ALLAN PEREIRA
Da Redação
"Faz o 'L' agora", "vai estudar com Lula na cadeia", "anda ligeiro que dá tempo". Esses foram alguns dos comentários e deboches ouvidos por alguns dos estudantes, que tiveram que andar 5 km a pé até o local de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na cidade de Querência (a 981 km de Cuiabá), neste domingo (20). Eles foram impedidos de entrar na cidade do município, após cerca de duas horas de viagem, por manifestantes que não aceitam os resultados das urnas presidenciais.
Uma das estudantes ouvidas pelo MidiaJur, que estava no ônibus, denuncia ainda uma possível tentativa de intimidação ou ameaça quando fazia o percurso a pé. Ela estava acompanhada de uma prima e alguns amigos. "Por volta de três ou quatro quilômetros, um motorista buzinou e fez que ia jogar a Hillux branca. Assustou a gente", disse.
Ela e o pai de outra estudante entrevistado pela reportagem, que preferirm não se identificar por temer retaliações, relatam que os alunos se sentiram constrangidos por serem impedidos de seguir viagem, de ter andado sob forte e, principalmente, de serem alvos dos xingamentos e humilhações por vários adultos. Inclusive, alguns estavam armados, segundo relato dos personagens. Com exceção de uma professora e do motorista do ônibus, não havia outros maiores de idade.
Leia mais:
Estudantes são obrigados a andar 5 km para fazer Enem após discussão em bloqueio
PRF diz que suspeitos tentaram derrubar pontes
"Ficamos costrangidos por andar a pé. Um homem falou rindo que 'anda ligeiro que dá tempo', outro que 'vai estudar na cadeia com Lula'. Teve muitos xingamentos também. Não podíamos fazer nada. Nossa opção era ficarmos calados e seguir andando", disse a estudante.
Os alunos também contam que se sentiram prejudicados em fazer a prova. Eles relatam que as ofensas tiveram um efeito direto sobre seu psicológico e ficaram mais nervosos para fazer o exame. O pai da candidata ouvido pelo MidiaJur diz que vai culpar os manifestantes se algum aluno não conseguir sair com um bom desempenho.
“O Enem é um sonho. Muitos são de baixa renda e o Enem é a porta de entrada para a universidade pública. O fato de serem xingados e andarem a pé naturalmente abala o psicológico deles. O sentimento, como pai, é de revolta. No meu coração, se algum aluno não se sair bem na prova, eu vou culpar esses criminosos aí”, diz.
Ele e a estudante disseram que não vão denunciar ou entrar na Justiça contra os manifestantes por não possuírem condição financeira de pagar um advogado.
O sentimento, como pai, é de revolta. No meu coração, se algum aluno não se sair bem na prova, eu vou culpar esses criminosos aí
Conforme publicado pelo MidiaJur, os manifestantes impediram a passagem do ônibus com alunos e candidatos de Bom Jesus do Araguaia, depois que um dos adolescentes fez um “L” com a mão. O gesto é referência principal ao presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT). Os manifestantes não aceitam a vitória do petista e pedem intervenção das Forças Armadas em atos de bloqueios às rodovias federais.
Além de alunos de Bom Jesus de Araguaia, candidatos das cidades de Nova Nazaré e Cocalinho que foram fazer a prova em Água Boa também foram impedidos de passar pelo bloqueio pelos manifestantes.
Dia da prova - Os estudantes contam que o motorista do ônibus iniciou o trajeto ainda na madrugada de domingo. Primeiro, ele foi pegar alguns alunos que moram em fazendas e assentamentos rurais, que precisaram acordar 4h da manhã. Chovia forte no momento.
Após pegar os alunos da área rural, o motorista se dirigiu a cidade de Bom Jesus do Araguaia para pegar o restante dos estudantes. A distância do município para Querência é de 150 km. A viagem dura cerca de duas horas.
O ônibus chegou no bloqueio na entrada do município de Querência, na MT-242, por volta das 10h. A princípio, os manifestantes não deixaram o veículo com estudantes passar. Mas, após a Diretora Regional de Educação de Querência entrar no ônibus para tranquilizá-los, a profissional de educação foi conversar com os manifestantes e conseguiu autorização para permitir a passagem dos candidatos do Enem.
Durante a passagem do ônibus, um dos alunos e candidatos fez o “L” com as mãos, o que causou revolta nos manifestantes. Os personagens ouvidos pelo MidiaJur relatam que os manifestantes se colocaram na frente do ônibus e mandaram o veículo voltar para trás. O ônibus não conseguiu passar mais pelo bloqueio.
Nossa opção era ficar calado”
Os alunos relatam que, por desespero e por temerem perder a prova, resolveram descer do ônibus e completar o restante da viagem a pé. Após passar pelo manifestante, os menores de idade disseram que foram alvos de muitos xingamentos. “Nossa opção era ficar calado”, diz.
A estudante de 17 anos, que foi a primeira vez que fez o Enem, relata que ela, uma prima sua e alguns amigos tiveram que andar 5km. Foram de cerca de meia hora de percurso sob sol forte.
Alguns alunos do ônibus conseguiram carona com um homem, morador de Querência, que se apiedou da condição dos estudantes. A estudante contou que ele tinha um filho que estava fazendo o Enem e ficou com dó de ver os alunos andando. Ele conseguiu levar mais de um grupo.
Alunos podem pedir reaplicação de prova - Em nota de esclarecimento, a Diretoria Regional de Educação de Querência orienta "qualquer aluno que se sentir prejudicado, pode solicitar a reaplicação da prova à Cesgranio, bem como, seus responsáveis registrarem boletim de ocorrência sobre o fato".
Atos antidemocráticos - As manifestações se intensificaram no final desta semana depois que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, bloqueou contas de empresas e empresários supostamente responsáveis por financiar os atos que pedem "intervenção federal" contra o resultado das urnas.
Alexandre chegou a citar a preocupação de que estudantes não conseguissem fazer as provas do Enem, para ressaltar ainda que o direito para manifestações e greve são garantidos como princípio basilar do Estado Democrático e da Constituição Federal, mas que os movimentos dos grupos bolsonaristas não podem impedir o exercício do restante da sociedade de acessar aos seus próprios direitos fundamentais.
Até a manhã desta segunda-feira (21), haviam vinte pontos de bloqueias de rodovias federais em Mato Grosso, segundo informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da concessionária Rota do Oeste. Contudo, operações policiais para desbloqueio das vias estão sendo realizadas desde a tarde desta segunda. Assim, o número de interdições pode ser menor nesta terça (22).
Quer receber notícias no seu celular? Participe do nosso grupo do WhatsApp clicando aqui .
Tem alguma denúncia para ser feita? Salve o número e entre em contato com o canal de denúncias do Midiajur pelo WhatsApp: (65) 993414107. A reportagem garante o sigilo da fonte.