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Entrevista Domingo, 20 de Abril de 2014, 10:57 - A | A

20 de Abril de 2014, 10h:57 - A | A

Entrevista / DIREITO À DIGNIDADE

Cuiabana luta há 2 anos por direito à mudança do sexo

Karen Cruz faz desabafo sobre processo em tramitação em Cuiabá, onde espera há dois anos por uma decisão judicial

LAICE SOUZA
DA REDAÇÃO



Uma cuiabana que reside na Itália aguarda que a Justiça mato-grossense decida se ela tem ou não o direito a modificar o nome e o gênero sem a realização de cirurgia de mudança de sexo. A batalha judicial começou há dois anos e, até o momento, a ação que tramita na 13ª Vara Cível da Capital não teve nenhuma decisão.

O processo de Karen da Cruz - nome pelo qual já é conhecida há 15 anos – está parado há um ano, sem que haja nenhum tipo de movimentação.

“Já tem mais de dois anos que entrei com essa ação e quero uma posição da excelentíssima juíza, porque já se passou bastante tempo e até então nada foi feito. Pediram pra mim todos os antecedentes criminais, inclusive da Interpol e nada constou, porque não tenho nenhum problema com a justiça. Apresentei também todos os laudos que me pediram, inclusive de psiquiatra atestando meu caso”, disse.

Recentemente Karen esteve no Brasil para ser ouvida no processo, a pedido da juíza substituta que estava jurisdicionando na vara onde a ação tramita. Ela iria depor juntamente com a mãe dela.

O pedido trouxe esperança de que poderia demonstrar, longe das páginas do processo, mas de forma real, o sofrimento e as dificuldades que enfrenta diariamente, por seu físico não condizer com o que está escrito em seus documentos de identificação.

Contudo, ao chegar a Cuiabá a juíza titular Sinii Savana Bosse Figueiredo já havia retornado a vara e "afirmado que não haveria necessidade de ouvir a mãe e a autora da ação".

“A excelentíssima juíza falou que não queria ouvir a gente porque já tinha tomado a decisão. Só que eu espero que a excelentíssima juíza não esteja tomando nenhuma decisão com base em religião, porque o nosso país é laico. O Brasil não tem religião e isso não deve ter nenhuma influência em qualquer decisão ou discurso do Estado”, ressaltou.

A indefinição sobre a situação de Karen traz angústia, principalmente, porque em todo o país decisões recentes têm reconhecido o direito que transexuais possam ter o nome e o gênero modificado sem a necessidade de se submeter a um procedimento cirúrgico, que pode, inclusive, causar a morte da paciente.

“Isso pode trazer consequências irreversíveis para a minha saúde. Além disso, não é a cirurgia que irá modificar quem eu sou”, afirmou.

Karen, que vive em Padova, norte da Itália, é casada e vive há 10 anos com seu marido no continente europeu. Eles se conheceram no Brasil durante um festival de dança e desde então vivem juntos. Questionada dos motivos que a levaram somente agora, com 34 anos, a solicitar no Judiciário o direito a escolher como quer ser vista pela sociedade, ela afirma que foi justamente para que não pairasse dúvida sobre a condição irreversível que sempre viveu.

“Eu não decidi isso hoje, isso é de anos. Eu só não entrei com esse processo antes porque com a idade que eu já estou eu achava que teria mais credibilidade, as pessoas veriam que eu já sei o que quero. Está sendo difícil, mas vou lutar até conseguir o meu objetivo. Eu não queria expor, por causa da minha família, mas sou uma cidadã brasileira, que paga impostos, inclusive altíssimos, porque tenho uma empresa no Brasil, e tenho direito como qualquer pessoa”, destacou.

Veja os melhores trechos da entrevista com Karen.

MidiaJur – Karen como está a sua expectativa quanto a esse processo?

Karen -
Como não é um caso único, espero que tenha uma resposta positiva. Já tem mais de dois anos que entrei com essa ação e quero uma posição da excelentíssima juíza, porque já se passou bastante tempo e até então nada foi feito. Pediram pra mim todos os antecedentes criminais, inclusive da Interpol e nada constou, porque não tenho nenhum problema com a justiça. Apresentei também todos os laudos que me pediram, inclusive de psiquiatra atestando meu caso.

Quando a juíza substituta estava no caso ela havia sido muito sensível a minha situação. Inclusive ela pediu para ouvir a minha mãe e eu. Infelizmente quando eu cheguei da Itália para ser ouvida a juíza titular já havia retornado e disse que não queria nem me ouvir nem a minha mãe.

A minha mãe queria ser ouvida, porque está junto comigo nessa jornada há muito tempo. Primeiro como mãe, depois como mulher e também como cidadã brasileira.

A excelentíssima juíza falou que não queria ouvir a gente porque já tinha tomado a decisão. Só que eu espero que a excelentíssima juíza não esteja tomando nenhuma decisão com base em religião, porque o nosso país é laico. O Brasil não tem religião e isso não deve ter nenhuma influência em qualquer decisão ou discurso do Estado.

MidiaJur – Karen porque para você é tão importante essa decisão e mudar o seu registro de nascimento?

Karen –
Isso é por vários fatores. Em toda a minha infância eu passei por bullyng e foi muito difícil. Na escola faziam motim para me pegar, cheguei a ser expulsa porque eu tentava me defender. Recentemente eu passei como terrorista no Egito. Estava eu e meu marido e quando me viram pensaram que eu era mulher e quando eu mostrei meus documentos chegaram policiais com cachorros falando árabe e eu não entendendo nada. Aí quando falaram inglês que fui entender que a situação era porque no passaporte, estava com nome masculino e eu sou toda feminina. Eu fiquei um dia presa e me deportaram de volta para a Itália. Conclusão da história é que tive que pagar um advogado para me livrar daquela situação. Isso é apenas um pouquinho das coisas que enfrento diariamente por não ter no documento o retrato do que realmente sou. E isso me acompanha sempre e quero ter uma vida mais digna.

MidiaJur – Karen não seria mais fácil fazer uma cirurgia?

Karen –
Eu não quero fazer cirurgia. Porque isso é de risco e a Constituição do Brasil também fala que qualquer tipo de intervenção cirúrgica que pode causar a morte deve ser evitável. Isso pode trazer consequências irreversíveis para a minha saúde. Além disso, não é a cirurgia que irá modificar quem eu sou.

MidiaJur – Você se descreve como uma transexual?

Karen –
Eu sou transexual para as pessoas. Porque para mim eu sou mulher. Sempre vive com a mentalidade de uma mulher, desde criança. Minha mãe percebeu desde os dois anos dois anos e meio, ela já havia percebido meus trejeitos de mulher. Minha infância foi toda feminina. Nunca me comportei como um menino e essa é a verdade. Nunca me vi assim. E sempre me senti uma mulher. Por isso que era tão importante que a excelentíssima juíza ouvisse a minha mãe, porque ela é uma senhora de idade, de igreja, ela é evangélica e poderia contar tudo que eu passei nesses anos todos. Ela me acompanhou de perto e viu todo o meu sofrimento. Eu sinto dentro de mim que sou mulher, não tenho as partes íntimas de uma mulher, mas eu sei que sou mulher. Não é um capricho e queria que a juíza tivesse percebido isso ao conversar comigo e com a minha mãe.

MidiaJur – Para você conseguir essa alteração no registro significa ter a dignidade preservada, no sentido de você poder ir e vir sem passar por nenhum tipo de problema?

Karen –
É muito mais que isso. Mas falando nessa questão, eu fico até com medo de pegar um voo. Porque ao entregar os documentos eles pedem para eu esperar, ai todo mundo entra no avião primeiro que eu, eles vão averiguar o motivo pelo qual no documento eu tenho um nome, mas me pareço com outra pessoa. Parece que sou uma criminosa, isso é muito constrangedor.

MidiaJur – Você tem acompanhado as decisões que têm saído aqui no Brasil de pessoas que como você buscaram o Judiciário para ter resguardo o direito de ser o que desejam e que os magistrados têm deferido de forma favorável. Isso te dá esperança?

Karen –
São vários casos em que o juiz autorizou a retificação do gênero. É bom dizer que isso só vai reconhecer uma condição que já existe. Um pedaço de papel para muita gente pode não significar nada, mas para eu vai modificar muita coisa. Eu falo três idiomas, inglês, italiano e português, quero entrar em uma faculdade e não quero passar pelas mesmas coisas que passei quando era criança. Ainda sou jovem e está em tempo de garantir um futuro ainda melhor para os meus familiares.

MidiaJur – Você é casada?

Karen –
Desde 2003. Infelizmente a lei italiana não me atende. Eu preciso alterar meus documentos para regularizar a minha situação. Cada vez que passa as leis aqui ficam mais severas. Então não é só uma questão de capricho é a minha vida, minha sobrevivência, o meu respeito, meu direito de ser quem eu sou que está em jogo.

MidiaJur - Você está preparada por qualquer decisão que venha do Judiciário?

Karen –
Eu espero que seja positivo. Eu tenho tudo a meu favor. Fiz um ano de terapia, mesmo não precisando, com uma psiquiatra das mais respeitadas da Itália, porque me disseram que eu tinha que passar por esse processo. Afinal, para a Justiça e para a saúde somos loucos, doentes mentais. Durante as sessões com a psiquiatra ela chegou e me disse: Karen a boba e idiota aqui sou eu, porque as perguntas de todas as formas que faço você é sempre a mesma pessoa. Aí ela me deu a perícia médica dizendo que eu sou idônea e que posso ter o sexo alterado no registro de nascimento para condizer com o que sou. Eu tenho toda a papelada, um histórico montado. Eu não decidi isso hoje, isso é de anos. Eu só não entrei com esse processo antes porque com a idade que eu já estou eu achava que teria mais credibilidade, as pessoas veriam que eu já sei o que quero. Está sendo difícil, mas vou lutar até conseguir o meu objetivo. Eu não queria expor, por causa da minha família, mas sou uma cidadã brasileira, que paga impostos, inclusive altíssimos, porque tenho uma empresa no Brasil, e tenho direito como qualquer pessoa.

MidiaJur – Karen o que isso vai representar para você quando puder pegar o seu documento de identidade com o nome e sexo alterado?

Karen –
Olha, isso é difícil até de descrever, porque vai representar o meu passado e meu presente. Eu vou poder andar dignamente na rua sem medo de poder afrontar a sociedade. Será uma vitória muito grande, porque vou alcançar meus sonhos que somente estão pendentes, na dependência desses documentos que me impedem de ser mais feliz. Eu espero sinceramente que a excelentíssima juíza me dê uma decisão favorável.

MidiaJur – Esses dois anos que você aguarda por uma decisão da Justiça como tem sido?

Karen –
Muito difícil. Vou contar uma coisa aqui que a minha mãe nem sabe e só vai saber quando essa matéria for publicada. Eu cheguei de pensar até em suicídio. Porque não é fácil, me sinto como uma indigente. Estou bloqueada em tudo que quero fazer. Estou ansiosa, como toda a minha família também está. Não foram dois dias ou dois meses, são dois anos sem uma definição. Cada e-mail dos meus advogados é um susto, porque você nunca sabe o que vai receber. Mas, recentemente tivesse a esperança de que ia dar certo quando a juíza substituta quis ouvir eu e minha mãe. Ela foi muito sensível, mas quando cheguei ao Brasil à juíza titular já tinha retornado das férias. Mas, eu afirmo a você que eu confio nas leis brasileiras. Acho que Cuiabá não é pior nem melhor que as outras cidades. Se em outras regiões do país existem decisões sendo dadas para pessoas na mesma condição que estou, porque aqui temos que ser diferentes? Eu espero imensamente por uma decisão positiva.

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