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OPINIÃO Segunda-feira, 24 de Agosto de 2015, 09:38 - A | A

24 de Agosto de 2015, 09h:38 - A | A

OPINIÃO / FERNANDO SOUBHIA

Audiências de Custódia em MT

Balanço dos primeiros 15 dias

*FERNANDO ANTUNES SOUBHIA



Como já foi noticiado, a Audiência de Custódia pode ser definida como a solenidade onde o preso em flagrante é conduzido à presença de um Juiz para que este decida se existe fundamento para que seja decretada a prisão preventiva daquele.

Essa condução sem demora à presença de um Juiz decorre da aplicação direta do Pacto de São José da Costa Rica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[1], de modo que a aparente falta de previsão em nosso sistema legal não pode obstruir o exercício de tal direito.

Diante disso, o Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso firmou o Termo de Cooperação Técnica n.07/2015[2] com as Secretarias de Segurança Pública e de Justiça e Direitos Humanos, implantando em nosso Estado o “Projeto Audiência de Custódia”.

Passadas quase 3 semanas, os números são bons, apesar da crítica de alguns setores[3].

Vejamos.

Entre 28.07.2015 e 18.08.2015 foram realizadas 132 Audiências de Custódia.

No curso dessas 132 Audiências, foram decretadas 48 Prisões Preventivas, o que representa, aproximadamente, 37%.

Como nosso sistema processual não trabalha mais com a dualidade “prisão x liberdade”, a análise dos dados restantes deve ser feita de forma um pouco mais detalhada do que tem sido realizado pela mídia, para poder efetivamente informar, ao invés de simplesmente polemizar.

Segundo os dados oficiais, nesses 15 dias, além das prisões decretadas, foram relaxadas 9 prisões consideradas ilegais (7%) e foi concedida Liberdade Provisória a 8 flagranteados (6%).

Nos demais casos - 50% - foram fixadas medidas cautelares diversas da prisão, entre as quais, 33 (25% do total) tornozeleiras eletrônicas aliadas a outras medidas restritivas.

Assim, verifica-se que, em realidade, apenas 6% dos presos em flagrante foram efetivamente postos em liberdade de forma plena. 37% foi recolhido ao sistema penitenciário preventivamente e à 50% foi determinada alguma(s) medida(s) cautelar(es) diversa(s) da prisão.

Nos crimes considerados “graves” – roubo, latrocínio, tentativa de homicídio e estupro de vulnerável[4] - o percentual inverte, passando a prisão preventiva a representar 60%.

Nesse momento é importante destacar o óbvio: prisão antes da sentença condenatória é, e sempre deverá ser, exceção. Não importa se o crime é grave ou não.

Há muito Goldschmidt ensinava que se o processo penal é o termômetro dos elementos democráticos e autoritários de uma constituição, a presunção de inocência certamente constitui o maior ponto de tensão entre eles.

E não há melhor forma de se prestar homenagem ao princípio da presunção de inocência do que respeitar a estrita cautelaridade da prisão antes do decisão condenatória. Isso significa que a prisão preventiva deve ser decretada apenas quando a pessoa representa um risco à produção probatória ou à aplicação da lei penal e quando houver risco de reiteração delitiva[6].

Opinião pública, sensação de impunidade ou credibilidade das instituições de segurança nada tem de cautelaridade. Claro que a população quer bandido na cadeia. Todo mundo quer. Mas existem regras, formas e procedimentos para que esse resultado seja alcançado. O Estado que depende da prisão sumária e indiscriminada de seus cidadãos para passar uma imagem de eficiência não pode ser considerado Democrático de Direito. Alias, malemá pode ser considerado "Estado".

A bem da verdade, se prisão fosse solução para aumento da violência, o Brasil seria um dos países com os menores índices de criminalidade do mundo, uma vez que, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça[7], até junho de 2014 o Brasil era detentor da 4a maior população carcerária do mundo – 563.526 – ficando atrás apenas da Russia, China e Estados Unidos.

Em termos de crescimento do numero de pessoas presas, o Brasil salta da 4a para a 1a posição, já que nos últimos 20 anos praticamente quadruplicamos nossa população carcerária, saindo de 148.000 em 1995 para as referidas 563.000 em 2014.[8]

A Audiência de Custódia, diferente do que já li e ouvi dizerem, não se destina à diminuição do número de prisões cautelares. Isso é uma simplificação maniqueísta.

A redução da população carcerária e a consequente economia aos cofres públicos – estimada em R$ 4,3 Bilhões pelo Ministro Lewandowski[9] - são consequências positivas muito bem vindas, mas não constituem o objetivo central do ato.

A audiência de custódia visa possibilitar a análise mais aprofundada dos requisitos e fundamentos que determinariam a decretação da prisão preventiva de um flagranteado.

Isso porque, ao ouvir o preso pessoalmente, permitindo um breve contraditório, com manifestação do Ministério Público e de seu Defensor, o Juiz poderá analisar melhor se, como dito, a pessoa representa um risco à produção probatória ou à aplicação da lei penal e se há elementos que permitam concluir que o flagranteado, solto, voltará a praticar crimes.

Se houve uma diminuição no percentual de prisões decretadas, ficará provado que os requisitos legais não eram analisados de forma aprofundada o suficiente.

O fato é que a Audiência de Custódia constitui um avanço civilizatório no processo penal brasileiro e, como toda mudança, enfrenta e continuará enfrentando resistência daqueles satisfeitos ou acostumados com o estado das coisas.

Fernando Antunes Soubhia é defensor público e atua em Barra do Bugres


[1] O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo direito interno Brasileiro pelo Decreto 592/92, dispõe que qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções(Art. 9, 3)

No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos, internalizada pelo Decreto 678/92, prevêque toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (art. 7º, 5).

Não custa lembrar que após o julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal reconhece que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem status infraconstitucional, mas supralegal.

[2] De acordo com a Resolução n. 09/2015/TP tais audiências são da competência da 11a Vara Criminal da Comarca da Capital e, com a publicação do Provimento 14/2015/CM, o procedimento foi efetivamente regulamentado e as Audiências de Custódia encontram-se em pleno funcionamento.

[3] http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/9/materia/455486/t/audiencias-liberam-65-dos-presos-em-flagrante-

[4] O tráfico de drogas foi deixado de fora pois a maioria dos presos em flagrante atendiam ao disposto no art. 33, §4o, da Lei de Drogas

[5] Esse mesmo questionamento foi realizado no ultimo relatório apresentado pelo grupo de trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU[5], que apontou expressamente (tradução livre): Embora o sistema de justiça criminal brasileiro trabalhe sobre matizes garantistas, a decretação da prisão cautelar continua sendo amplamente assumida pelo Judiciário local sem maiores reflexões. (...) A presunção de inocência consagrada na Constituição parece ser uma prática abandonada pelos Juízes, que recorrem em muitos momentos à prisão cautelar como primeira medida. (Report of the Working Group on Arbitrary Detention on its visit to Brazil.disponível em )

[6] Existem ainda duas situações especiais que fogem à noção básica de cautelaridade: 1) descumprimento de medidas protetivas e; 2) dificuldades na identificação civil do flagranteado.

[7] Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil . Disponível em . Acesso em 16.03.2015

[8] Segundo o professor Juarez Cirino dos Santos, somos o país que mais cresce numericamente em termos de encarceramento e fazemos isso sem voltar os olhos para a fonte da criminalidade. Entrevista publicada em 15.07.2012 no Jornal “A folha de Londrina”

[9] http://www.tjmt.jus.br/noticias/40483#.VdPiNItjfYp

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