LUCAS RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Doze desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso votaram por condenar o juiz Paulo Martini, da 1ª Vara de Sinop (477 km de Cuiabá), com a perda do cargo e duas penas restritivas de direito, em razão da suposta prática de corrupção passiva.
O julgamento, no entanto, foi adiado pela segunda vez em razão do pedido de vistas do desembargador Rubens de Oliveira.
Paulo Martini é acusado pelo Ministério Público Estadual (MPE) de ter pedido um trator agrícola e R$ 7 mil em dinheiro ao advogado Celso Souza, em troca de decisões favoráveis em processos defendidos pelo profissional.
Na sessão realizada na tarde desta quinta-feira (28), mais três desembargadores votaram pela punição do magistrado.
O desembargador Sebastião Barbosa Farias, que havia pedido vistas na sessão de novembro de 2015, avaliou que, com base nas provas contidas na ação, não há “como não
Não existe prova de que ele tenha recebido vantagem para impulsionar qualquer processo. Não se pode condenar por ouvir dizer algo
acatar os termos da denúncia”.
Além dele, votaram pela punição a relatora da ação, desembargadora Maria Aparecida Ribeiro, e os desembargadores Gilberto Giraldelli, Nilza Maria Pôssas de Carvalho, José Zuquim, Guiomar Teodoro, Luiz Ferreira, Alberto Ferreira, Maria Erotides Kneip, Luiz Carlos da Costa, Serly Marcondes e Paulo da Cunha.
Eles votaram por decretar, além da perda do cargo, pena de dois anos e sete meses de prisão, substituída por duas penas restritivas de direito.
Caso Paulo Martini seja condenado, ele não terá direito ao benefício da aposentadoria compulsória, uma vez que se trata de ação penal e não de processo disciplinar.
Divergência
Já o desembargador Sebastião de Moraes teve entendimento contrário e se manifestou pela absolvição do juiz de Sinop.
Segundo Moraes, para haver a condenação deve existir uma prova “clara, precisa, e que traga o selo imbatível da verdade, situação não ostentada pelo Ministério Público”.
O magistrado citou depoimentos de diversas testemunhas e concluiu que o advogado denunciante e a testemunha de acusação tinham problemas pessoais com o juiz.
Moraes ainda leu trechos de depoimentos de testemunhas que disseram ter sido convidados para integrar um grupo que tinha como finalidade afastar o juiz da comarca.
“Não existe prova de pagamento em dinheiro ou solicitação. Não existe prova de que ele tenha recebido vantagem para impulsionar qualquer processo. Não se pode condenar por ouvir dizer algo”, votou Sebastião, sendo acompanhado pelo desembargador Pedro Sakamoto.
Suposta corrupção
De acordo com a denúncia do MPE, o crime teria ocorrido em janeiro de 2004, ocasião em que o advogado Celso Souza foi ao gabinete do juiz, acompanhado de um colega, para falar sobre um pedido liminar (provisório) de seus clientes, relativo a um mandado de busca e apreensão de maquinários agrícolas.
Após os advogados saírem da sala, o juiz teria ido ao corredor e pedido que Celso Souza – sozinho – retornasse ao gabinete.
O advogado teria voltado à sala e, segundo a denúncia, o juiz solicitou um trator avaliado em R$ 30 mil para conceder a liminar favorável aos clientes de Celso Souza, pedido que teria sido negado pelo advogado.
Ainda assim, o juiz supostamente disse que daria a decisão favorável, o que acabou por ocorrer dias depois.
Na mesma época, Paulo Martini também teria ligado ao celular do advogado e solicitado que o mesmo fosse ao gabinete para discutir outro processo, tendo, em tese, oferecido decisão favorável em troca de R$ 7 mil.
Com as negativas por parte do advogado, de acordo com o MPE, o juiz passou a ligar para Celso Souza, que não atendeu Paulo Martini. Após, o juiz teria chegado a cobrar o advogado no Fórum, dando a entender que poderia rever a decisão liminar caso o mesmo não entregasse o trator em sua fazenda.
O MPE relatou que a quebra do sigilo telefônico comprovou as ligações feitas do celular do juiz ao celular do advogado.
O órgão ainda refutou a tese do juiz de que um assessor teria usado o celular para ligar para o advogado, no intuito de adiantar uma audiência.
“Porque não foi produzida uma prova muito fácil de ser obtida, de que os tribunais fixos do fórum de Sinop não faziam ligações interurbanas ou para celulares? Bastaria uma mera certidão do fórum da comarca de Sinop. O processo tem anos de tramitação, vários volumes, e não há essa certidão”, alegou o MPE.
“Se fosse verdadeira essa premissa, por certo o magistrado e sua defesa iriam apontar varias outras ligações telefônicas para celulares de outros causídicos que trabalhavam naquela comarca. Teriam, no mínimo, arrolado outros magistrados que judicassem na comarca de Sinop para comprovar que os telefones não fariam esse tipo de ligação”, acusou.
Além disso, os fatos teriam sido comprovados por testemunhas e advogados.
Ganho bem, tenho salário, bom, não preciso dessa porcaria de trator
Juiz negou
Em interrogatório, o juiz Paulo Martini atribuiu a acusação a uma perseguição de advogados que atuam na comarca.
“Ele inventou essa história toda para denegrir a minha imagem. Isso nunca existiu. Quem fez a ligação foi a minha assessoria, que usou meu celular”, defendeu.
“Esse advogado tem raiva de mim porque não pagava ninguém na comarca. Ele tem vários processos de execução e não paga”.
“Eu acredito que foi feito um acordo e criado uma situação para denegrir a minha imagem. Para me derrubar, me tirar da comarca [...] Ganho bem, tenho salário, bom, não preciso dessa porcaria de trator. Eu tenho arrendamento de terra, mas não fazenda”, disse Paulo Martini.
Desembargadora quer punição
Ao contrário do que defendeu o juiz Paulo Martini, a desembargadora Maria Aparecida Ribeiro entendeu que os elementos trazidos na ação confirmam a “solicitação de vantagem indevida” por parte de Paulo Martini.
“A versão apresentada na fase inquisitorial corrobora as demais provas apresentadas em juízo sobre a autoria e a materialidade da conduta do réu”, disse.
O réu tinha consciência da ilicitude quando solicitou vantagem indevida na forma de um trator e R$ 7 mil para deferir decisão liminar
Segundo Maria Aparecida, a comprovação das ligações, a confirmação das testemunhas e a falta de provas de que o Fórum de Sinop não realizava chamadas a telefones celulares evidenciam o suposto crime praticado pelo juiz.
“Não conseguiu comprovar o acusado de que o ramal do Fórum de Sinop não poderia fazer ligações ao celular do advogado. De modo que o réu tinha consciência da ilicitude quando solicitou vantagem indevida na forma de um trator e R$ 7 mil para deferir decisão liminar”, votou.
O desembargador Luiz Carlos da Costa, que também votou pela perda do cargo ao juiz, leu trechos do interrogatório de Paulo Martini, em que o juiz afirmou que, mesmo se condenado, o crime atribuído a ele supostamente já teria prescrito.
“Magistrado que se diz inocentado, injuriado, caluniado, tem como maior preocupação não lavar a sua honra, mas livrar-se da condenação pela prescrição? Indago: quem perseguiu o magistrado nesse tribunal? Qual foi a desembargadora ou desembargador que o perseguiu tanto? Após eu ter assumido nesse tribunal, eu não constatei qualquer perseguição”, criticou.
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