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OPINIÃO Quarta-feira, 29 de Janeiro de 2025, 08:28 - A | A

29 de Janeiro de 2025, 08h:28 - A | A

OPINIÃO / CARLA LEAL

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo: alguns avanços, mas muito a ser feito

CARLA REITA FARIA LEAL E LÉCIA FERREIRA TAQUES



Desde 2009, no dia 28 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, instituído pela Lei n.º 12.064 do mesmo ano. O dia em questão foi escolhido em homenagem a Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e Aílton Pereira de Oliveira, três auditores fiscais do trabalho e o motorista da equipe, que foram mortos a tiros em uma emboscada ocorrida nesta data no ano de 2004, quando estavam apurando denúncias de trabalho escravo na zona rural do município de Unaí-MG, ocorrência que ficou conhecida como a “Chacina de Unaí”.

Infelizmente, o trabalho escravo contemporâneo não é uma realidade apenas no Brasil. Estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Walk Free e Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que em 2021 havia 49,6 milhões de pessoas em situação de escravidão contemporânea no mundo, sendo aí incluídos as pessoas submetidas à trabalho forçado e a casamentos forçados, números que têm crescido a cada ano.

A realidade brasileira não destoa do cenário internacional. Dados da ferramenta Radar SIT, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que integra a estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego, apontam que desde 1995 foram encontrados 63.516 em condições análogas à de escravo no território nacional, sendo 6.240 no estado de Mato Grosso, ou seja, quase 10% do número total. Por outro lado, em 2023, foram resgatados 3.240 trabalhadores em condições análogas à de escravo, o maior número nos últimos 14 anos.

Com uma legislação considerada avançada em relação ao restante do mundo, o conceito de trabalho em condições análogas à de escravo brasileiro está descrito no artigo 149 do Código Penal, o qual prevê pena de dois a oito anos para quem submeter pessoa a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitá-la a condições degradantes de trabalho ou restringir, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. São condutas equiparadas para a finalidade de configuração do crime em questão o cerceio de uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador, o uso de vigilância ostensiva no local de trabalho e a retenção de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, tudo isso com o fim de retê-lo no local de trabalho. O legislador também teve o cuidado de prever o aumento da pena pela metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

As vítimas do trabalho escravo contemporâneo no Brasil são, em sua grande maioria, migrantes internos, em situação de grande vulnerabilidade econômica e social, que partem para regiões de expansão agrícola em busca de trabalho em atividades como lavoura, pecuária, produção de carvão e desmatamento. Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de pessoas, mantido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e OIT, apontam que dos trabalhadores resgatados ao longo do tempo 61,8% eram trabalhadores agropecuários em geral, sendo que os setores econômicos mais frequentemente envolvidos são os de criação de bovinos, cultivo de cana de açúcar, produção florestal, cultivo de café e fabricação de álcool.

Desde que Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, reconheceu, em 1995, a ocorrência de trabalho escravo contemporâneo no território brasileiro, várias políticas públicas vêm sendo implementadas para combatê-lo. É exemplo desse esforço a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), no âmbito da Secretaria de Inspeção do do Trabalho, do Ministério do Trabalho, o qual busca resgatar trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravo e é integrado por auditores fiscais do trabalho, mas que também conta em suas diligências com membros do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Defensoria Pública da União, entre outros.

A criação e a implementação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e das Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAEs), bem como da discussão, aprovação e implantação de Planos Nacionais e Estaduais de Erradicação do Trabalho Escravo, os quais traçam diretrizes para as ações de prevenção e repressão ao crime, também são dignos de nota e exemplos de políticas públicas na temática.

Ademais, desde 2004 foi implementado, pelo Governo Federal, o Cadastro de Empregadores Infratores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, conhecido popularmente como “lista suja”, que semestralmente é publicada. As pessoas físicas ou jurídicas que constem na “lista suja” ficam impedidas de terem acesso a créditos públicos ou de realizarem negócios com órgãos estatais. Empresas do setor privado também têm utilizado tal ferramenta para escolher os seus fornecedores e parceiros comerciais.

Houve também a aprovação da Emenda Constitucional n.º 81/2014, que alterou o texto do artigo 243 da Constituição Federal, para determinar a expropriação de imóveis urbanos e rurais onde for encontrado trabalho escravo contemporâneo, destinando-se as propriedades para reforma agrária ou programas de habitação popular, a qual, entretanto, se encontra aguardando regulamentação há mais de 10 anos.

Há de se louvar a criação do Sistema Ipê, plataforma que recebe denúncias sobre trabalho escravo e as direciona para apuração, bem como a elaboração do Fluxo Nacional de Assistência às Vítimas de Trabalho Escravo, em que é organizado o atendimento pós-resgate dos trabalhadores, definindo-se as tarefas de cada ente envolvido na assistência aos trabalhadores resgatados.

Fica evidente que ao longo dos últimos 30 anos muito se avançou no combate ao trabalho escravo contemporâneo no país, entretanto, os esforços implementados não têm sido suficientes para a erradicação de tal prática que tanto viola a dignidade dos seres humanos a ela submetidos.
Assim, nessa data tão significativa, registra-se a necessidade de continuarmos a avançar: que o combate à submissão a condições análogas à de escravo seja uma política de Estado e não de Governo; que não dependa da boa vontade daquele que está na Administração Pública naquele momento e sim seja perene; que a sociedade se envolva em tal tarefa, cobrando das empresas e dos governos ações que realmente levem ao fim dessa prática odiosa, em especial aquelas que tirem as potenciais vítimas do estado de vulnerabilidade que facilita a sua cooptação; que as empresas façam a sua parte, realizando a devida diligência em toda sua cadeia produtiva, vigiando e recusando-se a fazer negócios com quem escraviza seres humanos; e, por fim, que os consumidores também se engajem nessa luta, deixando de adquirir produtos de quem explora os trabalhadores a ponto de transformá-los em coisas.

Eratóstenes, João Batista, Nelson e Aílton, PRESENTES!

*Carla Reita Faria Leal e Lécia Nidia Ferreira Taques são membros do grupo de pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT (GPMAT) e da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE/MT), representando, respectivamente, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB/MT).

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