Da Redação
As mulheres são agentes diretos para a proteção da etnobiodiversidade, mas precisam de mais espaço e apoio para ampliarem o seu protagonismo. Esse é um dos alertas de um grupo de pesquisadoras, professoras e representantes das comunidades tradicionais e indígenas de Mato Grosso que participaram do XII Congresso Nacional da Etnobiodiversidade em Cáceres, Mato Grosso.
Um dos exemplos são ações nas quais a criatividade e o empreendedorismo feminino transformam a biodiversidade em caminhos para uma renda sustentável entre as populações tradicionais.
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Na comunidade Porto de Fora, de Mimoso, em Barão de Melgaço, a 87 km de Cuiabá, um grupo liderado pelas professoras Maria Ruth Batista de Nascimento e Maria Antônia Arruda estão mostrando que apenas uma espécie pode gerar renda e múltiplos produtos.
O mamoeiro-pantaneiro ou mamão-da-terra, adaptado ao clima e que cresce naturalmente na região, é transformado em doces cristalizados, compotas, alvejante, sabão de barra e sabonete.
“Não há estudos para saber se esta já é uma espécie nova, porém é diverso do tradicional Formoso e Papaia. As árvores foram muito impactadas pelos incêndios anteriores no Pantanal, mas a nossa sorte é que todos mantêm essas frutas em seus quintais. Termos usados para a produção de alimentos, gêneros de higiene e limpeza”, explica Maria Antônia.
Divulgação
O grupo faz inclusive pães e sorvete de mamoeiro, e, também, os tradicionais doces de furrundu e jaracatiá.
A professora participou do XIII Congresso Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, que aconteceu entre os dias 10 e 14 de julho de 2022 em Cáceres, Mato Grosso. Durante o Encontro também foi realizado o Encontro Regional de Agroecologia, no qual o papel da mulher foi enfatizado na conexão com a conservação da etnobiodiversidade.
“Houve vários debates das mulheres como guardiãs e promotoras do manejo sustentável e agroecológico. Foram realizadas trocas de sementes e mudas demonstrando o papel dessas mulheres na manutenção genética da diversidade e da socio diversidade”, explica Fran Paula, educadora da ong Fase no Mato Grosso.
A etnobiodiversidade também passa pelo campo da saúde. Foi o que relembrou a médica Vivian Camacho, parteira Quéchua e diretora-geral de Medicina Tradicional na Bolívia, ela reforçou o papel feminino na promoção de uma cultura do bem-viver. Um conceito dos povos andinos de reconexão entre o ser humano e a natureza que além de promover a proteção da etnobiodiversidade também pode ser um caminho para o enfrentamento de doenças como a depressão, o mal do século que atinge milhões de pessoas e agravou-se com a Pandemia da Covid-19.
Para Carolina Joana da Silva, professora e pesquisadora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), as mulheres também precisam de mais protagonismo no campo da pesquisa no Brasil. Elas estão em maior número, porém na hora do exercício da liderança, os cargos ainda são masculinos.
“Nunca tivemos uma ministra da ciência e tecnologia mulher, por exemplo. No campo da Rede de Pesquisa Ecológica de longa duração (CNPQ), as mulheres coordenam muitas publicações e pesquisas, mas os homens ainda lideram as publicações. Isso precisa ser revisto”, diz.
“Elas também são a maioria dos laboratórios, porém a distribuição dos cargos de chefia e os obstáculos que fazem com que as mulheres não cheguem lá, precisam de um debate maior”, conclui Carolina Joana.
De acordo com o CNPq, as mulheres constituem 43,7% dos pesquisadores científicos no Brasil. A nível mundial, esse valor desce para 30% segundo as Nações Unidas (ONU). Porém, menos de 10% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres.
Ameaça
Os indígenas também participaram do debate, relembrando a necessidade de inclusão dos povos originais. A liderança e ativista indígena do povo Paiter Suruí, Txai, foi uma das convidadas do debate. Ela abordou a questão dos jovens para a construção de um novo amanhã. Txai foi a primeira indígena a discursar em um encontro da Cúpula do Clima das Nações Unidas, em 2021, em Galsgow, no Reino Unido. Ela apontou a necessidade de defendermos a Amazônia contra o desmatamento e sobre os riscos crescentes e ameaças contra os povos indígenas brasileiros.
Para Domingas Rikbaktsa é fundamental debatermos a questão da violência quando falamos de etnobiodiversidade. Ela é coordenadora da primeira biblioteca indígena de Mato Grosso, a Biblioteca Comunitária Indígena - Biblioóca Nelson Mutzie, no distrito de Fontanillas, em Juína, a 750 quilômetros de Cuiabá.
“A agressividade aumentou, porque até na escola esta difícil, os meus filhos sempre falam que sofreram xingamentos e preconceitos. Nós não podemos ficar quietos. Temos que falar e exigir respeito. Isso precisa mudar mesmo. Temos muito medo do que acontece em regiões como a dos parentes Yanomami que chegam a nossas terras. Mas, os jovens estão se preparando para lutar. Minha filha estuda direito e tenho muito orgulho dela, pois ela vai nos ajudar a defender o nosso território cada vez mais.”, explica.
No Brasil, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), as Terras Indígenas (TIs) concentram o menor desmatamento da região da Amazônia, além de apresentarem menos incêndios. Os dados oficiais revelam que quase 20% da região amazônica brasileira já foi desmatada. Enquanto isso, as áreas mais preservadas estão no interior dos territórios indígenas.
Solange Ikeda, professora e pesquisadora da Unemat, relembra que as comunidades tradicionais e indígenas resguardam há séculos, desde antes da chegada dos europeus, as últimas fronteiras para a conservação.
“É o que vemos nas nossas pesquisas dentro da bacia do rio Paraguai/Paraná e presenciamos com força neste último Congresso, (nos dias 10 e 14 de julho) em Cáceres. Aqui, nesta imensa área úmida que é o Pantanal, as mulheres são protagonistas sempre, assim como as pesquisadoras que seguem lado a lado com as comunidades e que precisam sempre considerar e reconhecer as comunidades, tradicionais e indígenas, como os grandes protagonistas. Senti muito orgulho de estar nesses últimos dias com cada uma e cada uma, na luta pela conservação da cultura e da natureza. Temos que ter humildade de saber quem são os donos reais desse território e quem pode agir para garantir o futuro de regiões tão importantes para o Brasil e para o mundo”, conclui.
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