poderoso o suficiente para encontrar o segredo valioso da primeira "mãe" do povo da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá.
"A terra foi escavada e revolvida em diversos pontos porém o tesouro até o momento, ao que parece, não foi encontrado, jazendo no esconderijo em que o encerrou o zelo da serviçal preta Mãe Bonifácia", conclui o cronista.
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