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JUSTIÇA Quinta-feira, 09 de Janeiro de 2025, 10:35 - A | A

09 de Janeiro de 2025, 10h:35 - A | A

JUSTIÇA / DEU NO UOL - CASO ZAMPIERI

PF vê suspeita de corrupção e vazamentos em 14 processos do STJ

Investigação tem como base diálogos encontrados no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023

UOL



A Polícia Federal apontou suspeita de irregularidades e possíveis crimes em ao menos 14 processos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ainda não descartou o envolvimento de ministros no esquema. Já foram pedidos a prisão de um lobista e o afastamento de cinco servidores.

O delegado Marco Bontempo listou os processos suspeitos ao determinar a operação da PF. A investigação teve como base análise feita pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de diálogos encontrados no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023 em Mato Grosso, além de sindicâncias internas do próprio STJ.

A investigação foca em processos nos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes. A operação foi autorizada em novembro de 2023. Com anuência do ministro Cristiano Zanin, do STF, foi preso o empresário e lobista Andreson Gonçalves e foram afastados da função três dos cinco servidores do STJ listados pela PF.

Nenhum ministro do STJ é investigado. Suspeitas até o momento recaem sobre assessores que atuaram nos gabinetes deles. Nem todos os servidores que estariam envolvidos foram identificados pela PF e não foi descartado o envolvimento de ministros pelo fato de apenas uma amostra das conversas ter sido avaliada no inquérito até agora. O STJ foi procurado pela reportagem, mas não comentou sobre o caso.

Processos incluem ações de multinacionais e bancos. Na lista, estão um processo da Du Pont do Brasil, gigante do setor químico, uma ação envolvendo a J&F, holding que controla a JBS, e processos envolvendo os bancos Bradesco, Santander e Nossa Caixa (que foi incorporada ao Banco do Brasil em 2009).

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Os 14 processos são divididos em 12 hipóteses criminais. A PF elencou em quais casos há indícios de corrupção e também de outras irregularidades, como antecipação de decisões e vazamento de documentos sigilosos (violação de sigilo funcional). A PF não faz acusações contra as empresas envolvidas nas ações nem contra outros advogados que atuaram nelas. Os crimes cometidos seriam de corrupção passiva e ativa, exploração de prestígio e violação de sigilo funcional. Em alguns processos, há suspeita de mais de um crime.

A PF indica que pode haver irregularidades em mais processos. Ações foram levantadas por "amostragem" das conversas de WhatsApp mantidas por Zampieri com o lobista.

"Nesse ponto, consigna-se que apenas uma pequena fração dos dados extraídos do celular da vítima Roberto Zampieri foram analisados pela equipe policial, haja vista a recente retomada das análises. Logo, seria por demais incauto descartar, de plano, o envolvimento de juízes, desembargadores ou de ministros nos ilícitos criminais preliminarmente anunciados", diz trecho da representação do delegado Marco Bontempo que levou à operação da PF.

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Os processos do STJ nos quais a PF apontou suspeitas:

Gabinete da ministra Isabel Gallotti

REsp 1.584.111/MT - Processo envolvendo uma disputa de terra entre duas famílias em Mato Grosso. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional
REsp 1.829.667/MT - Processo da DuPont do Brasil contra cliente de Zampieri. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional
AREsp. 538382/SP - Processo de cliente contra o banco Nossa Caixa. Suspeita de exploração de prestígio e violação de sigilo funcional
AREsp 1376384/RS - Processo de cliente contra o banco Santander. Suspeita de exploração de prestígio e violação de sigilo funcional
AREsp. 1.714.650/MT - Processo do Bradesco contra empresário envolvendo contrato de fazenda em MT. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional.

Gabinete da ministra Nancy Andrighi

Agint no CC n. 171855/MS - Processo envolvendo a J&F. Suspeita de violação de sigilo funcional
CC n. 178847/MT - Processo envolvendo agropecuária de MT. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional
AREsp. N. 1.896.587/MT - Processo envolvendo disputa por compra de imóvel entre empresários de MT. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional
AREsp. 2316630/MT- Processo envolvendo disputa de empresa de MT. Suspeita de violação de sigilo funcional
AREsp. 2336672/MT - Processo envolvendo disputa de empresa de MT. Suspeita de violação de sigilo funcional.

Gabinete do ministro Og Fernandes

PBAC n. 10/DF - Processo da Operação Faroeste, que mirou esquema de corrupção no Tribunal de Justiça da Bahia. Suspeita de corrupção e violação de sigilo funcional.

Investigadores também não identificam quem teria pagado pelas decisões. Apontado com figura central no esquema, o lobista Andreson Gonçalves é o único suspeito de envolvimento em irregularidades em todos os 14 processos listados. Representação da PF junta mensagens que indicam pagamentos de até R$ 250 mil para servidores que teriam auxiliado o grupo criminoso, mas o delegado do caso não avança sobre os supostos pagamentos.

Empresário é o único preso até o momento. Ele não é formado em direito e, em sua empresa de transportes, a PF encontrou em novembro um notebook com documentos de decisões do STJ. O computador foi apreendido e levado para perícia. Sua esposa, Mirian Gonçalves, é advogada e foi alvo de buscas na operação. Ela teve o celular apreendido. Procurada, a defesa do casal não respondeu aos questionamentos da reportagem.

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Decisão pronta antes chegar a ministro

Em julho de 2020, Andreson encaminha uma minuta de decisão do ministro do STJ João Otávio Noronha. O documento indicava que um recurso do Bradesco contra um cliente de Zampieri seria negado.

O processo, porém, foi redistribuído para a ministra Isabel Gallotti antes de Noronha analisá-lo. Ela acabou decidindo o caso somente em setembro daquele ano, negando o recurso do Bradesco, mas, dois dias antes da decisão, Andreson já havia compartilhado a minuta com Zampieri.

Disputa milionária. Processo envolvia uma disputa entre o banco e um empresário pelo terreno de uma fazenda em Mato Grosso. O empresário adquiriu um terreno que havia sido alienado para o banco antes da venda e acusava a instituição financeira e os vendedores de terem dado um "golpe" nele em ação movida na primeira instância. O Bradesco pediu ao STJ para ser excluído da ação, o que não foi atendido em 2020.

O processo, porém, acabou sendo extinto em 2023. A Justiça de Mato Grosso acatou o argumento apresentado pelo banco de que o empresário não poderia questionar a alienação feita antes da venda. Apesar de não aparecer formalmente no processo, Zampieri indica em trocas de mensagens ter interesse na causa por parte do empresário e a PF aponta que a decisão atendeu ao interesse de Zampieri.

"A minuta de decisão (não assinada), enviada por Andreson, coincide exatamente com a decisão efetivamente proferida pela ministra Isabel Gallotti, fato esse que foi notado pelos interlocutores ('até a vírgula é igual'). Além disso, a decisão proferida atende aos interesses do advogado Roberto Zampieri, porquanto nega provimento ao recurso interposto pelo banco Bradesco", afirma Trecho da representação da PF.

Lobista falou em condenação mesmo com processo adiado

Em outro processo, a multinacional Du Pont recorreu ao STJ contra um cliente de Zampieri. Um empresário do setor agrícola conseguiu na Justiça estadual de Mato Grosso indenização por prejuízo em safra após utilizar um agrotóxico da Du Pont que não teria matado as pragas.

A empresa tentou questionar a condenação no STJ. Em março de 2020, antes de o caso ir a julgamento, Andreson foi cobrado por Zampieri para acompanhar o processo, pois os "honorários" já teriam sido pagos. O lobista responde ao advogado que a condenação seria mantida.

O julgamento acabou adiado devido à pandemia de covid-19, mas foi como lobista havia previsto. Em 20 de abril, a Quarta Turma do STJ rejeitou, por unanimidade, o recurso da Du Pont e manteve a condenação em uma sessão virtual. Depois disso, diálogos mostram Andreson cobrando o pagamento de Zampieri.

R$ 19 milhões para lobista em processo entre J&F e Eldorado

A PF cita ainda um processo envolvendo a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Como revelou o UOL em outubro, nesse processo Andreson afirmou a Zampieri ter recebido R$ 19 milhões, sem explicar de qual parte. Zampieri não aparece como advogado de ninguém no processo.

Caso trata de disputa de R$ 600 milhões envolvendo a Eldorado Celulose. Um grupo de Mato Grosso do Sul tentava anular, no Tribunal de Justiça do estado, aquisições da Eldorado que diluíram sua participação acionária na empresa.

A J&F, por sua vez, argumentava que caso deveria ser analisado na Justiça de São Paulo. A tese acabou sendo vencedora após a ministra Nancy Andrighi dar decisão mandando o caso ser julgado em São Paulo.

Andreson antecipou voto da ministra cinco dias antes de o processo ir a julgamento. Ele enviou documento a Zampieri em 13 de agosto de 2020. O caso foi julgado no dia 18 daquele mês.

J&F negou irregularidades e chamou o caso de "simples". "O conflito de competência foi suscitado pelo próprio TJ-MS, e não pela J&F. A Segunda Seção do STJ referendou a decisão citada de forma unânime, por 9 votos a zero, definindo a competência para julgamento da ação em São Paulo. Tratava-se de um caso simples: o contrato em disputa, o acordo de acionistas e a sede da empresa indicavam que o foro competente para o julgamento era a Justiça paulista. Posteriormente, a J&F venceu o processo em todas as instâncias. A J&F foi representada pelos advogados devidamente constituídos e nunca autorizou qualquer terceiro não constante dos autos a representá-la", afirmou a empresa, em nota.

Outro lado

Reportagem questionou os três ministros cujos gabinetes são investigados. Até o fechamento do texto, apenas a ministra Nancy Andrighi encaminhou resposta e disse que já prestou esclarecimentos sobre os processos mencionados. Ela afirmou ainda que os processos de responsabilização dos servidores envolvidos nos episódios estão em andamento.

"O Gabinete da Ministra Nancy Andrighi registra que já prestou informações à imprensa, no ano de 2024, sobre os processos apontados na reportagem e que os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar", afirma a nota.

 

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