LUCAS RODRIGUES
O presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público e também secretário-geral da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Vinícius Gahyva, acredita que o projeto de emenda constitucional 37 (PEC 37), que restringe o poder de investigação apenas às polícias Federal e Civil, é um retrocesso para a sociedade e pode, se aprovado, causar enormes danos, como o aumento da corrupção, injustiça social e impunidade.
“Essa proposta retira da sociedade os inúmeros mecanismos que ela tem à sua disposição no combate a violação dos direitos humanos, ao combate à corrupção e ao combate de outros crimes”, reitera.
A PEC 37, que já é conhecida como a “PEC da impunidade”, foi proposta pelo deputado Lourival Mendes, do Maranhão, ex-delegado da Polícia Civil. Para Gahyva, apesar das polícias Federal e Civil desempenharem um bom trabalho, esse projeto é inconstitucional e limita a investigação não só do Ministério Público, mas de várias outras instituições que muito contribuem para a fiscalização e efetivação da lei nos órgãos públicos, privados e em toda a sociedade.
“A quem interessa que os mecanismos de investigação sejam reduzidos a uma única instituição? Certamente, a uma classe minoritária que quer retirar uma garantia constitucional que é de todas as instâncias e de toda a sociedade”, critica.
Em entrevista ao MidiaJur, Vinícius Gahyva também falou sobre a atuação do Ministério Público de Mato Grosso na fiscalização da lei e sua gestão na presidência da AMMP.
Confira a entrevista na íntegra:
MidiaJur - Como o senhor analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que está sendo chamada de "PEC da impunidade"?
Vinícius Gahyva - A PEC 37 altera o artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil, estabelecendo a exclusividade da investigação criminal nas mãos da Polícia Civil e da Polícia Federal. A própria proposição em si já constitui uma contradição intrínseca, na medida em que, por exemplo, o artigo 129 da Constituição prevê expressamente o controle externo da atividade policial por parte do Ministério Público. Não se controla absolutamente nada se você não tiver mecanismos efetivos de acompanhamento, investigação e de controle desta atividade. Só aí já se percebe que há um contra-senso absurdo com relação a esta propositura que, aliás, foi feita pelo deputado Lourival Mendes, do PT do B do Maranhão, que é integrante da Polícia Civil daquele Estado.
MidiaJur – No dia 11 de dezembro, vai ser lançada uma campanha contra a PEC 37. Que tipo de trabalho a AMMP está desenvolvendo, uma vez que o senhor é ecretário-geral da Conamp?
Vinícius Gahyva – Na CONAMP, estamos fazendo um trabalho incessante em relação à PEC 37, e vamos enfrentá-la em âmbito nacional com esta campanha, com o apoio de inúmeros órgãos.
MidiaJur - E que danos esta proposta poderia causar à sociedade?
Vinícius Gahyva – A PEC 37 vai contra o interesse social. Ao restringir a investigação criminal às polícias Federal e Civil, retira não só a competência e atribuição do Ministério Público, mas de várias instâncias administrativas que lidam com a matéria investigatória. Por exemplo: se amanhã um órgão ambiental se depara com um dano ambiental, com uma conduta que contraria o ordenamento jurídico e esta conduta tem repercussão não só administrativa, como uma multa do Ibama, mas também cível, que pode desencadear uma ação dos órgãos legitimados como o MPE para a reparação do dano ambiental como também pode desencadear uma ação criminal, uma apuração pelo aspecto do direito penal. O que a polícia reivindica é exclusividade da repercussão criminal, quando nós sabemos que todas as repercussões estão intimamente entrelaçadas. Se amanhã o fiscal do SEMA se deparar com um transporte irregular de madeira, ele, que tem conhecimento e qualificação para apurar aquela conduta, investiga, colhe informações, faz a perícia e esse material pode ser mandado diretamente para o Ministério Público, e com a PEC 37 essa investigação não poderia ocorrer. Ela tira atribuições da inteligência fiscal, do COAFI, do Banco Central, das instâncias fiscais de modo geral que trabalham na área tributária com investigações em suas respectivas áreas. Se um agente público de Acorizal, por exemplo, pratica um ilícito. Este ato chega ao conhecimento dos diretores da Prefeitura e é montada uma comissão de sindicância. Essa comissão vai aprofundar e vai colher informações para comprovar ou não a ocorrência do ato de corrupção. Ou seja, estão investigando. Se concluírem pela ocorrência do crime, eles pegam o material investigado e encaminham para o MPE avaliar se os elementos de convicção colhidos são suficientes para que seja instaurado ou não uma ação penal. Ao vingar a PEC 37, isso jamais seria possível. Eles não poderiam sequer investigar, porque isso seria competência exclusivamente da polícia.
MidiaJur - A PEC 37 estaria então facilitando a corrupção?
Vinícius Gahyva – Essa proposta retira da sociedade os inúmeros mecanismos que ela tem à sua disposição no combate a violação dos direitos humanos, ao combate à corrupção e ao combate de outros crimes. O que o Ministério Público pretende é que se possa dar efetividade ao princípio da universalização das investigações. É inadmissível um retrocesso que em âmbito mundial nós só verificamos em países do nível de Uganda. Quem terá a responsabilidade de investigar os políticos com desvios de conduta? Aquela instituição vinculada hierarquicamente vinculada aos governos estaduais? Quem terá a responsabilidade de investigar policiais envolvidos em corrupção, atentados contra a vida e contra a dignidade humana? A própria polícia? Quem terá a responsabilidade de investigar delitos de alta complexidade além da estrutura policial? Vamos impedir a inteligência fiscal, o Banco Central e outros órgãos de investigar? Nos EUA e em diversos países da Europa, a polícia trabalha vinculada ao Ministério Público. No Brasil temos vários casos que, se não fosse a atuação do Ministério Público, as apurações não teriam ocorrido ou teriam ocorrido de acordo com interesses particulares ou políticos que são inerentes devido a natureza política da atividade policial. Se essa PEC for aprovada, imagine quantos processos serão anulados, quantos criminosos voltarão ás ruas e quanto vai aumentar tranquilamente à impunidade no Brasil. Deixo claro o relevante papel da polícia, mas ela não está imune a erros. A quem interessa que os mecanismos de investigação sejam reduzidos a uma única instituição? Certamente a uma classe minoritária que quer retirar uma garantia constitucional que é de todas as instâncias e de toda a sociedade. Aqui no Estado temos deputados federais que votaram a favor da PEC 37, o deputado Júlio Campos e o deputado Eliene Lima, em uma comissão especial montada na Câmara. Uma comissão formada por deputados reincidentes de alguma atuação do Ministério público e outros diretamente vinculados à classe dos delegados de polícia
MidiaJur – E as demais entidades, como OAB, Tribunal de Justiça, e tantos outros órgãos que podem ser afetados direta ou indiretamente pela PEC 37, estão tendo um posicionamento firme neste aspecto?
Vinícius Gahyva – Eu quero crer que, com o caminhar do processo legislativo desta emenda constitucional, cada vez mais estas instâncias vão se aperceber da relevância desta proposta e da disparidade com o ordenamento jurídico e retrocesso que ela representa.
MidiaJur – Assim como a Defensoria Pública e outros órgãos independentes, o Ministério Público sempre reclama do repasse orçamentário oferecido pelo Estado, que muitas vezes não supre as demandas que o órgão possui. O que ainda precisa ser feito para que haja uma maior conscientização dos governantes para um reajuste no orçamento do MPE?
Vinícius Gahyva – O Ministério Público a cada ano vem dando demonstrações claras da necessidade de se investir na defesa da sociedade. O MPE é um órgão dotado de autonomia administrativa e financeira e que demanda por parte do Estado de Mato Grosso, receber os devidos repasses para que a instituição possa dar cumprimento às suas metas, objetivos e o atendimento de sua finalidade constitucional. Mas nós sabemos que o Poder Executivo conta também com suas limitações, eles têm que gerenciar o orçamento para que possa dar cabo a outras demandas além do MPE, que estão sob responsabilidade deles, até sob pena do próprio Ministério Público vir a acioná-los pelo não cumprimento de outras necessidades, como na área de saúde, educação, segurança pública, saneamento básico.
MidiaJur – Como o senhor avalia a definição do nome do promotor Paulo Prado para procurador-geral de Justiça do Ministério Público na lista tríplice que será encaminhada ao governador Silval Barbosa para que ele defina e nomeie o novo gestor?
Vinícius Gahyva – Todos os candidatos tiveram oportunidade de expor e debater suas idéias e o dr. Paulo Prado conseguiu convencer a maioria de que tem as melhores propostas para o Ministério Público. A AMMP teve um papel importante neste processo, seja divulgando as propostas dos candidatos seja realizando quatro debates para a exposição de idéias e na colocação das propostas. Realizamos debates não só em Cuiabá, mas também no interior. O primeiro foi realizado em Cáceres, posteriormente em Sinop, Rondonópolis e em Cuiabá. Essa candidatura não se volta só para dentro da classe, ela se volta também para serviços que serão prestados pela chefia da instituição, pelo rumo que será dado ao órgão e pelo atendimento prestado para o nosso principal destinatário, que é a sociedade.
MidiaJur – E o senhor considera que o atual procurador-geral de Justiça, Marcelo Ferra de Carvalho, fez um bom trabalho à frente da entidade?
Vinícius Gahyva – Sim, ele teve um ótimo desempenho. Na minha avaliação foi uma administração sem maiores percalços, que se voltou muito para a efetivação da satisfação dos temas que interessam a sociedade e é algo que, da parte da AMMP, merece todos os elogios e reconhecimento de uma administração exituosa.
MidiaJur – Quanto a atuação do Ministério Público do Estado nos casos de maior repercussão midiática, como as últimas eleições e as obras da Copa, o senhor crê que o órgão está exercendo seu papel?
Vinícius Gahyva – Sim, até recentemente o Conselho Nacional do Ministério Público divulgou, no âmbito do Centro-Oeste, um comparativo da atuação dos Ministérios Públicos da região. E, Mato Grosso se destaca por organização, efetividade e por estar procurando, de acordo com suas possibilidades financeiras e orçamentárias, atender as demandas sociais que lhe são encaminhadas.
MidiaJur – Quais são os desafios para o próximo Procurador-Geral da Justiça?
Vinícius Gahyva – Os desafios são constantes. Este cargo demanda ter a incumbência, o mandamento republicano de promover justiça em um país como o Brasil. É algo que precisa de um enfrentamento das questões de interesse social, sob os seus vários aspectos. Não só no combate à criminalidade, mas na inclusão social, na efetivação e cumprimento das políticas públicas por parte do Estado e dos municípios e na efetivação do princípio da dignidade humana.
MidiaJur – Na sua gestão, o que o senhor acredita que pôde contribuir, sob a ótica de projetos e representatividade, para uma melhor atuação do MPE e também para a sociedade em geral?
Vinícius Gahyva – A AMMP tem um plano de atuação voltado para dentro da classe e também para fora da classe. No âmbito externo, a associação, em especial a presidência, tem a função de representar os membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Nós estabelecemos relacionamentos no âmbito do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário. Encaminhamos e criamos uma doutrina institucional voltada para o entendimento e colaboração para o atendimento à sociedade. Levamos uma agenda política ao longo deste ano, que é o chamado Projeto de Integração e Interiorização da AMMP, que apresentou para a classe política a chamada Proposta Republicana, uma proposta que cria um sistema efetivo de transparência e de metas e resultados a serem cumpridos por parte do Estado e que traz um retorno em termos de efetividade administrativa, ou seja, um padrão de eficiência muito satisfatória e que já está sendo implementada por vários municípios aqui de Mato Grosso.
MidiaJur – E o senhor acredita que existe harmonia na relação do MPE com outros órgãos como o Tribunal de Justiça, Câmara, OAB, Defensoria Pública?
Vinícius Gahyva – Há muitos pontos de consenso entre todas estas entidades. Temos tido um relacionamento muito cordial, respeitoso e independente de todas as partes.
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