CECÍLIA NOBRE
Da Redação
O clima é um dos fatores que mais impacta a produção agrícola, visto que não pode ser controlado. Períodos de chuva e de estiagem são primordiais no resultado final da safra e ao enfrentar a seca ou o excesso de chuvas causa atrasos e, consequentemente, quedas na produção.
Mato Grosso, estado conhecido pelo clima quente, tem passado por adversidades onde o período de chuvas tem durado menos diante do fenômeno natural El Ñino, e também das mudanças climáticas causadas pela ação humana.
Em novembro de 2023, Cuiabá chegou a registrar 45 graus nos termômetros do centro da cidade, ficando entre os municípios mais quentes do planeta, de acordo com a ferramenta Hot Cities.
Desafios na lavoura
A cultura da soja e do milho sofrem com essas mudanças bruscas do clima. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), temperaturas do solo acima de 55 graus e sem a presença de chuvas podem afetar os grãos, desidratando-os ou forçando o crescimento da planta.
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Com a soja pode acontecer o encarquilhamento, também conhecido como enrugamento, uma deformação que está associada ao baixo crescimento da planta, podendo reduzir drasticamente a produção. Já o milho pode passar pela chamada síndrome do crescimento acelerado, deixando as folhas amareladas e retorcidas e que, embora não tenha um grande impacto na produção, pode atrasar o trabalho do produtor visto que gera variações no desenvolvimento da planta.
De acordo com as autoras do artigo "Importância do manejo de irrigação", Simone Norberto da Silva e Eletisanda das Neves, pesquisadoras da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), quando se pensa no uso racional de água, fala-se em agricultura sustentável e o conhecimento da umidade do solo é de grande importância. Nesse contexto, o manejo de irrigação entra como um fator preponderante.
"O fornecimento de água para as culturas passa a ser mais adequado desde que se conheça a necessidade hídrica das mesmas. Com isso evita-se o déficit hídrico ou mesmo o excesso contribuindo para a redução de gastos com água, energia e até mesmo mão de obra", destacam as pesquisadoras.
Para o professor e consultor do Instituto Mato-grossense de Feijão e Irrigação (Imafir-MT), Everardo Mantovani, a agricultura irrigada pode ajudar nesse enfrentamento da seca e garantir a produção da soja e do milho que, segundo ele, são fundamentais para a segurança alimentar.
“Quando o regime de chuva é alterado, você começa a ter risco na produção. É o que está acontecendo em Mato Grosso. Em muitas regiões, as chuvas estão se concentrando, ou seja, a quantidade é a mesma, mas num período menor, muitas vezes atrasando a primeira safra, prejudicando uma segunda safra e diminuindo a produção”, destacou Mantovani.
De acordo com o professor, a irrigação sempre esteve ligada ao desenvolvimento dos povos, sendo uma técnica milenar, que foi utilizada pelos egípcios e mesopotâmicos, que usavam essa tecnologia na beirada dos rios. Aos poucos, o conhecimento foi ganhando produtores do mundo todo.
“No início, a irrigação no Brasil estava muito conectada à luta contra a seca, porque era muito trabalhoso, com sistemas caros, então você só utilizava naqueles locais que não tinha outra maneira de produzir. Atualmente nós temos sistemas modernos que deixaram de ser uma luta contra a seca para ser um instrumento de potencializar a produção e diminuir as perdas”, afirmou Mantovani.
Everardo disse ainda que existem diversos tipos de sistema de irrigação automáticos sendo eles: o pivô central; a irrigação localizada por gotejamento; a microaspersão e a aspersão convencional, como o carretel, que, segundo Mantovani, são equipamentos construídos para facilitar a vida do produtor.
“Sem dúvida nenhuma, a agricultura irrigada é muito importante nas mudanças climáticas para ajudar a potencializar a produção”, afirmou.
Possibilidade de "controlar o clima"
Para o diretor administrativo da Associação dos Produtores de Soja, Milho, Sorgo e outros Grãos de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Diego Bertuol, a técnica de manejo de irrigação é vantajosa devido a possibilidade de “controle do clima” ao acompanhar o desenvolvimento da lavoura e poder utilizar da técnica rotineiramente ou quando necessário.
“E também vemos a tranquilidade que o produtor tem de quando passa por um veranico um pouco mais longo, onde ele consegue equilibrar o clima. Esse ano tivemos uma seca, então os produtores que têm esse método de irrigação conseguiram ter uma produtividade boa”, afirmou o diretor.
Sem dúvida nenhuma, a agricultura irrigada é muito importante nas mudanças climáticas para ajudar a potencializar a produção
Para ele, atualmente vemos cada vez mais o encurtamento das chuvas, por isso os produtores que pensam em colocar a irrigação na lavoura a fazem não para conseguir uma terceira safra e sim para garantir a primeira e a segunda safra.
Bertuol afirmou ainda que, diante desse período mais curto das chuvas em Mato Grosso, o produtor consegue trazer equilíbrio na lavoura ao possuir essa tecnologia na propriedade, visto que pode aprimorar o uso de adubação fazendo o processo de maneira correta, eficiente e segura na lavoura.
“Quem tem essa técnica na fazenda consegue ter produções melhores ou normais. Hoje nós temos em Mato Grosso cerca de 1.200 propriedades, que fazem uso, isso dá mais ou menos 204 mil hectares, o que é muito pouco quando nós falamos dos 12 milhões de hectares que plantamos no estado”, destacou Bertuol.
De acordo com Hugo Henrique Garcia, produtor rural e presidente da Associação dos Produtores de Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigantes de Mato Grosso (Aprofir), o custo, em média, do pivô central de irrigação, está na média de R$ 25 mil por hectare implantado, sendo este o valor total, desde o projeto, a outorga e a instalação.
Segundo Garcia, os mais de 200 mil hectares de áreas irrigadas no estado são por meio do sistema de pivô central. Para ele, essa técnica possui segurança e eficiência na produção, além de possuir um retorno financeiro que possibilita a melhoria no crédito dos bancos, já que, segundo o presidente, “o irrigante é um tomador de dinheiro que traz mais segurança aos órgãos financiadores”.
Quanto ao seu funcionamento, o pivô central realiza a irrigação através de uma torre, que possui uma estrutura suspensa, girando e irrigando a plantação. O equipamento possui motor e rodas para que o deslocamento seja mais fácil.
Alex Pereira
Registro de perto de um pivô central em funcionamento.
A produção na prática
Para o engenheiro agrônomo e produtor rural na Fazenda Jaçanã, em Sorriso, Rodrigo Pozzobon, outra vantagem do uso da irrigação é permitir a terceira safra de modo que não seja necessário fazer aquisição de novas áreas.
“Eu diria que aqui na região de Sorriso hoje está praticamente inviável. A gente tem preços que tem um retorno de negócio extremamente longo. Então, isso já não tem mais uma viabilidade palpável. Por isso acabamos optando por irrigação, visto que é uma forma de aumentar a rentabilidade do nosso negócio sobre a mesma área que já temos”, declarou Pozzobon.
Para ele, é vantajoso aumentar o número de produção de alimentos sobre a mesma área, visto que não há pressão para desmatamento, podendo utilizar a terra com os recursos que já possui, “diluindo o custo fixo nas lavouras”. Ele destacou ainda que, um dos produtos mais cultivados na terceira safra é o feijão, considerado um dos principais itens da cesta básica.
Quanto ao uso da água, o produtor afirmou que é racional onde 98% se infiltra no solo, depois evapora e mantém o ciclo da água. Quanto aos outros 2% é transformado no grão.
“Então isso nos traz uma viabilidade e, claro, também, ao longo do tempo, nos ajuda a garantir um pouco mais de produtividade de soja e de milho. No fim das contas, a cultura que está plantada embaixo do pivô tem um pouco mais de certeza de colheita. Ainda nos geram desafios, mas nos traz um pouco mais de certeza”, destacou o produtor.
Dificuldades da profissão
Pozzobon apontou ainda que o uso da técnica de irrigação tem muitas vantagens, mas que também há dificuldades. Para ele uma delas é manter um quadro de funcionários robusto já que o trabalho com irrigação é mais intenso, exigindo dos trabalhadores, que possuem poucos momentos de folga, além de trabalharem em períodos noturnos, já que é o horário que a energia elétrica é mais barata, permitindo ser mais rentável ao produtor quando liga o pivô central.
“O nível de atividade fica bem mais intenso então não são todos os produtores que topam isso ainda. Conversando com alguns produtores uma boa parte deles hoje não querem colocar irrigação porque dá trabalho, os pivôs rodam durante a noite em função do aproveitamento de água e a questão também econômica, energia no horário que é mais barata a noite. A gente roda fim de semana, roda o ano inteiro”, relatou Pozzobon.
Os produtores que pensam em colocar a irrigação na lavoura a fazem não para conseguir uma terceira safra e sim para garantir a primeira e a segunda safra
Outro ponto destacado pelo produtor rural é quanto ao cuidado necessário quando se fala na questão de diminuição de chuvas e o uso da irrigação.
“Temos que ter consciência, caso a irrigação se torne algo permanente, pois teremos que extrair um fluxo menor de água dos rios, caso contrário o sistema terá uma deficiência, entrando menos água e demorando muito mais. Temos que estudar certinho e entender perfeitamente, porque não podemos, de forma alguma matar o curso dos rios e nem usar uma água que trará prejuízos”, concluiu.
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